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Lave as mãos! Mas sem esquecer da economia de água

Luciano Zanella, Laboratório de Instalações Prediais e Saneamento do IPT

Publicado em: 10/07/2020

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

10/07/2020 | 14:50 - Nunca essa frase (lave as mãos!) foi tão divulgada por tanta gente e em tantos meios de comunicação. Um gesto aparentemente simples que pode reduzir a temida contaminação por diversos tipos de vírus. Sem dúvida, o assunto do momento! Um ato de higiene composto por água, sabão e um pouco de bioenergia para a esfregação das mãos.

A simplicidade desse ato esconde muito desenvolvimento científico e tecnológico: o entendimento que várias doenças são transmitidas por agentes patogênicos como vírus e bactérias pode ser incluído entre os maiores feitos da medicina e da biologia, a produção de sabões e desinfetantes pode ser incluída entre os feitos da química e a capacidade de produção de água segura para o consumo e seu transporte até dentro das casas pode ser incluído entre as contribuições mais fundamentais das engenharias civil e sanitária para a humanidade.

A relação entre epidemias, conceitos de higiene e o uso da água muitas vezes passa despercebida em um primeiro momento, mas tem potencial para moldar os costumes, as cidades e até mesmo as edificações, desde longa data.

Diarreias, hepatite verminoses e muitas das arboviroses como dengue, zika, febre amarela são exemplos de doenças que têm algum tipo de relação com o manejo da água.

Existem relatos de mais de 80 epidemias dos mais diversos tipos registradas no Rio de Janeiro entre as décadas de 1830 e 1870 e, em sua grande maioria, tinham o “saneamento” das localidades onde se instalavam como uma das possíveis formas de mitigação, denotando a necessidade de transformação do ambiente da cidade em função dos aspectos de saúde.

Vale lembrar, como exemplo, que o sistema de saneamento em modelo bastante próximo daquele que conhecemos hoje tem suas bases sedimentadas a partir da epidemia da cólera, que assolou a Inglaterra na década de 1850.

Também é digno de nota o caminho percorrido pelo banheiro em relação à edificação principal de uma residência. Praticamente inexistente, da forma que o conhecemos hoje, durante a idade média, o banheiro foi reinventado e remodelado ao longo do tempo. Após o seu ressurgimento, esse cômodo, antes malvisto, era instalado nos fundos do terreno, longe da edificação principal. Com o passar do tempo, o abandono das teorias miasmáticas de transmissão de doenças e a evolução tecnológica de coleta de esgotos e abastecimento de água, foi integrado aos edifícios, ainda em sua parte posterior, aos fundos da cozinha, na então chamada área de serviço da edificação. O desenvolvimento e refinamento de materiais e a elevação do banho e dos conceitos modernos de higiene a patamares que vão além de uma necessidade, mas de um requinte, tornaram o banheiro cômodo dos sonhos dos consumidores – quem nunca saiu de uma sessão de cinema desejando um demorado banho de banheira? – fato que alçou o banheiro a um lugar de protagonismo nas residências, ocupando seu espaço dentro dos quartos. Não é de se duvidar que a pandemia em curso imponha novas mudanças, quem sabe o ressurgimento dos vestíbulos, para que ninguém precise passar por dentro da casa toda para lavar as mãos ou até mesmo... dar banho nas compras...

Parece coisa de um passado muito distante, mas a água encanada, acessível dentro das edificações, hoje considerada um item essencial de higiene, é um avanço tecnológico de aplicação recente em território nacional. Até o final do século XIX, o abastecimento de água na cidade de São Paulo era dependente de carroceiros que vendiam a água de porta em porta ou de chafarizes e fontes onde as pessoas buscavam água que, então, era armazenada em potes dentro das casas. Somente a partir da década de 1880 que algumas famílias mais abastadas tiveram acesso a essa maravilha da tecnologia chamada água encanada.

Em um curto período de tempo o acesso à água melhorou, e muito! Apesar de estimativas apontarem que ainda cerca de 31 milhões de brasileiros não têm acesso à água fornecida por meio de rede de abastecimento, a possibilidade de obter água ao abrir uma torneira, dentro do banheiro, é uma realidade para a maioria da população. Lavar as mãos passou a ser um gesto automático, simples e corriqueiro que passa despercebido na rotina diária.

Com a concentração de pessoas em ambiente urbano e a disseminação do uso da água encanada, outra preocupação surge: como manter o suprimento de água de qualidade e em quantidade suficiente para abastecer a crescente população? Acredito que não seja necessário refrescar a memória de ninguém que habita a região Sudeste do Brasil para o grande período de estiagem ocorrido entre os anos de 2013 e 2016 que ficou conhecido como crise hídrica. Crises semelhantes foram enfrentadas por outras grandes cidades ao redor do mundo, sendo um dos casos mais emblemáticos a Cidade do Cabo, na África do Sul, que chegou à beira do seu dia zero, quanto não há mais água para abastecer a população.

Novas crises de desabastecimento não estão tão distantes. A Região Sul do País está passando agora em 2020 por um período histórico de estiagem. A redução do volume de chuvas vem ocorrendo desde 2018 e se intensificou nos últimos meses. Em maio de 2020, mês ainda considerado como inicial para o período seco, o governo do Paraná decretou emergência hídrica e foi necessário implantar rodízio de água para a Região Metropolitana de Curitiba. Para algumas regiões do estado e de estados vizinhos já é possível dizer que é o pior cenário de estiagem em mais de 50 anos, com volume acumulado de chuvas ficando em até 80% abaixo do esperado para o período.

A cidade de São Paulo teve o mês de março menos chuvoso nos últimos 36 anos, 55,2 mm, cerca de 25% do volume esperado para o período. O mês de abril seguiu a mesma tendência, tornando-se um dos meses de abril mais secos da histórica climática, com registro de menos de 10% da média histórica para o período, apenas 7,4 mm. E para o mês de maio não foi diferente, 11 mm de chuva acumulada para o mês, registrados na Estação Meteorológica do Mirante de Santana, 86% abaixo da média histórica, que é de 78,1 mm. A situação na cidade ainda não está crítica devido à ocorrência de volumes de chuva acima da média durante os meses de janeiro e fevereiro. No mês de fevereiro de 2020 choveu cerca de 450 mm com a ocorrência de uma chuva de 114 mm em 24 horas, mais que as chuvas acumuladas para março, abril e maio somadas.

Considerando a média mundial, o uso urbano de água equivale a 17% de toda a água consumida para as atividades humanas. Variações prolongadas nos regimes de chuvas, tanto para mais quanto para menos, podem ter impactos sérios na vida urbana e, quanto maior a aglomeração urbana, mais complicado torna-se o gerenciamento dos riscos envolvidos.

A gestão da água não é uma tarefa simples. Envolve aspectos de diversas áreas do conhecimento: climatologia, economia, engenharias, comportamento humano, educação... A gestão deste recurso exige focos múltiplos, tanto na oferta de água, garantindo a disponibilidade desse recurso em quantidades e em qualidade adequadas ao consumo, quanto na demanda, para que esse recurso seja utilizado de forma eficiente, sem desperdícios.

A gestão de demanda tem, dentre seus componentes, os programas de uso eficiente da água em edifícios. São planos abrangentes, de aplicação permanente, que incluem medidas tais como: projeto adequado das instalações de forma a reduzir o desperdício, o emprego de componentes hidráulico-sanitários tecnologicamente adequados, o combate a vazamentos e desperdícios, o estabelecimento e acompanhamento de indicadores de consumo, a setorização do abastecimento para facilitação do controle de vazamentos, a substituição de fontes de abastecimento quando possível, ações de educação ambiental entre outras.

Uma das formas mais imediatas de reduzir o consumo de água em edifícios existentes é atuar diretamente no ponto de utilização, trocando componentes hidráulicos convencionais por componentes hidráulicos economizadores. Podem ser considerados equipamentos economizadores aqueles que permitem que uma atividade já praticada continue sendo realizada, sem alteração na percepção de conforto do usuário, mas com redução do volume de água consumido.

Sem perder o foco na lavagem das mãos, um acessório que permite a redução do consumo, de forma mais prática e simples, é o arejador para torneiras. Acessório já bastante difundido no mercado e que, atualmente, é parte integrante de um grande número de modelos. São acessórios encontrados comumente em torneiras destinadas à instalação em lavatórios e tem por princípio de funcionamento a introdução de ar no jato de água, preservando a sensação de volume de que o usuário está acostumado, mas com a redução da quantidade de água consumida.

A redução do volume de água consumido em torneiras também pode ser realizada, de forma prática, pelo uso de arejador de vazão constante, ou pulverizador do jato de água. São acessórios que reduzem a vazão de água e promovem a divisão do jato em diversos filetes. Mantém-se a sensação de espalhamento da água durante o uso, mas com redução do volume consumido. A vazão de uma torneira de lavatório pode ser reduzida de até 6 L/min para 1,8 L/min com a utilização desses acessórios (Figura 1).

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Da esquerda para a direita: torneira comum (jato sólido ou pleno), torneira com arejador (jato com bolhas de ar) e torneira com arejador de vazão constante (filetes de água) (fonte: acervo do autor)

A vazão da água que flui pelas torneiras também pode ser limitada utilizando-se redutores de vazão. São peças facilmente instaláveis na tubulação que alimenta a torneira com o objetivo de reduzir do fluxo da água.

A utilização de equipamentos hidráulicos economizadores pode ser uma estratégia simples, relativamente barata e de fácil aplicação como um dos passos iniciais para reduzir os volumes de água utilizados em atividades corriqueiras dentro dos programas de uso eficiente de água em edifícios e colaborar para a conservação desse importante recurso indispensável para a vida.

De qualquer forma, sempre é bom lembrar: seja no banheiro no fundo do quintal, na pia de mármore da suíte ou no seu futuro vestíbulo, lave bem as mãos! Mas não se esqueça de economizar água!

Minicurrículo do autor 

Luciano Zanella – possui graduação em engenharia civil pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995), mestrado em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas (1999) e doutorado em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas (2008). Atualmente é engenheiro pesquisador do Laboratório de Instalações Prediais e Saneamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, professor dos cursos de mestrado profissional em Habitação e em Processos Industriais do IPT, revisor de periódico da Ecological Engineering e revisor de periódico da Revista Engenharia Sanitária e Ambiental. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em saneamento e ambiente. Atuando principalmente nos seguintes temas: uso eficiente de água, manejo de água de chuva, sistemas naturais de tratamento de esgotos.