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Afinal, o que é inércia térmica em edifícios?

Maria Akutsu, Adriana Camargo de Brito, Laboratório de Conforto Ambiental, Eficiência Energética e Instalações Prediais do IPT

Publicado em: 06/07/2021

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

30/06/2021 | 16h00 - As técnicas passivas de climatização de ambientes eram muito utilizadas em edifícios quando não havia ventiladores ou ar condicionado. Nessa situação, a interação térmica entre a envoltória do edifício e o clima do local era responsável por proporcionar condições térmicas adequadas ao ser humano. Nesse contexto, as edificações eram projetadas tomando cuidados específicos quanto à forma do edifício, o tipo de componentes, aberturas, elementos de sombreamento, dentre outros.

A inércia térmica é uma das técnicas passivas de climatização que tem sido utilizada milenarmente, principalmente em locais com grande amplitude diária da temperatura do ar exterior e radiação solar intensa. Envoltórias de edifícios antigos com alta inércia térmica costumam ter alta capacidade térmica, com componentes construtivos espessos, em pedra, solo ou tijolos maciços, pequenas aberturas, elementos de sombreamento e até mesmo parte da edificação enterrada, com contribuições da inércia térmica do solo.

No Brasil, há vários exemplos de edificações antigas com alta inércia térmica (Figura 1), vários deles remontando ao século XVIII, com influência da arquitetura colonial, construídas com técnicas tradicionais da época, com uso de elementos como tijolo cerâmico maciço, pedra, taipa de pilão, taipa de mão, adobe ou pau a pique (RODRIGUES, 1979).

Inércia térmica em edifícios
Nota: Foto à esquerda, residências com arquitetura compacta e elementos construtivos espessos, à direita, parte de antiga parede de pedra, exibida em um estabelecimento comercial. Figura 1 – Edifícios com alta inércia térmica em Ouro Preto-MG (Foto: BRITO, 2015)

Não há um consenso sobre quais parâmetros caracterizam a inércia térmica. Dentre os estudiosos do assunto, de maneira geral, é abordada com base em parâmetros relativos aos componentes ou ambientes.

INÉRCIA TÉRMICA DE COMPONENTES E DE AMBIENTES

Vários autores caracterizam a inércia térmica tendo como referência o comportamento térmico de componentes construtivos, utilizando como referência fluxos de calor ou temperaturas superficiais dos componentes (MACKEY; WRIGHT, 1943; DREYFUS, 1960; OLGYAY, 1963; RIVERO, 1985; GONZALO, 2003; DIM, 2008). Nesses casos, é observado o “amortecimento” da amplitude térmica de fluxos de calor ou da amplitude térmica entre temperaturas superficiais internas e externas ao longo de um dia. Alguns autores abordam também o “atraso”, ou seja, o período de tempo decorrido entre os momentos de ocorrência dos valores máximos de temperatura nas duas superfícies.

Entretanto, o comportamento térmico de um ambiente de uma edificação é o resultado da interação entre todos os seus componentes (paredes, piso, cobertura, janelas, portas) quando expostos a determinadas condições climáticas. Assim, informações genéricas sobre um único componente não bastarão para indicar qual seria a inércia térmica do edifício.

Uma caracterização mais completa da inércia térmica deve considerar o comportamento térmico de um ambiente, com base no perfil diário das temperaturas do ar interior e exterior (AKUTSU, 1983). Nesse caso, como a temperatura do ar interior é resultado da interação térmica entre todas as superfícies internas e demais elementos presentes na edificação, tal caracterização representa a resposta térmica da envoltória às condições climáticas do local, representada pela temperatura do ar exterior.

Dessa forma, de modo geral, quanto maior for o amortecimento da amplitude da temperatura do ar interior em relação à amplitude da temperatura do ar exterior, e quanto maior for a defasagem entre os perfis dessas temperaturas, maior é a inércia térmica do ambiente. Entretanto, como o instante de ocorrência do valor máximo da temperatura do ar no interior de um ambiente sofre influência da orientação solar da janela, o “atraso” não deve ser utilizado como parâmetro de comparação entre ambientes com diferentes orientações de aberturas. Nas figuras 2 e 3, são indicados exemplos do comportamento térmico de ambientes com alta inércia térmica e com baixa inércia térmica, respectivamente.

Inércia térmica em edifícios
Figura 2 – Exemplo do perfil horário da temperatura do ar exterior em relação ao do ar interior, típico de um ambiente com alta inércia térmica (ilustração: BRITO, 2015)
Inércia térmica em edifícios
Figura 3 - Exemplo do perfil horário da temperatura do ar exterior em relação ao do ar interior, típico de um ambiente com baixa inércia térmica (ilustração: BRITO, 2015)

Na Figura 2, correspondente a um ambiente com alta inércia térmica, observa-se um amortecimento significativo da amplitude da temperatura do ar interior em relação à amplitude da temperatura do ar exterior, e uma defasagem expressiva entre os perfis das duas temperaturas. Neste exemplo, a atenuação na variação da temperatura do ar interior proporciona condições de conforto térmico que podem ser consideradas como satisfatórias por pelo menos 80% dos ocupantes (AKUTSU, 1998).

No exemplo da Figura 3, há um amortecimento pouco significativo da amplitude da temperatura do ar interior em relação à amplitude da temperatura do ar exterior, bem como uma menor defasagem entre os perfis dessas temperaturas ou seja, temperaturas internas muito próximas daquelas encontradas no ambiente externo.

INÉRCIA TÉRMICA DE AMBIENTES PARA ADEQUAÇÃO CLIMÁTICA

Para utilizar a inércia térmica como uma solução para a obtenção de condições térmicas aceitáveis ao ser humano em um ambiente, é importante analisar o clima do local. Geralmente, a inércia térmica é adequada para edificações expostas a locais com amplitude diária da temperatura do ar maior ou igual a 10 oC (AKUTSU, 2012). Isto é providencial especialmente quando o valor médio da temperatura do ar exterior está contido na zona de conforto térmico humano, como, por exemplo, na cidade de São Paulo (Figura 4).

Essa estratégia funciona bem, principalmente para ambientes com fontes internas de calor pouco significativas, como habitações, por exemplo, com baixas taxas de ocupação e de produção de calor por equipamentos.

Inércia térmica em edifícios
Nota: Em azul, o perfil horário da temperatura do ar exterior; hachura representa a zona de conforto térmico em ambientes naturalmente ventilados (ASHRAE, 2013b). Figura 4 – Perfil horário da temperatura do ar exterior da cidade de São Paulo-SP em um dia típico de verão. Dia típico obtido de Associação Brasileira de Normas Técnicas (2013) (ilustração: BRITO, 2015)

Em locais com baixa amplitude diária da temperatura do ar, menor que 6 oC (Figura 5), devem-se ter maiores cuidados ao utilizar a inércia térmica, principalmente se os intervalos de temperaturas diários do ar típicos do verão da região estiverem distantes daqueles que geralmente proporcionam conforto térmico humano (clima quente e úmido, por exemplo). Nessa situação, ambientes com alta inércia térmica proporcionam um amortecimento da amplitude diária da temperatura do ar, promovendo uma redução no valor máximo da temperatura do ar interior. Porém, também ocorre um aumento no valor da temperatura mínima do ar interior, que já se encontra acima da zona de conforto térmico, piorando as condições de conforto no local (Figura 6).

Inércia térmica em edifícios
Nota: A linha azul indica o perfil horário da temperatura do ar exterior. A parte hachurada representa a zona de conforto térmico para ambientes naturalmente ventilados (ASHRAE, 2013b). Figura 5 – Perfil horário da temperatura do ar exterior do Rio de Janeiro em um dia típico de verão. Dia típico obtido de Associação Brasileira de Normas Técnicas (2013) (ilustração: BRITO, 2015)
Inércia térmica em edifícios
Nota: Em azul, é indicado o perfil horário da temperatura do ar exterior e, em vermelho, o perfil horário da temperatura do ar em um dormitório. A parte hachurada representa a zona de conforto térmico para ambientes naturalmente ventilados (ASHRAE, 2013). Figura 6 – Perfil horário das temperaturas do ar exterior e no interior de habitação no Rio de Janeiro-RJ, em dia típico de verão (fonte: autora). Dia típico obtido de Associação Brasileira de Normas Técnicas (2013)

No Brasil, há várias cidades nas quais, observando-se seus dias típicos de verão, há amplitudes diárias da temperatura do ar de 9 oC a 14 oC, com valores das temperaturas máxima e mínima diárias próximos da zona de conforto térmico humano (Figura 7). Cidades como São Paulo, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte, por exemplo, apresentam potencial para se utilizar a inércia térmica para a melhoria das condições térmicas no interior de edificações.

Inércia térmica em edifícios
Figura 7 – Intervalos de temperaturas do ar de algumas cidades brasileiras no dia típico de verão e zona de conforto. Dia típico obtido de Associação Brasileira de Normas Técnicas (2013) e Zona de conforto obtida de American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (2013). (ilustração: BRITO, 2015)

VARIÁVEIS QUE AFETAM A INÉRCIA TÉRMICA DE AMBIENTES

Uma vez que a inércia térmica nada mais é que uma característica da edificação quanto ao seu comportamento térmico, ela é afetada por todas as características dos materiais, elementos e componentes da edificação, assim como das suas dimensões geométricas e orientações das superfícies expostas ao Sol.

Entretanto, do ponto de vista prático, podemos destacar como mais significativas a Capacidade Térmica e a Transmitância Térmica dos elementos opacos da envoltória de um ambiente, conforme definição contida nas Normas NBR 15575 (ABNT 2021) e NBR 15220 (ABNT, 2008). Dentre estas duas variáveis, a Capacidade Térmica Efetiva da envoltória pode ser utilizada como o indicador principal para a inércia térmica do ambiente.

A Capacidade Térmica de um componente corresponde ao produto do calor específico do material pela sua massa – na Norma NBR 15575 é expressa em (kJ/m².K); indica a quantidade de calor necessária para elevar de 1 K ou 1º C a temperatura de 1 m² do componente. Como a maioria dos materiais de construção convencionais apresentam calor específico da mesma ordem de grandeza, costuma-se dizer que edificações com paredes mais espessas, janelas menores e piso em contato com o solo, apresentam maior inércia térmica.

Para se ter uma ideia de valores, uma parede de uma edificação antiga feita de pedra, com 40 cm de espessura, tem uma capacidade térmica altíssima, da ordem de 700 kJ/m².K. Uma parede mais usual na construção civil, com 10 cm de concreto, tem capacidade térmica de 240 kJ/m².K, enquanto uma parede de um sistema construtivo leve, feita com uma placa cimentícia de 1 cm de espessura na face externa, espaço de ar e uma placa de gesso para drywall na face interna, tem uma capacidade térmica baixa, da ordem de 37 kJ/m².K.

A transmitância térmica indica a capacidade de isolamento térmico do componente. Componentes com alta transmitância térmica transmitem mais calor em comparação com outros com baixa transmitância térmica. A transmitância térmica é calculada com base na espessura e na condutividade térmica dos materiais. Materiais isolantes térmicos têm baixa condutividade térmica, da ordem de 0,04 W/m.K. Quando adicionados a componentes construtivos, reduzem de modo significativo a sua transmitância térmica. Uma cobertura de telhas cerâmicas e forro de madeira tem uma transmitância térmica da ordem de 2,0 W/m².K. Acrescentando-se 5 cm de material isolante térmico sobre a cobertura, a transmitância térmica desse componente passa a ser da ordem de 0,6 W/m².K.

Deve-se observar, contudo, que o posicionamento de material isolante térmico pode afetar significativamente a inércia térmica de um ambiente, especialmente nas paredes e no piso. Na presença de material isolante térmico, no cômputo da Capacidade Térmica do componente como indicador da inércia térmica do ambiente, deve ser considerada apenas a massa do componente posicionada a partir do isolante térmico para o ambiente interno. Ou seja, apenas a camada de material voltada para o ambiente interno é que contribui de forma significativa para amortecer as variações da temperatura do ar interior. A camada de material isolante térmico impede que o calor presente no ambiente interno seja absorvido pela camada de material posicionado na parte externa, embora contribua para diminuir significativamente a transferência de calor entre os ambientes internos e externos. É por esta razão que na norma NBR 15575, no seu Método Simplificado, é definido o termo Capacidade Térmica Efetiva quando da presença de material isolante térmico em paredes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este breve relato mostra que é fundamental identificar, primeiro, se o clima do local é propício ao uso da inércia térmica como estratégia para obtenção de melhores condições de conforto térmico. A partir daí, é necessário promover estudos específicos para a escolha de componentes construtivos, a forma de utilização dos materiais e o desenvolvimento de um projeto da edificação contemplando também estes preceitos de conforto ambiental e de sustentabilidade do ambiente construído.

Neste sentido, vale lembrar que uma edificação adequada ao clima local pode até dispensar totalmente o uso de sistemas de condicionamento térmico, especialmente no caso de habitações, dadas as suas características de ocupação. A otimização de um projeto pode ser feita por meio de simulações computacionais, fazendo uso de ferramentas poderosas hoje disponíveis até mesmo gratuitamente, como é o caso do Programa Energy Plus (USDOE, 2021), amplamente reconhecido pela sua abrangência de aplicação, com alto grau de confiabilidade.

REFERÊNCIAS 

AKUTSU, M. Aplicação do Método dos Fatores de Resposta para a Determinação da Resposta Térmica de Edificações. 1983. 82 p. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1983.

AKUTSU, M. Método para avaliação do desempenho térmico de edificações no Brasil. 1998. 150 p. Tese (doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

AKUTSU, M.; BRITO, A. C. D.; CHIEPE, C. P. O efeito da capacidade térmica e da resistência térmica de paredes no desempenho térmico de habitação na cidade de São Paulo. In: Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construido, 2012, Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora: Antac, 2012.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220: Desempenho Térmico de Edificações. Rio de Janeiro, 2008.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575: Edifícios Habitacionais – Desempenho. Rio de Janeiro, 2013. Adendo 2021.

BRITO, A. C. Contribuição da inércia térmica na eficiência energética de edifícios de escritórios na cidade de São Paulo. 2015. 241p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Mecânica, São Paulo, 2015.

DEUTSCHES INSTITUT FÜR NORMUNG. DIN ISO 13786: Thermal performance of building components - Dynamic thermal characteristics - Calculation methods -. Brussels, 2007.

DREYFUS, J. Le Confort L'habitat en Pays Tropical. Paris: Eyrolles, 1960.

GONZALO, G. E. Manual de arquitectura bioclimática. 2a Edição. Tucumán: Nobuko / O´Gorman, 2003.

MACKEY, C. O.; WRIGHT, L. T. Summer Comfort Factors as Influenced by Thernal Properties of Building Materials. American Society of Heating and Ventilating Engineers Journal. 49,1943.

OLGYAY, V. Design with Climate. New Jersey: Princeton University Press, 1963.

RIVERO, R. Arquitetura e Clima. 2a Edição. Porto Alegre: D.C. Luzzato, 1985. 240 p.

RODRIGUES, J. W. Documentário Arquitetônico. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

UNITED STATES DEPARTMENT OF ENERGY - USDOE. Energy Plus Simulation Software, 2021.