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Poluição sonora e incomodidade em cidades

Laboratório de Conforto Ambiental do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

Publicado em: 01/10/2020

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

poluição sonora nas cidades
O crescimento desenfreado das metrópoles é um dos motivos pela poluição sonora (foto: shutterstock/Navin Penrat)

30/09/2020 | 14:00 - São diversos os motivos pelos quais as cidades, em todo o mundo, vêm apresentando problemas quanto à poluição sonora. Dentre eles é possível citar alguns fatores responsáveis por esse tipo de poluição, como por exemplo: o crescimento desordenado das cidades, que muitas vezes resulta na construção de residências, escolas, hospitais e escritórios nas proximidades de fábricas ou outros elementos geradores de ruído pré-existentes; o tráfego de veículos automotores em ruas, avenidas e estradas que cortam bairros e municípios; o ruído aeroviário; o ruído ferroviário; a construção de empreendimentos sem os devidos cuidados para redução das fontes de ruído geradas na obra, principalmente em locais com vizinhança residencial, além do eventual desrespeito às leis e aos bons costumes pela própria população.

Dentre esses fatores, o ruído de tráfego de veículos destaca-se como uma das principais fontes de ruído nas cidades, estando presente, dia e noite, pois as atividades dos moradores e trabalhadores das cidades não se limitam mais a períodos específicos do dia, principalmente em grandes centros urbanos como a cidade de São Paulo, onde há movimento de automóveis, motocicletas, ônibus e caminhões em boa parte da cidade praticamente durante as 24 horas do dia.

A Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil, é estabelecida pela Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Esta lei define o que é poluição no artigo 3°, inciso III.

Considera que a poluição sonora é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população, além de criar condições adversas às atividades sociais e econômicas. No mesmo artigo, no inciso IV, também é definido o poluidor como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Em face do que é poluição e poluidor, é importante para os projetistas avaliar a condição ambiental na área onde será implantado um empreendimento imobiliário, para proporcionar conforto acústico dos usuários dos edifícios e garantir que o empreendimento não seja um potencial poluidor sonoro do seu entorno. Estudos de impacto de vizinhança devem ser feitos, levando em conta, não somente o ruído que será gerado pelo empreendimento, mas também o impacto da movimentação de veículos e pessoas nos seus arredores. Todos esses aspectos contribuem para o aumento do nível de ruído da região, podendo assim ser caracterizados como poluição sonora.

Para a avaliação da poluição sonora, temos a Resolução CONAMA nº 1, de 8 de março de 1990, que cita duas normas técnicas, sendo a norma ABNT NBR 10.151 que estabelece valores limites máximos de ruído aceitáveis para áreas habitadas e a norma ANBT NBR 10.152, que estabelece os níveis máximos de ruído permitidos no interior das residências e edifícios, conforme o tipo de utilização. Além disso, muitos municípios têm sua própria legislação sobre os níveis de ruído permitidos conforme o zoneamento das cidades. No entanto, a pergunta que se faz é como avaliar o ruído, de forma a caracterizar a poluição sonora, pois poluição sonora não está relacionada somente ao nível de ruído, estabelecido nesses documentos, mas também à incomodidade que o ruído provoca aos habitantes. A incomodidade pode existir mesmo que o nível de ruído esteja dentro dos parâmetros que as normas e leis estabelecem como aceitáveis.

A partir dos levantamentos de ruído ambiental realizados pelo IPT durante mais de 35 anos, tem-se constatado que, além de casos de poluição sonora onde os níveis de ruído excedem os estabelecidos em normas e leis, há também aqueles nos quais o nível de ruído atende aos níveis estabelecidos em documentos regulamentadores, porém os usuários dos edifícios ou espaços urbanos sentem-se incomodados.

A incomodidade sonora afeta as pessoas sob os aspectos psicológicos e físicos, podendo desencadear, em longo prazo, problemas de saúde. A Organização Mundial da Saúde, assim como diversos estudos epidemiológicos, associa o ruído a doenças, como cardiopatias, diabetes, dentre outras. Além disso, o ruído está relacionado à baixa produtividade de trabalhadores e de estudantes, além da possibilidade de provocar perda auditiva em alguns casos.

Para um melhor entendimento sobre ruído, cabe aqui uma breve explicação sobre alguns conceitos importantes para o entendimento do assunto.

• O nível de ruído estabelecido em normas e leis, expresso em dB (decibels), é a grandeza que estabelece a quantidade de ruído e podemos associá-lo ao volume que se escuta, porém ele não traz uma informação sobre a qualidade do som, isto é, se o som é continuo ou intermitente, se é grave ou agudo ou se é inteligível ou ininteligível.

• A incomodidade sonora ocorre pela percepção de sons vindos do exterior da edificação, como o ruído de tráfego, de músicas em shows, de pessoas em bares e outros geradores de ruído ou também por sons vindos da própria edificação, como o funcionamento de bombas d’água, elevadores, vozes, impactos, dentre outros. A incomodidade ocorre quando o som em questão ultrapassa o nível de ruído residual da região (ruído normalmente existente no local, denominado ruído de fundo), passando a ser percebido e entendido. Quando um som intrusivo em nosso ambiente traz uma mensagem inteligível, ele causa mais incômodo do que um som, com a mesma intensidade, em que a mensagem não seja entendida.

Neste período, em que se está cumprindo uma quarentena devido à pandemia provocada pela COVID-19, pode-se perceber uma redução do nível de ruído nas cidades, em muitos lugares, silêncio, há muito tempo não percebido, proporcionada principalmente pela redução do ruído de tráfego de veículos que, como citado anteriormente, é considerado um dos fatores que mais gera ruído em cidades, além da redução da circulação de pessoas.

A redução do ruído ambiental proporcionou a percepção de muitos ruídos que já existiam nos ambientes, mas estavam mascarados pela poluição sonora: começou-se a ouvir mais o canto dos pássaros, os latidos de cachorros, o ruído da execução de obras, das vozes de vizinhos, ou seja, diversos sons que antes estavam “escondidos” pelo ruído da cidade. Isto ocorre, pois quando uma fonte de ruído é silenciada, como está acontecendo nesses dias de afastamento social, outras fontes passam a ser percebidas. Em resumo, quando se ouvem mais pássaros cantando agora, não quer dizer que eles já não cantassem antes. Só percebemos agora, pois o ruído do tráfego se reduziu ao ponto dessas fontes sonoras se tornarem perceptíveis.

A sensação de redução de ruído na cidade é bem-vinda, possivelmente notada pela população de vários locais, o que é agradável. Cabe agora tentar manter essa qualidade sonora, seja mitigando o ruído ambiental quando da volta à normalidade, seja tratando dos fatores que podem gerar incomodidade.

Para mitigar o ruído nas cidades, existem recursos fundamentais, como por exemplo, o mapeamento de ruído, que é uma ferramenta que fornece o diagnóstico de como o ruído está na cidade. De posse dessa informação, é possível escolher onde e quais são as ações que devem ser tomadas para projetar o futuro da cidade, uma vez que algumas implementações futuras, como a utilização de veículos elétricos, com baixíssima geração de ruído, promoverá uma redução do ruído de tráfego.

Com a redução do ruído de tráfego, muitos outros ruídos serão notados e, então, as cidades terão que estar preparadas para garantir o conforto acústico aos seus habitantes, mesmo que o ruído seja proveniente de fontes distantes, sendo potenciais causadores de incomodidade sonora para boa parte da população. Dessa forma, cabe ainda acrescentar a necessidade de rever as legislações e documentos técnicos que estabelecem limites de ruído e prepará-los para essa nova realidade.

Colaboração técnica

Marcelo de Mello Aquilino – físico formado pela PUC-SP com mestrado em tecnologia na construção de edifícios pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT). Atualmente pesquisador do IPT vinculado ao Laboratório de Conforto Ambiental. Experiência de 32 anos na área de acústica e térmica. Professor do curso de mestrado do IPT.
Adriana Camargo de Brito – doutora em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (USP) Mestre em Tecnologia do Ambiente Construído pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e arquiteta formada pela Universidade Paulista (UNIP). Trabalha no Laboratório de Conforto Ambiental do IPT desde 2006, atuando em avaliações e consultorias nas áreas de desempenho térmico, acústico, lumínico e ergonômico de edifícios. Também é docente do curso de Mestrado em Habitação do IPT.