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Quais são os primeiros passos da sustentabilidade nas construtoras?

Atender aos requisitos de eficiência ambiental exige uma análise dos processos da empresa e dos impactos gerados. A partir daí, é trabalhar para reduzir consumos e a pegada de carbono

Publicado em: 19/12/2023

Texto: Eric Cozza

Faz um bom tempo que o tema da sustentabilidade ganhou força na indústria da construção civil. Desde antes da virada do século, temas como o uso racional da água, eficiência energética, gestão de resíduos, madeira legal e áreas contaminadas já faziam parte da pauta estratégica do setor.

Desde então, as certificações proliferaram, houve muitos avanços na legislação ambiental, mas é preciso admitir que nem todas as construtoras se engajaram, de fato, no atendimento aos requisitos de sustentabilidade.

Eis que agora, em plena década de 2020, as mudanças climáticas se aceleraram e o conceito de ESG – além da dimensão ambiental, mas também social e de governança – se estabeleceu como uma realidade em todos os setores, com forte pressão de investidores, bancos e organismos nacionais e internacionais.

Para falar sobre esse assunto, nós convidamos para o podcast AEC Responde um profissional que vive o tema no dia a dia. Estamos falando do engenheiro José Luiz Esteves da Fonseca, gestor executivo de sustentabilidade da MRV&CO. Ouça o podcast e/ou leia entrevista na íntegra, a seguir:

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AECweb – Pensando em uma pequena ou média construtora, quais seriam os primeiros passos a serem tomados em relação ao tema da sustentabilidade? O que o senhor aconselharia focar?

José Luiz Esteves Fonseca – A visão sobre a sustentabilidade, hoje, é muito ampla. Então, ao olhar para uma empresa pequena ou média, eu acho que poderia iniciar verificando os impactos positivos e negativos que o negócio costuma causar. Como impacta a cadeia produtiva ao redor, os stakeholders, que chamamos de partes interessadas? Como eu estou entregando o produto para o meu cliente? Engloba a questão da habitabilidade daquele imóvel e o que ele traz embarcado em termos de consumo de energia, água, durabilidade e os produtos utilizados. E olhar também para os fornecedores e colaboradores. Será que todos os prestadores de serviços cumprem as leis trabalhistas de forma correta? Infelizmente, ainda vemos por aí casos em que o pessoal descumpre até convenções coletivas. Então, temos que olhar para a amplitude do processo. Fazer uma análise crítica dos fornecedores, por maior ou menor que ele seja. Como é o seu produto, o que é entregue? Como é a fábrica, de onde é retirada, por exemplo, a areia ou a brita? As licenças ambientais estão corretas? E olhar também para o social, que nem todo mundo faz: a vizinhança, por exemplo. Obra impacta o vizinho. Incomoda. Então, como nós vamos trabalhar perturbando o mínimo possível, respeitando os direitos dele? Você pode ser uma construtora com 10 funcionários e respeitar o vizinho: não sujar a porta dele e cumprir os horários determinados pela prefeitura. Essas coisas ajudam muito a governança e a sustentabilidade dentro do processo.

“Não há como falar em mudanças climáticas na construção civil sem mudar o processo de produção. É preciso pensar no tipo de energia que está sendo utilizada. Dá para substituir o diesel? São muitos detalhes e é na somatória deles que podemos contribuir para a redução do impacto no meio ambiente”
José Luiz Esteves Fonseca (MRV)

AECweb – Água, energia e gestão de resíduos são as pautas mais ‘tradicionais’ relacionadas à sustentabilidade na construção civil. O avanço das mudanças climáticas pode alterar um pouco as prioridades, ou seja, trazer novas urgências?

Fonseca – Na década de 1990, foi criado o PBQPH (Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat), que já abordava a questão do desperdício e o consequente impacto ambiental disso. Quando você buscava a certificação, o programa já trazia as questões do consumo de água e de energia. São itens ambientais que, hoje, correspondem à letra ‘E’ (environmental ou ambiental) da sigla ESG. Compõem a pauta de sustentabilidade e impactam muito as mudanças climáticas. Hoje é possível medir a pegada de carbono relacionada a esses itens. A MRV, por exemplo, que é uma empresa de capital aberto, divulga esse dado para o mercado e informa como faz as devidas compensações. Então, nesse sentido, como podemos contribuir? Buscando reduzir os consumos. Por exemplo, gerar menos resíduo, a partir da escolha de um processo construtivo que leve isso em consideração. Não há como falar em mudanças climáticas na construção civil sem mudar o processo de produção. É preciso pensar no tipo de energia que está sendo utilizada. Dá para substituir o diesel? São muitos detalhes e é na somatória deles que podemos contribuir para a redução do impacto no meio ambiente. Afinal, na hora que eu consumo areia ou brita, acabo gerando um impacto de desmatamento, necessário para o processo de mineração. Será que eu consigo trabalhar com uma areia industrializada? Isso tudo tem que ser estudado para verificar o menor impacto possível. E o tipo de cimento que vamos usar? Será que consegue gerar um resgate de carbono? Tudo isso faz parte do setor, não apenas das construtoras, mas da cadeia produtiva como um todo. Temos que influenciar todos os fornecedores: seja grande, médio ou pequeno. Todo mundo pode contribuir.

“Algumas pessoas costumam dizer que a sustentabilidade é apenas uma certificação, uma despesa a mais. Não é verdade. Traz ganhos de produção e retorno financeiro para a empresa, por menor que seja o porte da companhia”
José Luiz Esteves Fonseca (MRV)

AECweb – Uma construtora, isoladamente, por maior que seja, não consegue convencer toda a cadeia de suprimentos e de serviços, em um setor pulverizado como a construção, a alterar seus processos, visando a sustentabilidade. O que falta para avançarmos nesse sentido, de integração setorial?

Fonseca – A agenda não é individual, mas coletiva. Caso contrário, não sai do lugar. Mas cabe a nós, como maior construtora da América Latina, influenciar o setor e ajudar de alguma forma. Fazer o benchmark e trazer esse conhecimento. Trabalhamos junto com a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) nesse sentido. Também conversamos muito com os nossos os fornecedores sobre a pegada de carbono de cada um deles, pois isso nos influencia. Temos processos para medir isso. Algo que nos permite comparar e verificar qual empresa tem uma pegada menor. Mas, sim, trata-se de um processo coletivo, que demanda transparência: assumir qual é a sua pegada de carbono e informar o que está sendo feito para reduzir. A MRV mudou muito o processo construtivo nos últimos anos e isso nos proporcionou uma redução de resíduos, com a qual diminuímos também a pegada de carbono. Também procuramos reutilizar e reciclar. A MRV não compra madeira de lei, apenas reciclada e com certificação. Isso ajuda a estimular outras empresas: outras construtoras começam a comprar só madeira legal e aí fica bem mais fácil. Com nosso sistema construtivo de forma metálica, reduzimos praticamente a zero o consumo de madeira nos canteiros.

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AECweb – Há algo que a maior digitalização dos processos, o BIM e o avanço, por exemplo, da inteligência artificial, podem contribuir para melhorar a eficiência ambiental da construção civil brasileira?

Fonseca – 
Costumo brincar que, quando começamos a mexer com sustentabilidade na MRV, suávamos muito. Era um esforço enorme. Tudo era planilhado e tínhamos que correr atrás das informações, porque não havia nada. Hoje, temos processos de digitalização, de inteligência, não só artificial. O pessoal utiliza o que chamamos de mapeamento estratégico do processo e softwares que nos permitem medir a pegada de carbono. Hoje, com um estalar de dedos, consigo identificar um resíduo que foi gerado ontem. Na hora que você digitaliza, ganha mais assertividade no processo de projeto. Qualquer alteração é muito mais rápida. Você consegue reduzir erros para frente. Fomos evoluindo no controle da água, da luz e do resíduo. Hoje, existem várias prefeituras que digitalizaram o CTR (controle de transporte de resíduos). Assim, o próprio órgão público consegue mapear todo o tipo de resíduo que está sendo gerado e descartado. Algumas pessoas costumam dizer que a sustentabilidade é apenas uma certificação, uma despesa a mais. Não é verdade. Traz ganhos de produção e retorno financeiro para a empresa, por menor que seja o porte da companhia. Sem falar que, hoje, você consegue informar e divulgar para o mercado o resultado das suas ações, o que é muito valorizado na hora de buscar financiamentos, nas certificações e respectivas auditorias. Você mostra para o mercado o seu produto e a pegada ambiental. Consigo provar que sou mais sustentável do que A, B ou C. E aí passa a ser uma escolha do cliente ou de quem está financiando de escolher, ou não, a empresa mais comprometida com o meio ambiente.

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Colaboração técnica

José Luiz Esteves da Fonseca – Gestor executivo de relações institucionais e sustentabilidade na MRV&CO, possui mais de 30 anos da experiência na área de construção civil e sustentabilidade. Graduado em engenharia civil pela UFMG e pós-graduado em engenharia de segurança do trabalho, gestão em resíduos sólidos e meio ambiente, além de gestão e perícia ambiental. Atua na MRV há 16 anos e passou pelas áreas de engenharia de segurança do trabalho e gestão ambiental, foi gestor executivo de segurança, saúde, meio ambiente, qualidade e sustentabilidade até 2021, coordenando o processo de implantação da gestão de resíduos da empresa.