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Como controlar o nível de ruído nas obras?

Industrializar os canteiros, treinar equipes, selecionar o maquinário, colocar a manutenção em dia, estabelecer restrições de horários e escolher bem o local para a operação de equipamentos são algumas medidas

Publicado em: 24/01/2024

Texto: Eric Cozza

A poluição sonora tem sido cada vez mais estudada e debatida em todo o mundo. O problema ganhou corpo com a Revolução Industrial, a introdução dos automóveis e o surgimento dos grandes centros urbanos.

Uma das fontes geradoras de ruídos são os canteiros de obras. Difícil pensar em uma construção ou até mesmo em uma reforma sem que haja barulho e algum incomôdo para a vizinhança.

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Mas como controlar o nível de ruído em diferentes tipos de atividades desenvolvidas nas obras? Como amenizar o impacto para a vizinhança, evitar multas e infrações e respeitar as condições de saúde dos trabalhadores?

Para falar sobre o assunto, convidamos para o podcast AEC Responde o engenheiro civil e de segurança, ex-auditor fiscal do trabalho e atual consultor técnico do Seconci-SP, o professor Gianfranco Pampalon. Ouça o áudio e/ou leia entrevista, a seguir:

AECweb – Como controlar o nível de ruído nas obras? Isso é possível?

Gianfranco Pampalon  Sim, é possível. No caso do uso de máquinas, equipamentos, processos e veículos, o primeiro passo é buscar soluções nas quais o ruído gerado seja menor. Utilizar tecnologias para o isolamento acústico e fazer a manutenção adequada. Infelizmente, é comum verificarmos nas obras equipamentos desgastados, que acabam gerando um ruído superior. Podemos usar também isolamento acústico na própria máquina, equipamento ou ferramenta. Ou barreiras acústicas, como divisórias de madeirite e compensados. Em alguns casos, até barreiras naturais, como árvores e vegetação preexistente. Mas existem alguns equipamentos empregados na construção civil que tornam a missão muito difícil, quase inviável. Por exemplo: o bate-estacas na fase de fundações. A única solução é alterar a técnica empregada, para evitar o uso desse equipamento. Sabe o que incomoda também? Os ruídos gerados pelos próprios trabalhadores durante o descarregamento de carga. Por causa da pressa, o operário arremessa o material e aí gera aquele ruído de impacto, de peças metálicas, madeiras etc. Nesse caso, é uma questão de orientação e treinamento. Outra providência fundamental e fácil de implementar consiste em escolher os horários nos quais os serviços serão executados. Destacaria também selecionar bem o local onde o equipamento barulhento será utilizado. Uma serra circular de bancada, por exemplo, deve ser instalada em um local capaz de mitigar o ruído a ser gerado para o meio externo. São medidas que, se bem conjugadas, permitem, sim, reduzir de forma satisfatória o nível de ruído no canteiro.

“Existe uma norma técnica, a NBR 10151 (Acústica – Medição e avaliação de níveis de pressão sonora em áreas habitadas – Aplicação de uso geral) que determina os limites a serem observados e como deve ser feita a medição"
Eng. Gianfranco Pampalon

AECweb – Quais são e como funcionam os equipamentos utilizados para medir os níveis de vibração sonora nas atividades de uma obra?

Pampalon – O equipamento é o medidor de nível de pressão sonora, cuja aferição é feita em decibéis, que é uma escala logarítmica. Quando falamos em 50% de 85 dB, estamos falando de 80 dB. Por conta disso, quando consigo reduzir, minimamente, alguns decibéis, o efeito é substancial para o conforto acústico da vizinhança. Existe uma norma técnica, a NBR 10151 (“Acústica – Medição e avaliação de níveis de pressão sonora em áreas habitadas – Aplicação de uso geral”) que determina os limites a serem observados e como deve ser feita a medição. Há necessidade, por exemplo, de calibragens regulares do equipamento. No Brasil, temos excelentes fornecedores, mas é importante salientar que, ao fazer uma medição, além do aparelho correto, há uma série de normativas a serem cumpridas. Por exemplo: a altura na qual o equipamento deve ser colocado e a distância de paredes e muros, que podem refletir o som e distorcer a avaliação. Todos esses critérios estão observados na NBR 10151.

“Há várias medidas de mitigação do ruído com base no planejamento da obra. Muita coisa é absolutamente desnecessária e fácil de resolver”
Eng. Gianfranco Pampalon

AECweb – Quais são as principais atividades realizadas em canteiros de obras que impõem níveis elevados de ruídos? O senhor já mencionou o bate-estacas...

Pampalon – Entre os ruídos insuportáveis, podemos mencionar o martelete rompedor, muito utilizado para remoção de camadas de asfalto ou em demolições. Trabalha com ar comprimido, então, além do ruído de impacto, do picão quebrando a superfície, há também o compressor em funcionamento. Problema semelhante ocorre com os geradores de energia movidos a diesel, que emitem um nível de ruído similar a um caminhão. Mas qual a solução? Um gerador com bateria elétrica seria interessante, mas nem sempre é viável ou possível a utilização. Podemos mencionar também a serra circular de bancada e as furadeiras em geral. Lembrando que o uso indiscriminado de equipamento para corte de concreto pode ser resultado de falta de planejamento. É possível deixar, durante a concretagem, gabaritos nos locais onde vou passar dutos elétricos e hidráulicos. Após a deforma, o vão já está pronto. Isso evita o uso de um equipamento caro, que gera poeira e ruído tanto para o trabalhador quanto para a vizinhança. Há várias medidas de mitigação do ruído com base no planejamento da obra. Muita coisa é absolutamente desnecessária e fácil de resolver.

“A grande e única solução realmente eficaz, mais do que todas as medidas que comentamos aqui, é trabalhar com metodologias de construção mais rápidas, seguras, menos poluentes e com menor geração de resíduos e de ruído”
Eng. Gianfranco Pampalon

AECweb – O senhor acaba de mencionar um aspecto interessante: o planejamento. Nessa mesma linha, se a obra for mais industrializada tem maiores chances de gerar menos ruído do que a tradicional, mais artesanal?

Pampalon – Excelente ponto. Creio que a solução para o problema do ruído nas obras, no futuro, passa pela tendência de construções modulares. Ou seja, vários compartimentos de uma edificação, como os banheiros, por exemplo, são feitos em uma fábrica, uma instalação industrial coberta, sem problema de insolação, chuva ou geração de ruído para o meio externo. O compartimento é transportado praticamente pronto para obra, onde será encaixado. Nós já temos bons exemplos. Vários hospitais de campanha utilizados durante o período da pandemia foram construídos dessa maneira e possuem boa qualidade, tanto que, em sua maioria, não foram desmontados e permanecem em uso. Esse é o grande problema da construção civil no Brasil: ainda é muito artesanal. Precisamos de tijolo, fôrma e vibrador de concreto. Pôxa, quando você trabalha com o pré-moldado, simplesmente encaixa, faz a fixação daquele elemento. Por isso, acredito que a grande e única solução realmente eficaz, mais do que todas as medidas que comentamos aqui, é trabalhar com metodologias de construção mais rápidas, seguras, menos poluentes e com menor geração de resíduos e de ruído.

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AECweb – Há exigências das normas e regulamentos relativos à segurança e saúde dos trabalhadores, mas também leis municipais com determinações específicas sobre o ruído nas obras. O que os profissionais devem fazer para não descumprir a legislação?

Pampalon – O importante é saber quanto a obra emite de ruído e como isso impacta a vizinhança. Se conseguir fazer essa medição, a construtora saberá se está extrapolando, ou não, os limites. Existem leis municipais, além das normas técnicas, que orientam a respeito. A mais recente, na cidade de São Paulo, é um código que foi alterado e publicado em 2021, que permite imputar multas, interditar máquinas e equipamentos, chegando, inclusive, ao embargo da obra. Temos que tomar muito cuidado com isso. Mas existem construtoras com excelentes práticas: buscam conhecer a comunidade no entorno da obra e entram em contato com todos os moradores. Enviam uma carta e disponibilizam um telefone para eventuais reclamações. O próprio engenheiro da obra se coloca à disposição. Isso demonstra que a empresa está preocupada com o conforto dos vizinhos, mesmo que, infelizmente, alguma poeira e ruído, inevitavelmente, sejam gerados. Ninguém gosta de levar multa, muito menos de ter uma obra paralisada. Isso significa pagar funcionários sem trabalhar, atrasar o cronograma e depois arcar com horas extras ou contratação de mais equipes para cumprir os prazos determinados. É um prejuízo terrível. Isso sem falar na imagem da empresa. O nome da construtora está na placa. Pega muito mal e pode significar perdas de vendas ou descrédito no mercado. Temos que estar atentos para alguns pilares: respeito à vizinhança, treinamento do trabalhador, medidas e tecnologias com menor geração de ruído. Tudo isso, aliado a um bom planejamento, reduz muito a probabilidade de ocorrências. E o principal de tudo: fazer bem-feito. Obra mal executada gera retrabalho, quebradeira e demolições pontuais. Resultado? Ruído difícil de controlar.

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Colaboração técnica

Gianfranco Pampalon  – Engenheiro civil e de segurança do trabalho, ex-auditor fiscal do trabalho e atual consultor técnico do Seconci-SP (Serviço Social da Construção Civil do Estado de São Paulo). Professor em cursos de pós-graduação em engenharia de segurança e de medicina do trabalho. Treinamento de Competente Person / Climber Rescuer – Houston/Texas pela Capital Safety.