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Viabilidade financeira em contratos de PPPs para habitação popular

Cibele Dinorah e Marcelo de Andrade Romero, Mestrado Profissional em Habitação do IPT

Publicado em: 16/12/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

foto de dois prédios conectados por escadas
Fonte: https://www.capital.sp.gov.br

16/12/2022 | 16h58 - Mesmo com todos os programas voltados à habitação popular no Brasil, o cenário atual ainda é de grande déficit habitacional. Nesse sentido, a Parceria-Público-Privada, denominada PPP, apresenta-se como uma possível solução. A ideia central dos contratos de parcerias público-privadas é a divisão e alocação dos riscos do projeto. Aliando-se a isto, as PPPs possuem uma dinâmica de longos prazos para a recuperação dos investimentos (Thamer e Lazzarini, 2015).

Este artigo tem como objetivo elencar fatores que podem impactar a viabilidade financeira em contratos de parceria público-privada cujos objetos sejam a implantação de moradias populares.

Parceria público-privada

As Parcerias Público-Privadas são um refinamento das iniciativas de financiamento privado para infraestrutura que tiveram início no começo dos anos 90 no Reino Unido; e descrevem o fornecimento de bens e serviços públicos por meio da participação do governo, do setor privado e dos consumidores (Grimsey e Lewis, 2005). No Brasil, a Parceria Público-Privada, instituída pela Lei n° 11.079, de 30 de dezembro de 2004, é uma modalidade de contrato de concessão. De acordo com o disposto em seu Art. 2º, inciso I: [...] Parceria Público-Privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa (BRASIL, 2004).

Além das disposições da Lei n° 11.079, de 2004, subsidiariamente aplicam-se à Parceria Público-Privada as regras da Lei n° 8.987, de 1995 (Lei das Concessões) e da Lei n° 8.666, de 1993. A publicação da Lei n° 11.079, de 2004, proporcionou maior diversidade para os contratos administrativos. Para os contratos comuns de obras, serviços, compras e alienações, a administração pública dispõe da Lei n° 8.666, de 1993 e, mais recentemente, da Lei nº 14.133, de 2021. Para os contratos de permissão e de concessão de serviços públicos, utiliza-se da Lei n° 8.987, de 1995 (Mattos e Maffia, 2015).

A PPP é uma modalidade de contrato administrativo e requer prévia licitação na modalidade de concorrência, somente podendo participar do certame pessoas jurídicas ou consórcios que passarão a constituir a Sociedade de Propósito Específico (SPE). A SPE é a pessoa jurídica que deverá ser constituída antes da celebração do contrato para implementar e gerir o objeto da parceria (Gomes,2016).

As PPPs podem ser classificadas em administrativas ou patrocinadas, sendo que, nesta última forma, há cobrança de tarifas pelo usuário final do serviço. Como exemplo de PPP patrocinada, é possível citar a primeira PPP do Estado de São Paulo, cujo contrato foi celebrado em 29 de novembro de 2006 e teve por objeto a operação e a manutenção da Linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo.

Já nas concessões administrativas, há apenas o pagamento das contraprestações pecuniárias, cujo objetivo é o pagamento à concessionária pelo investimento (SÃO PAULO, 2015). A figura (Fig. 2) mostra a trajetória das modalidades de contratos administrativos no âmbito federal.

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Principais aspectos da modalidade de contrato parceria público- privada para a execução de moradia popular

A PPP da Habitação popular visa criar um modelo diferente, de forma a ampliar o volume de oferta de moradia popular. O objetivo é criar um mercado tão atrativo quanto como foi o do metrô da Linha 4 da cidade de São Paulo (Pereira e Palladini, 2018). Os contratos de PPP para habitação popular são concessões administrativas onde a administração pública é usuária indireta. Os adquirentes das unidades habitacionais são os usuários diretos.

Partindo de modelos propostos pelo Estado de São Paulo, estes contratos podem envolver projetos cujo objetivo seja somente a disponibilização de moradia social, ou que atendam a várias faixas de renda e finalidades distintas. Poderá, ainda, envolver a restruturação urbanística da região afetada, com obrigações que vão além da mera disponibilização de unidades habitacionais (Governo do Estado de São Paulo, 2015).

O modelo proposto na Concorrência Internacional nº COHAB-SP 001/2018 prevê a implantação de unidades habitacionais de interesse social e de mercado popular, acompanhada de infraestrutura urbana, equipamentos públicos e prestação de serviços de desenvolvimento de trabalho social, de pré e pós-ocupação, de apoio à gestão condominial, apoio à gestão da lista de beneficiários e de manutenção predial e de espaços livres e áreas verdes (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, 2018). A figura (Fig. 3) mostra o ciclo de vida da concessão conforme o modelo proposto.

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Este complexo arranjo contratual que envolve não somente a implantação, como também a prestação de serviços, acaba por tornar o processo licitatório moroso se comparado às contratações tradicionais feitas por meio da Lei nº 8.666/93. Por outro lado, a administração pública elimina processos futuros de contratação em separado da implantação, serviços técnicos sociais, gestão condominial e manutenção, bem como todos os custos que estes processos envolvem.

Aliado a isto, a administração pública, em seus contratos para a implantação de moradia popular, justifica o uso desta modalidade como algo vantajoso, pois há a ideia de que o setor privado apresenta maior eficiência na implantação e na operação das unidades habitacionais.

Principais fatores que impactam a viabilidade financeira em contratos de PPPs para habitação popular

Os contratos sob a modalidade PPP são formulados para um prazo de 5 a 35 anos e investimento mínimo de 10 milhões de reais. Estas particularidades conferem a concessionária um considerável compromisso financeiro.

Serão discutidos, a seguir, os seis fatores com maior potencial para afetar a viabilidade financeira e o impacto destes fatores na manutenibilidade do contrato.

1) Fluxo de caixa

O grau de complexidade desta modalidade exige apuração analítica dos custos de todo o ciclo de vida do contrato, incluindo, entre outros, a elaboração de projetos, licenças em órgãos setoriais, implantação, custos com transações imobiliárias e fundiárias, operação, manutenção, variação da taxa de câmbio e tributos.

Os tributos têm uma tratativa especial, visto que são provenientes do próprio poder público. Fica para a administração pública o risco de alterações nos custos decorrentes de mudanças nas alíquotas dos tributos previstos no plano de negócios (com exceção do imposto sobre a renda) ou da criação de um tributo novo não existente à época da formulação da proposta econômico-financeira (Lima e Coelho, 2015).

Importante observar que, para pleito de um futuro reequilíbrio econômico-financeiro, este fluxo de caixa original será usado como referência para o reestabelecimento das condições originais pactuadas em contrato.

2) Investimento

A obtenção, aplicação e gestão da contratação de financiamento para a realização do objeto do contrato, seja através de instituição financeira, banco de fomento ou agência multilateral de crédito, é uma responsabilidade da concessionária. Os contratos tratam os juros como obrigações assumidas pela contratada em relação à proposta econômica e projeções financeiras, ora como custo de empréstimos e financiamentos assumidos pela concessionária para realização de investimentos ou custeio das operações. Uma equivocada estimativa de investimento não será objeto de reequilíbrio financeiro (Lima e Coelho, 2015).

O investimento realizado pela concessionária em contratos de PPPs compõe o direito de receitas futuras. Estas receitas são provenientes das contraprestações pecuniárias feitas pelo poder concedente. As garantias de pagamento do poder concedente deverão ser parte de um estudo minucioso visto que envolve o grau de endividamento tanto do poder concedente quanto da concessionária.

3) Matriz de risco

Os contratos de PPPs da habitação popular tem por característica um horizonte de planejamento de vários anos e um alto grau de incerteza.

Como objeto de observação, é discutido aqui apenas o risco isolado, ou seja, aquele que ignora os efeitos da diversificação e não leva em consideração o papel que ele representa na carteira de ativos da empresa. Este risco está associado às incertezas dos fluxos de caixa e é medido pela variabilidade dos retornos esperados (Rego, 2013).

A matriz de probabilidade e impactos dos riscos é o resultado da análise qualitativa dos riscos que envolve a identificação e registro dos riscos, tendo como entrada informações provenientes de outras áreas de gerenciamento do projeto, tais como escopo, custos, cronograma (PMBOK,2017). A matriz de risco envolve o esforço da análise qualitativa e quantitativa onde todo o risco é associado a um custo. Este exercício despende tempo, recursos financeiros e humanos, além de envolver análises estatísticas de certa complexidade. Todo este esforço tem como objetivo minimizar possíveis erros na equação financeira. A transferência de riscos deverá refletir no cálculo do investimento feito pela concessionária.

Alocar o valor esperado do risco na modelagem financeira da proposta de uma PPP da Habitação é um mecanismo que coloca todos os impactos dos riscos em uma mesma unidade – a financeira. Os riscos mais sensíveis ao projeto devem ser identificados, qualificados, quantificados e alocados, independentemente da categoria a que pertencem. Pode-se transformar qualquer variável de efeito em valor monetário (JOIA et al., 2013).

4) Liquidez

Ao se investir em um projeto na modalidade PPP Administrativa, a concessionária renuncia a liquidez imediata do investimento. A concessionária abre mão da liquidez e opta pelos rendimentos trazidos ao longo do tempo pela taxa de juros (Sundfeld e Câmara, 2016).

5) Rentabilidade

A taxa de juros é a recompensa pelo investimento inicial, exigindo assertividade da concessionária para compô-la. A falta de rentabilidade proveniente de cálculos errôneos, quando da apresentação da proposta comercial do concessionário ao poder concedente, não será objeto de reequilíbrio financeiro (Sundfeld e Câmara,2016).

Como nas contratações tradicionais, as alterações dos preços provenientes dos efeitos da inflação são tratadas por meio de cláusulas de reajuste anual (Lima e Coelho, 2015).

6) Reequilíbrio econômico-financeiro

O fluxo de caixa original servirá como balizador de eventuais disputas contratuais no tocante ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Observa-se que os eventos que podem provocar o reequilíbrio econômico-financeiro devem ser analisados a cada situação. Soma-se a isso a correta análise da repartição dos riscos.

As modificações de escopo podem ser entendidas como ingerência da administração, dando para a concessionária a possibilidade de acionamento do trâmite necessário para o reequilíbrio econômico-financeiro (Lima e Coelho,2015).

Considerações finais

Apesar de demonstrar divergências ideológicas, visto o discurso neoliberal e a necessidade de manter o Estado como provedor de moradia popular, as PPPs são uma realidade no Brasil.

As engenhosidades socioeconômicas e políticos-jurídicas demandam da iniciativa privada uma análise criteriosa do contrato, assim como do ambiente em que este projeto será inserido.

Estados e municípios vêm se esforçando na criação de um ambiente institucionalizado para propiciar maior transparência e solidez aos processos de contratação via PPP. Contundo, há de se verificar a modelagem financeira proposta no contrato. Para as empresas de engenharia, aí reside todo o risco, visto que a construção é a etapa menos complexa. Outro aspecto a ser observado é o apetite da inciativa privada ao perfil do modelo proposto, considerando o grau de incertezas. O nível de maturidade da concessionária na condução dos serviços de incorporação imobiliária e gerenciamento influenciam na elaboração de uma modelagem financeira mais assertiva e, por consequência, na perenidade do contrato.

Os fatores que impactam a viabilidade financeira aqui apresentados contribuem para a análise do processo decisório de investimento. Dessa forma, a iniciativa privada pode decidir, analisando entre outros aspectos de igual relevância, se será, ou não, parceira do Estado na provisão de moradia popular.

Apesar da produção de habitação popular estar ligada à estratégia de geração de empregos e fortalecimento da cadeia produtiva da construção civil, há de se considerar o aspecto social destas inciativas. As PPPs para habitação popular podem se apresentar como uma alternativa na direção de tornar as cidades mais sustentáveis e socialmente inclusivas.

Referências

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Autores

 
Cibele Dinorah dos Reis — possui graduação em Engenharia de Produção Civil. É especialista em gestão de projetos. É certificada PMP – Project Management Professional. Aluna do programa de Mestrado Profissional do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, Habitação: Planejamento e Tecnologia, na área de Planejamento, Gestão e Projetos.
 
Marcelo de Andrade Romero — possui graduação em Arquitetura e Urbanismo. É mestre, doutor e livre-docente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. É pró-reitor de Ensino do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. É professor sênior da Universidade de São Paulo. É professor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. É professor convidado da Universidade de Brasília. Possui pós-graduação lato sensu em Filosofia e Ensino de Filosofia. Realizou três pós-doutorados no Exterior (Estados Unidos e Portugal).