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Prevenção de incêndio em fábricas de celulose e papel

Braulio Gilberto Lopes, engenheiro civil e mestre em Engenharia Civil e Andre Luiz Gonçalves Scabbia, pesquisador do IPT, doutor em Engenharia Mecânica, mestre em Engenharia Civil, engenheiro eletricista e de segurança do trabalho

Publicado em: 03/03/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

25/02/2022 | 13h45 - Neste artigo será abordada a etapa do processo fabril mais suscetível ao risco de incêndio, que pode causar impacto direto na operação da fábrica. Serão apresentados os dados coletados de uma das maiores seguradoras mundiais e as ações implantadas para mitigar os riscos de incêndio.

PROCESSO PRODUTIVO

O processo de fabricação de celulose e papel utiliza materiais altamente inflamáveis com alto poder de ignição, havendo preocupação com o controle e combate a incêndios.

Nesse trabalho, utilizou-se o método do “Queijo Suiço” (REASON, 1980) para identificar o motivo da ocorrência das falhas, incidentes, acidentes para auxiliar a prevenção dos riscos e implantação de mecanismos de defesa. Na representação do “Queijo Suíço” (Figura 1), as fatias do queijo indicam os mecanismos de defesa e, os buracos, as falhas que podem existir. Porém, diferentemente do queijo, esses buracos abrem e fecham em diferentes momentos e locais. O alinhamento das falhas nas fatias de defesa resulta em um sinistro. Desta forma, as proteções devem funcionar com redundância na segurança.

As defesas são divididas em:

• Defesa 1 – Substituição ou Redução
• Defesa 2 – Controles de engenharia
• Defesa 3 – Medidas administrativas
• Defesa 4 – Medidas de proteção física

Modelo do “Queijo Suíço”
Figura 1. Modelo do “Queijo Suíço” (Fonte: Ortiz - 2018)

ETAPAS DE PRODUÇÃO

O principal risco do setor papeleiro está ligado à madeira, que possibilita alto risco de incêndios, com as queimadas durante o plantio, ou na indústria durante o processo fabril. Para serem enviadas à indústria, as árvores cortadas passam por alguns processos de beneficiamento. O desgalhamento (remoção dos galhos), descascamento (remoção das cascas) e a picagem que possibilita o transporte e armazenamento.

Quando a matéria prima chega à fábrica, o processo fabril toma forma e pode ser representado conforme o fluxograma indicado na Figura 2, que demonstra de forma simplificada as etapas de produção da celulose e do papel.

Fluxograma do processo produtivo
Figura 2. Fluxograma do processo produtivo (Fonte: Apostila do Curso básico de fabricação de celulose e papel – Suzano – 2011)

Na Tabela 1, são apresentadas as etapas do processo de fabricação correspondentes ao fluxograma.

Etapas do processo fabril
Tabela 1. Etapas do processo fabril (Fonte: Apostila do Curso básico de fabricação de celulose e papel – Suzano – 2011, modificado pelo autor)

O processo se inicia com a madeira chegando na unidade (1), sendo depositada no pátio de madeiras. Seguindo para o picador, esta é picada e depositada na pilha de cavacos (2). O refugo do picador (3) é direcionado para a caldeira de biomassa (4), onde será queimado e transformado em energia para o processo. A pilha de cavacos (2) segue para o digestor (5), onde ocorre seu cozimento.

A massa resultante (5) é direcionada à depuração e lavagem (6). A água deste processo retorna ao digestor (5) e o produto da depuração é direcionado ao branqueamento, responsável pela alvura da massa celulósica. No digestor existe a liberação do licor negro (resíduos do processo), que é encaminhado à evaporação (9). A evaporação encaminha seus produtos, (menor índice de umidade) para a caldeira de recuperação (17), onde este material será recuperado e encaminhado para a caustificação (16). A lama de cal liberada deste processo é encaminhada ao forno de cal (15), onde se transforma em matéria prima, e o cal retorna ao processo na caustificação (16), gerando o licor branco que é direcionado ao digestor (5).

De volta ao branqueamento (7), este material segue para a lavagem (8), onde são removidas suas impurezas e a água deste tratamento é encaminhada para o sistema de tratamento de efluentes. A massa resultante da lavagem (8) é encaminhada à etapa de preparação de massa(10), que recebe a adição de aditivos químicos e avança para o processo de fabricação de papel (19), onde ocorre a prensagem, formação de folha, secagem e finalmente passando pela calandra (20) onde é obtido o produto acabado.

Quando ocorrem perdas, é efetuada a reciclagem destes materiais (14), promovendo a sua desagregação (13), flotação (12) e lavagem (11) para que esta matéria prima possa retornar ao processo como polpa para recebimento dos aditivos químicos (18), finalizando o processo fabril.

A etapa a ser analisada será o transportador biomassa, que se localiza entre as fases 3 e 4, da figura 2. Esta definição foi embasada na coleta de dados, sendo a etapa com maior frequência de sinistros.

TRANSPORTADOR

Os transportadores são estruturas metálicas, possuem esteira de lona, roletes, capota de proteção, motores, guarda corpos, passadiços e telas de proteção (Figura 3). O transportador de biomassa transporta a biomassa desde sua pilha até a caldeira de biomassa, onde ela é queimada (Figura 4). O produto da queima é a energia, que será utilizada no processo fabril.

Estrutura metálica de um transportador
Figura 3. Estrutura metálica de um transportador (Fonte: Arquivo pessoal do autor)
Transportador de biomassa
Figura 4. Transportador de biomassa (Fonte: Potencial Floresta – Site Potencial floresta)

Por ser composta de pequenos pedaços de madeira e pó, a biomassa apresenta elevada capacidade de se ignizar com o aumento da temperatura ambiente, atrito, gases de decomposição ou por parada no abastecimento da caldeira. Este abastecimento é iniciado pela rosca transportadora, localizada na base da pilha de biomassa, que a transporta para a esteira, seguindo para a caldeira de biomassa (Figura 5). Quando a biomassa é queimada na caldeira, ela gera energia ao processo (Figura 6).

Rosca transportadora para biomassa
Figura 5. Rosca transportadora para biomassa (Fonte: Galeria – Site Lippel.com)
Caldeira de biomassa
Figura 6. Caldeira de biomassa (Fonte: Galeria CBC – Site Cbcsa.com)

Quando o abastecimento é paralisado, a biomassa próxima à boca da caldeira fica suscetível ao recebimento de fagulhas advindas da caldeira pela força do vento ou “refluxo” de material ou do equipamento. Nessa situação, pode ocorrer incêndio na esteira transportadora (Figura 7). O monitoramento com o auxílio de câmeras termográficas e de alta resolução auxilia na identificação do aumento da temperatura no local.

Incêndio em transportador aberto
Figura 7. Incêndio em transportador aberto (Fonte: Arquivo pessoal)

Quando um aumento de temperatura é constatado, o primeiro sistema a atuar é o dos chuveiros automáticos. O sistema de monitoramento remoto é importante, pois em um sinistro o acesso ao transportador é prejudicado. A junção dos fatores biomassa e transportadores eleva a criticidade desta etapa, pois apresenta elevado risco de sinistro no setor papeleiro.

MEDIDAS DE DEFESA PELO MÉTODO “QUEIJO SUÍÇO”

Soluções com a implementação do sistema de chuveiros automáticos, execução de um transportador fechado, implementação de câmeras térmicas e do sistema de monitoramento remoto, intensificação de treinamentos e procedimentos administrativos de controle, implementação de novos equipamentos para o combate a incêndios, com redundância nos sistemas de proteção, são algumas das possibilidades para reduzir riscos de incêndio.

Na unidade analisada, foram implementados os elementos indicados nas Tabelas 2 e 3, aplicados no sistema de transportadores de biomassa, indicando uma evolução no controle e combate aos sinistros ocorridos na unidade analisada.

Defesas aplicadas no tempo
Tabela 2. Defesas aplicadas no tempo (Fonte: Desenvolvido pelo autor)
Eventos ocorridos ao longo do tempo
Tabela 3. Eventos ocorridos ao longo do tempo (Fonte: Desenvolvido pelo autor)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a implantação das ações de mitigação de riscos de incêndio, houve melhoria do sistema de proteção, com os riscos reduzidos a quase zero, ressaltando a importância de se ter sistemas redundantes de proteção e a contribuição do método do “Queijo Suíço” na implantação desses sistemas.

REFERÊNCIAS 

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 13792, Proteção contra incêndio por sistema de chuveiros automáticos, para áreas de armazenamento em geral - Procedimento. Rio de Janeiro. 1997.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – NBR 10894.714: Sistemas de proteção contra incêndios por chuveiros automáticos – Requisitos. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2014. 130 p.

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FACTORY MUTUAL INSURANCE COMPANY. FM7-11. Transportadores. FM GLOBAL. Norwood.2020.18p.

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