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O que são vidros refletivos para fachadas?

Camada de óxido metálico garante a reflexão da radiação solar incidente. Para uma boa especificação, é importante considerar o fator solar, região de implantação, orientação geográfica das fachadas e coeficiente de sombreamento

Publicado em: 25/04/2023

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Há duas formas de depositar a camada de óxido em uma das faces do vidro refletivo: por pirólise ou metalização a vácuo. Alguns modelos possuem um bom desempenho, porém, refletem demais e deixam passar pouca luz visível, aumentando a necessidade de iluminação nos ambientes internos. Equilíbrio é importante (Imagem: Shutterstock)

Os grandes centros comerciais e áreas de arranha-céus de metrópoles mundo afora costumam ter, hoje em dia, uma característica em comum: o uso intenso de vidro nas fachadas. As chamadas peles de vidro conquistaram um status privilegiado nesse tipo de edificação.

Além do aspecto estético, a promessa é de controle solar em relação à transmissão e à reflexão de luz e de calor. Para isso, os chamados vidros refletivos recebem uma camada metalizada em uma de suas faces, feita pelos processos pirolítico ou de câmara a vácuo. 

Há, entretanto, quem conteste a utilização dos vidros nas fachadas. Dizem que aumentam a necessidade de climatização e, portanto, o consumo energético. Mas, afinal, quem está com a razão?

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Para nos ajudar a entender melhor o assunto, nós convidamos para o podcast AEC Responde a engenheira civil Luciana Oliveira, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, o IPT, especialista em processos e sistemas construtivos, fachadas, desempenho, qualidade, sustentabilidade e durabilidade das construções. Leia a entrevista a seguir.

“Há duas formas de depositar essa camada de óxido: por pirólise ou metalização a vácuo. Pode ser feito tanto sobre um vidro temperado quanto incorporado a um laminado”
 Eng. Luciana Oliveira

AECweb – O que é e o que caracteriza um vidro refletivo? Do que é composto esse material?

Luciana Oliveira – O vidro refletivo, na verdade, é uma composição, ou seja, possui uma camada de óxido depositada sobre uma das faces. Nós temos o vidro float comum, que pode ser incolor ou colorido. Temos uma outra categoria, muitas vezes chamada de vidro termo absorvente, que não deixa de ser o float, mas com uma cor mais fumê, verde, bronze ou cinza, que absorve um pouco mais a radiação solar. Nós temos também os vidros de segurança laminado, aramado e temperado. E existem alguns vidros de controle solar, dentre os quais o refletivo. Nada mais é do que um float que recebe uma camada de óxidos metálicos em um dos seus lados. Tal aplicação garante a reflexão da radiação solar incidente. Há duas formas de depositar essa camada de óxido: por pirólise ou metalização a vácuo. Pode ser feito tanto sobre um vidro temperado quanto incorporado a um laminado. Recebe também outros nomes no mercado, tais como vidro espelhado ou termo refletivo ou termo refletor.

“Muitas vezes, o pessoal fala que o vidro refletivo possui boa eficiência energética, que colabora para o isolamento térmico da edificação. Dizem isso por conta dessa característica de reflexão de parte da radiação solar incidente. Só que há diversos tipos e modelos disponíveis no mercado”
Eng. Luciana Oliveira

AECweb – Qual deve ser o desempenho desse material do ponto de vista da transparência, do controle da luminosidade e do isolamento térmico?

Luciana Oliveira – É interessante abordarmos a questão da transparência. Porque quando falamos de vidro, trata-se de um produto transparente. A radiação solar ou parte da luz visível atravessa o vidro para permitir que possamos enxergar dentro do ambiente. Então, estamos falando de um vidro transparente, que reflete mais do que outros, quase como um espelho. Possui alta reflexão e, às vezes, uma baixa transmissão ou absorção. Muitas vezes, o pessoal fala que o vidro refletivo possui boa eficiência energética, que colabora para o isolamento térmico da edificação. Dizem isso por conta dessa característica de reflexão de parte da radiação solar incidente. Só que há diversos tipos e modelos disponíveis no mercado. Tal característica depende da camada de oxidação, da cor e desse comportamento óptico entre o vidro e a radiação solar.

“Não se trata, simplesmente, de ser bom ou ruim. O que acontece com alguma frequência são projetos com especificação inadequada. Pensando em uma fachada envidraçada, o projeto deve considerar a proximidade de ambientes marinhos, a localização em relação ao norte, a quantidade de radiação incidente, o fator solar, o coeficiente de sombreamento”
Eng. Luciana Oliveira

AECweb – O que deve ser considerado, do ponto de vista técnico, na especificação de um vidro refletivo para fachada?

Luciana Oliveira – Quando há radiação solar incidente sobre uma fachada envidraçada, uma parte dela vai ser absorvida pelo vidro, outra será transmitida para o interior da edificação e uma parte será refletida. O que se deseja com o vidro refletivo é que essa parte refletida seja a maior possível. Então, como saber se um vidro é adequado, ou não? Existe uma característica denominada fator solar, que consiste na relação entre a parte transmitida e aquela absorvida – lembrando que eu quero transmitir para o interior da edificação a luz visível. Precisamos, então, buscar entender os vidros e pedir para os nossos fornecedores o comportamento do material em relação à radiação. Qual é o fator solar do vidro? Qual é o coeficiente de sombreamento? Para um vidro de controle solar de eficiência razoável, em países tropicais, como o nosso, estamos falando de percentuais inferiores a 50% ou 45%. O ponto é que há diferenças de fator solar em função da cor do vidro e do processo de fabricação: pirolítico ou à vácuo. Precisamos buscar essas informações. Alguns vidros podem, de fato, ter uma boa eficiência energética, com 45% ou 40% de fator solar. Há, porém, vidros refletivos que não são interessantes, porque transmitem mais do que gostaríamos. De outro lado, alguns vidros refletivos têm um bom desempenho, mas refletem demais e deixam passar pouca luz visível. Nesse caso, não vou deixar entrar calor, mas terei que trabalhar com iluminação artificial internamente. Precisamos encontrar um equilíbrio aí: reflexão, transmissão e absorção. Há muita diferença no fator solar em função do processo de fabricação do vidro, da cor e da quantidade de metalização nas camadas.

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AECweb – As edificações que empregam peles de vidro, por vezes, costumam ser encaradas, por ativistas e alguns profissionais, como vilãs do ponto de vista ambiental, pois aumentariam o consumo de energia com o uso de ar-condicionado. Houve também o caso do edifício em Londres, apelidado de ‘Walkie-Talkie’, acusado de danificar outros prédios e derreter componentes de carros estacionados ao longo da rua. Esse tipo de crítica faz sentido?

Luciana Oliveira – O vidro não é diferente de outros sistemas ou materiais. É preciso saber usar e entender as características necessárias para cada região. Muitas vezes, se fala como se o vidro refletivo fosse o mesmo para todas as situações. E não é. Há várias composições diferentes e a indústria hoje é muito evoluída nesse sentido. Temos que considerar a implantação específica e o formato do vidro. Estudar e estabelecer as características que eu quero daquele material para buscar a eficiência energética da fachada.

“Temos que tomar cuidado pois, muitas vezes, importamos uma solução da Europa e lá, em geral, o objetivo é manter o calor dentro do prédio. Aqui é o contrário, pois queremos que ele saia. No passado, já cometemos alguns erros nesse sentido”
Eng. Luciana Oliveira

AECweb – Ou seja, a briga não faz sentido....

Luciana Oliveira – Não se trata, simplesmente, de ser bom ou ruim. O que acontece com alguma frequência são projetos com especificação inadequada. Pensando em uma fachada envidraçada, o projeto deve considerar a proximidade de ambientes marinhos, a localização em relação ao norte, a quantidade de radiação incidente, a cor, o fator solar, o coeficiente de sombreamento. Às vezes, posso resolver com o formato arquitetônico do prédio. Especificar, por exemplo, brises. Há diversas formas de trabalhar e não, necessariamente, o vidro que estou colocando na fachada norte é o mesmo que preciso na sul. O que eu estou utilizando no centro de São Paulo, talvez, não possa usar em Recife. São especificações diferentes. O projeto precisa ser pensado com base na eficiência energética desejada para aquela edificação e como a fachada ou as janelas vão contribuir nesse sentido. Temos que tomar cuidado pois, muitas vezes, importamos uma solução da Europa e lá, em geral, o objetivo é manter o calor dentro do prédio. Aqui é o contrário, pois queremos que ele saia. No passado, já cometemos alguns erros nesse sentido. Está tudo muito relacionado à especificação, com aquilo que eu quero para o meu projeto. E temos alguns exemplos, como posso dizer...

AECweb – Pitorescos?

Luciana Oliveira – Vamos dizer que não são bons exemplos. Não conheço os detalhes do que foi feito naquele edifício em Londres. O formato arquitetônico e o vidro refletivo empregado acabaram gerando uma ilha de calor em áreas próximas. A solução parece ter sido pensada para a edificação, mas não para o entorno. Eu não sei dizer, exatamente, quais foram os problemas e nem as soluções encontradas. Não me parece nada simples. Mas deixa a lição de que o vidro refletivo é muito legal, mas temos que considerar também o entorno. E, às vezes, trabalhar com a questão da transmissão e da absorção. Afinal, não é só a característica de reflexão que precisamos definir na especificação de um vidro. Mas ressalto que o fator solar é muito importante, porque temos vidros com cerca de 90% – ou seja, inadequado para muitas situações no Brasil – até 45%, 42%, que são bastante eficientes.

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Colaboração técnica

Luciana Alves de Oliveira  – Formada em engenharia civil pelo Centro Universitário da FEI, é mestre e doutora pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Fez estágio de doutorado na Universidade de Tecnologia de Compiègne (UTC) e foi pesquisadora visitante na divisão de desenvolvimento sustentável do CSTB-Grenoble, ambos na França. Pesquisadora no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, é coordenadora da disciplina de vedação verticais do mestrado profissional do IPT. Atua nas áreas de processos construtivos, fachadas pré-fabricadas, diagnóstico de patologias, avaliação de desempenho de sistemas construtivos, implementação da qualidade, gestão do processo de projeto, reabilitação e renovação de edifícios, sustentabilidade e durabilidade das construções.