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O que é ESG e o que muda para construtoras e incorporadoras?

Conceito que reúne responsabilidade ambiental, social e corporativa começa a demandar mobilização na construção e incorporação imobiliária. Pressão vem de investidores, instituições financeiras e organismos nacionais e internacionais

Publicado em: 24/10/2022

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Gestão de resíduos, redução do consumo de água e energia e controle das emissões de CO2 se destacam entre as ações ambientais. Treinamento e melhores condições de trabalho para os operários são questões abordadas na dimensão social. Transparência e compliance se firmam na governança corporativa (Imagem: Pixabay)

A sigla, em inglês, ESG significa environmental, social and governance, ou seja, as dimensões ambiental, social e de governança nas empresas. Em português, portanto, poderíamos dizer ASG, mas a versão traduzida ainda não ganhou muito adeptos no Brasil.

Idioma à parte, o fato é que esse tripé baseado na sustentabilidade, responsabilidade social e corporativa tem chacoalhado o mercado, inclusive na incorporação imobiliária e nas construtoras.

Há pressão de investidores do mercado financeiro, assim como de bancos e organismos nacionais e internacionais, para que as empresas tenham ações efetivas nessas áreas, com resultados que vão além dos relatórios financeiros.

Para nos ajudar a entender melhor o assunto e, em especial, saber como devem agir construtoras e incorporadoras, nós convidamos para o podcast AEC Responde o engenheiro civil e diretor de suprimentos e ESG da Tegra Incorporadora, Angel Ibanez. Confira abaixo a entrevista.

AECweb Responde – Como se aplica o tripé sustentabilidade, responsabilidade social e governança nas incorporadoras e construtoras?

Angel Ibanez – A Tegra começou a se dedicar ao assunto em 2016, ainda com foco em sustentabilidade. O termo ESG não era tão usado naquele momento. A primeira pergunta que nós fizemos quando resolvemos avançar nesse tema foi: por que queremos ser uma empresa sustentável? Por que isso é importante? Se você olhar as três letras de ESG vai perceber que a atividade de uma construtora possui impactos relevantes nessas três dimensões. Começando pela questão ambiental: os materiais de uma obra, tais como cimento, aço, madeira e o gesso, quase sempre pressupõem algum tipo de extração, com um impacto ambiental relevante. Outra questão: a construção civil é responsável por quase metade da geração de resíduos no mundo. Passando para a dimensão social: quando você vê a construção de um prédio em um bairro, o impacto gerado na comunidade é enorme. A construção civil, como um todo, sempre foi muito mal avaliada nesse quesito. Sempre foi encarada como uma indústria com altos níveis de acidentes e péssimas condições de trabalho nos canteiros, empregando uma mão de obra despreparada e mal treinada. A questão social, portanto, é muito importante: prover um ambiente seguro e saudável para os trabalhadores, com refeições e níveis de nutrição adequados. Oferecer treinamento e recomendações para os trabalhadores que vão além das questões técnicas, algo que possa ser compartilhado também com a família e os amigos. Por último, temos a questão de governança. Se você pensar em qualquer projeto de construção vai reparar que sempre envolve grandes investimentos e muitas empresas e profissionais: fornecedores, clientes, investidores, bancos, órgãos públicos etc. Há diversas interfaces com agências de água, esgoto, energia e a necessidade de muitas aprovações. Então, é muito importante ter um relacionamento transparente, bem administrado e integrado. Ou seja, há muita coisa para fazer nos três pilares de ESG.

“Se você passar em qualquer canteiro da Tegra, vai perceber que, em nosso tapume, informamos indicadores socioambientais, tais como consumo de água e energia e volume de material reciclado. Nos indicadores sociais, temos a quantidade de empregos gerados e as horas de treinamento dedicadas para cada obra”
Eng. Angel Ibanez

AECweb Responde – Existem algumas métricas tradicionais utilizadas pelas empresas, principalmente financeiras e operacionais. Como se mede a efetividade das ações em ESG?

Ibanez – Excelente pergunta. Apesar de não parecer, há muitos indicadores que são quantitativos. Evidente que existem também os qualitativos, principalmente quando entramos nas questões sociais. Vou dar alguns exemplos aqui de métricas para os três pilares. Na gestão de resíduos, conseguimos separar tudo aquilo que é gerado e medir, efetivamente, a destinação de madeira, gesso, aço, alumínio. É muito importante também medir e controlar o consumo de água e de energia ao longo de toda a obra, porque você vai perceber consumos diferentes nas etapas de fundações, estrutura e acabamentos. A partir disso, você consegue obter os indicadores por metro quadrado. Outra questão que vem ganhando enorme importância são as emissões de carbono. Nós já fazemos o inventário há três anos. Conseguimos saber o quanto está sendo emitido em todas as obras. Se você passar em qualquer canteiro da Tegra, vai perceber que, em nosso tapume, informamos indicadores socioambientais, tais como consumo de água e energia e volume de material reciclado. Nos indicadores sociais, temos a quantidade de empregos gerados e as horas de treinamento dedicadas para cada obra. Outro assunto importante é a questão da diversidade. Nós escolhemos incialmente, aqui na Tegra, tratar a questão de gênero, até por atuarmos em um setor que, historicamente, é muito masculino. Temos um objetivo interno de aumentar a presença feminina. Para isso, mapeamos toda a nossa estrutura administrativa e de canteiros de obras para sabermos o percentual de mulheres empregadas, em posição de liderança e que tiveram aumento salarial no último ano. Procuramos também verificar se existem diferenças de remuneração entre homens e mulheres para os mesmos cargos. E, por último, na governança, apesar de não sermos listados na B3 (Bolsa de Valores), somos uma empresa de capital aberto. Seguimos, portanto, o rito do Novo Mercado da B3. Todos os nossos números seguem um padrão de informação. Nossos resultados financeiros são publicados e mantemos um programa de compliance e de treinamentos de toda a equipe. Sabemos quantas pessoas realizaram os treinamentos, quantas fizeram dentro do prazo determinado, quantas estão em atraso etc.

As pessoas também perguntam:
Quais ações nas esferas ambiental, social e de governança são necessárias para atrair capital e atender às expectativas dos clientes?

AECweb Responde – Olhando para os três pilares do ESG, de forma geral, em quais deles as construtoras e incorporadoras estão mais ou menos avançadas, na sua opinião?

Ibanez – Vamos começar pela questão da governança, onde eu considero que as empresas estão mais avançadas, principalmente no caso das incorporadoras de capital aberto, que são obrigadas a manter um programa de governança e compliance. É um assunto relativamente bem enquadrado, inclusive naquelas companhias que não abriram capital, pois a grande maioria depende de financiamento bancário para construir e trabalha no modelo de SPE (sociedade de propósito específico), que possui um patrimônio de afetação. Ou seja, existem representantes dos compradores que acompanham o andamento da obra e de todos os números. Então, de certa forma, na governança – eu diria que até por certa obrigatoriedade – as empresas estão mais avançadas. Agora, na questão ambiental e social, creio que ainda há muito a ser feito. Acho que as empresas avançaram um pouco na gestão de resíduos. Não dá mais para acreditar naquela história de que as construtoras desperdiçam 30%. Dificilmente, você vai encontrar alguma empresa com perdas superiores a 10%. Mas há muito a avançar na questão do consumo de água e de energia. Poucas empresas utilizam painel fotovoltaico nos seus projetos ou tem uma certificação ambiental voltada também para a vida útil do empreendimento – ou seja, entregar a edificação com eficiência no consumo de água e energia. Um outro assunto que poucas empresas estão avaliando refere-se às emissões de carbono. Nós somos um setor com enorme representatividade nas emissões mundiais, pois consumimos muito aço e cimento. Poucas empresas possuem, ao menos, um inventário. Isso sem falar em compensação das emissões. Poucas buscam ações que reduzam seus índices. Acho que ainda existe aí um grande caminho a ser trilhado. Temos agora um marco regulatório do governo, criado em maio. As empresas do setor, como um todo, terão que apresentar uma meta de redução. Há todo um trabalho sendo conduzido pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) e pelo SindusCon-SP para alcançar isso. Na questão social, eu acho que as empresas evoluíram muito em segurança do trabalho, principalmente as construtoras de maior porte. Em outros temas da dimensão social, todas as companhias têm muito a avançar em assuntos que transcendem o canteiro de obras. Precisamos evoluir em orientações e treinamentos para melhorar a vida do trabalhador.

“Junto com a Votorantim, nós já utilizamos hoje, em quase um terço dos nossos canteiros, um concreto que emite 15% a menos de CO2. Com a ArcelorMittal, nós estamos fazendo o primeiro empreendimento com o Xcarb, um aço que emite 60% a menos de CO2 do que o tradicional”
Eng. Angel Ibanez

AECweb Responde – O senhor poderia mencionar algumas ações práticas, já desenvolvidas pela Tegra, que tiveram origem na preocupação com o ESG?

Ibanez – Existe um compromisso mundial para 2050, o Net Zero. Consiste em zerarmos as emissões de carbono. A Tegra anunciou metas de longo prazo, que chamamos de Cidades Regenerativas 2030. Nós assumimos alguns compromissos, entre os quais está a redução de 50% das nossas emissões, evoluindo até lá em algumas etapas. Dentro desse programa, nós temos algumas ações. Junto com a Votorantim, nós já utilizamos hoje, em quase um terço dos nossos canteiros, um concreto que emite 15% a menos de CO2. Com a ArcelorMittal, nós estamos fazendo o primeiro empreendimento com o Xcarb, um aço que emite 60% a menos de CO2 do que o tradicional. Nós investimos muito também na questão de logística reversa. Fechamos 2021 com apenas 3% de resíduos enviados para aterros sanitários. Todo o restante, de alguma forma, voltou para a cadeia produtiva. Esse percentual, um dia, já foi de 30%. Na questão social, creio que vale um destaque para a questão da diversidade. Nós estamos fazendo um trabalho para aumentar a presença feminina. Em 2021, a Tegra se tornou signatária do ONU Mulheres. Em conjunto com o SENAI, nós fizemos um trabalho com uma ONG chamada Aldeias Infantis, com 16 mulheres refugiadas venezuelanas. Oferecemos treinamento de três meses em parceria com o SENAI e um fornecedor, a Barbi, de kits elétricos e hidráulicos. Acabamos empregando 12 dessas mulheres em nossos canteiros de obra. E, por fim, a Tegra se tornou Empreendedor Acqua no ano passado. Hoje, todos os nossos projetos possuem essa certificação, cujo objetivo é garantir uma construção mais sustentável e, em especial, entregar um produto mais eficiente em termos de consumo de água, de energia e coleta de resíduos.

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Colaboração técnica

Eng. Angel Ibanez – Engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia Mauá, possui larga experiência no setor da construção e incorporação. Atuou em importantes empresas, como a Método, Gafisa, Tenda, PDG e Alphaville, nas quais liderou processos de restruturação e formação de áreas de suprimentos. Atualmente, é diretor de suprimentos e ESG da Tegra Incorporado