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O que é construção modular?

Sistema baseado em módulos industrializados, fabricados fora do canteiro de obras, promete maior previsibilidade de custos, diminuição de perdas e redução dos prazos. Conhecimento sobre a tecnologia e uma rede de fornecedores especializados são requisitos

Publicado em: 31/01/2023

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Tipologia modular 3D, também chamada de volumétrica, pressupõe que painéis sejam interconectados em fábrica e, ainda ali, providos das instalações necessárias e revestidos, formando um módulo que constitui uma divisão da edificação. São, então, transportados e montados no canteiro. (Imagem: Shutterstock)


Já existem exemplos reais, cada vez mais numerosos, de obras de edificações que empregaram princípios da construção modular e/ou offsite. Empresas como Brasil ao Cubo, Tecverde, Tenda e MRV têm desenvolvido projetos nessa linha e a discussão no setor se aquece a cada dia.

Os sistemas baseados em módulos industrializados, produzidos fora do canteiro de obras, prometem redução de prazo e desperdício, maior previsibilidade de custos e menor geração de resíduos.

Para nos ajudar a entender melhor o conceito e, em especial, saber quais são os principais desafios encontrados neste tipo de construção, convidamos para o podcast AEC Responde o engenheiro civil Francisco Oggi, sócio-diretor do Empório do Pré-Moldado, empresa que atua em assessoria, projeto e consultoria em sistemas industrializados. Confira abaixo a entrevista.

AEC Responde – O que é a construção modular e o que a diferencia de outros sistemas construtivos industrializados?

Francisco Oggi – Inicialmente, eu gostaria de esclarecer o que é modularização, que surgiu a partir da revolução industrial, período no qual foram estabelecidas algumas ordens para a produção em escala. Tudo tinha que ter padrões dimensionais que pudessem ser repetidos e permitir a produção em ritmo industrial. A modularização começou a ser introduzida há mais de 200 anos e foi avançando com a evolução das técnicas de produção. Tivemos, então, a padronização de diversos materiais, que passaram a ter medidas predeterminadas. Afinal, uma fábrica não entrega um tubo ou um bloco de cada tamanho. Todos têm a mesma medida. Aos poucos, a modularização começou a ser introduzida e absorvida pela arquitetura, que passou a trabalhar com determinados padrões. Me lembro, inclusive, de uma palestra muito bacana do arquiteto Ruy Ohtake (falecido em 2021), na qual ele provou que os prédios de autoria dele, mesmo com todas aquelas curvas, tinham um padrão de modularização.

“A construção modular nada mais é do que a evolução da modularização. Só que não são mais blocos ou tubos, mas sim elementos de maiores dimensões, com mais valor agregado e múltiplas funções. E o principal: o local de produção é uma fábrica e não mais o canteiro”
 Eng. Francisco Oggi

AEC Responde – Essa, portanto, é a origem do conceito...

Oggi – A construção modular nada mais é do que a evolução da modularização. Só que não são mais blocos ou tubos, mas sim elementos de maiores dimensões, com mais valor agregado e múltiplas funções. E o principal: o local de produção é uma fábrica e não mais o canteiro. Basicamente, a construção modular pode ser resumida assim. A diferença para os outros sistemas construtivos industrializados está aí: o fato de agregar valor e função aos elementos primários. Tijolos, blocos e barras de ferro, que são industrializados, passam a ser feitos e tratados como elementos construtivos e não mais como simples pecinhas que devem ser depois juntadas, com muito sacrifício e de uma forma bastante artesanal. Nós temos a tipologia modular 2D, mais conhecida como painelização, na qual perfis ou vigas são conectadas em fábrica, formando painéis que são posteriormente transportados para o local de execução. E temos a tipologia modular 3D, também chamada de volumétrica, que corresponde à construção modular, quando os painéis são interconectados em fábrica e, ainda ali, são providos das instalações necessárias e revestidos, formando um módulo que constitui uma divisão da edificação. Os módulos são, então, transportados e montados no canteiro. São duas tipologias importantes, que estão em desenvolvimento e nas quais tem sido aplicada muita tecnologia e novos materiais.

“O problema é que, hoje, a concepção do projeto é dirigida para a construção artesanal. Na cabeça do engenheiro ou do arquiteto, está lá a alvenaria e a estrutura de concreto. E quando se pensa em projetos industrializáveis, muitas vezes, na prática, são adaptações”
Eng. Francisco Oggi

AEC Responde – Quais são os principais cuidados a serem tomados nas fases de projeto e execução desse tipo de obra?

Oggi – Projeto é um tema bastante delicado. Nós temos que fazer um exame de consciência e alertar sobre a deficiência que temos hoje na relação entre o setor da construção e a engenharia de processos e materiais. É um relacionamento muito comercial e isolado, com barreiras enormes, que precisam ser removidas para que o setor comece a entender o que é engenharia de processos e de materiais. São duas matérias não estudadas na engenharia civil e na arquitetura. Não são nem citadas. Saímos com tal deficiência desde a faculdade, sem o conhecimento intrínseco, essencial, profundo de cada um desses processos, principalmente no que se refere à produção 2D e 3D. Sem isso, é impossível projetar para a industrialização, ou seja, desenvolver um projeto industrializável. Ainda existe um grande espaço a ser percorrido. O problema é que, hoje, a concepção do projeto é dirigida para a construção artesanal. Na cabeça do engenheiro ou do arquiteto, está lá a alvenaria e a estrutura de concreto. Quando se pensa em projetos industrializáveis, muitas vezes, na prática, são adaptações. Nasce tudo no sistema artesanal e depois um monte de gente sai correndo para tentar transformar aquilo em algo industrializado – coisa que ninguém consegue fazer, porque não existe uma condição de avaliação de custo para embarcar no sistema assim, rapidamente. O principal cuidado, portanto, a ser tomado durante a fase de projeto, é conhecer o sistema construtivo em profundidade. Vou dar um exemplo: o professor e arquiteto Siegbert Zanettini dedicou boa parte de sua vida profissional às obras com estruturas metálicas. Ele conhece, profundamente, quais são os recursos que uma estrutura metálica pode oferecer e mantém um excelente escritório, ativo há décadas, projetando dessa forma. Do outro lado, há uma porção de engenheiros, sem tanto conhecimento do sistema, dizendo que estrutura metálica não se viabiliza em termos de custos. Será mesmo? Ainda há muita coisa a ser estudada para se chegar aos projetos industrializáveis.

“A formação da cadeia de produção é muito importante, assim como o conhecimento sobre novos materiais, algo também esquecido ou relegado por boa parte do mercado – como se fosse um problema exclusivo do fornecedor. Isso não existe”
Eng. Francisco Oggi

AEC Responde – Em evento recente promovido pela AsBEA e pelo SindusCon-SP, as entidades divulgaram um manifesto, dizendo que o setor avançou nas últimas décadas na racionalização de custos e prazos, mas o “verdadeiro salto nesta evolução, para atingir um outro patamar, somente será possível repensando a construção como um processo de montagem.” O que motivou nos últimos anos, no Brasil, esse debate mais intenso sobre a construção modular, offsite e 4.0?

Oggi – Muitas vezes, quando o nível da água de uma enchente alcança certa altura, você começa a pensar: ‘puxa, se eu não me virar, vou me afogar’. Mas, na minha opinião, não houve essa evolução mencionada no manifesto. O que aconteceu – e permanece assim até hoje – é uma exigência desenfreada de redução de custos.

AEC Responde – Então, não houve racionalização?

Oggi – A racionalização veio em função de algumas coisas óbvias, muito simples. Por exemplo: ao invés de jogar fora tanto material, você começa a colocar alguém para tomar conta. Isso não é uma evolução. Essa exigência de redução de custos desembocou em um ponto crítico: a evidente redução da qualidade dos produtos feitos pela construção. Na indústria de hoje, a rede de fornecedores é chamada de supply chain, ou seja, a corrente de suprimentos. Isso não acontece na construção civil. Nós não temos essa rede de fornecedores para atender a esse novo passo e alcançar um novo patamar. A construção industrializada ainda precisa se formar e amadurecer. E, para isso, deve ter a participação do maior interessado, que é a construtora.

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Como se preparar para trabalhar com construção modular?

AEC Responde – Esse seria, então, o maior entrave, para a industrialização das obras no Brasil? A inexistência dessa rede de fornecedores, os chamados sistemistas?

Oggi – Pode ser. É preciso ter um pouco de memória histórica. A indústria, na década de 1960, criou a terceirização. Não vou fazer tal serviço, mas vai ter o fulano ou o beltrano, que vai executar depois. Desse jeito, a terceirização começou a dar problemas de qualidade, de atendimento aos prazos e tudo mais. Partiram, então, para a segunda etapa, que consiste em fazer a gestão do terceiro. Coisa que, no Brasil, ainda não fazemos: simplesmente encontramos um terceiro, que fabrica algo ou presta determinado serviço, negociamos e, pronto, está fechado. Você não sabe quem é, como ele faz, nem se é apenas um intermediário. Então, basicamente, o nosso mercado ainda está na primeira etapa da terceirização. Nós subcontratamos tudo sem nenhuma verificação primária. Isso acontece na grande maioria das empresas, com algumas honrosas exceções. A terceira etapa da terceirização foi a criação dos sistemistas. O empresário da indústria automobilística, por exemplo, percebeu que não queria mais um fornecedor de pistão, mas um motor completo e funcionando. No final desse processo, sobrou para ele somente o chassi. O restante vem tudo de fora, dos sistemistas: portas, paralamas, bancos, motor, parte elétrica etc. Passaram, então, a ser chamados de montadoras. Só que, para se tornar uma companhia de montagem, se não há uma rede de sistemistas, você não consegue fazer nada. Nós ainda estamos em um sistema artesanal. Mal chegamos ao estágio 1.0. Isso não é para desanimar, mas para alertar sobre o que precisa ser feito. Eu trabalho com uma empresa que montou uma fábrica para fazer casas. Vão executar 10 mil unidades por ano em wood frame. Mas ainda há um grande problema a ser resolvido na implantação desses condomínios: não há um tabuleiro pronto para receber isso. A infraestrutura ainda não foi pensada de forma industrializada. De qualquer forma, já foi um grande passo, um enorme investimento feito pela construtora. Merece aplausos, porque ela não esperou um fabricante de módulos habitacionais desenvolver algo para, depois, verificar se compraria dele, ou não. A formação da cadeia de produção é muito importante, assim como o conhecimento sobre novos materiais, algo também esquecido ou relegado por boa parte do mercado – como se fosse um problema exclusivo do fornecedor. Isso não existe. A transformação em montadora é o que desejamos, mas não virá de uma hora para a outra.

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Colaboração técnica

Francisco Oggi – Engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é sócio-diretor do Empório do Pré-Moldado, que atua em assessoria, projeto e consultoria com transferência de tecnologia em sistemas industrializados. Especialista em industrialização da construção com a predominância de utilização de pré-moldados de concreto, já atuou em importantes projetos, tais como o Parque da Cidade e a Torre Eldorado em São Paulo, o Porto Maravilha e o Le Parc Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e a Morada dos Clássicos, em Santo André.