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O que é alvenaria estrutural?

Sistema construtivo que dispensa vigas e pilares, a alvenaria estrutural é alternativa econômica que pode ser utilizada em diferentes tipologias de projetos

Publicado em: 13/07/2022

Texto: Eric Cozza

foto de um prédio em construção
Projeto para alvenaria estrutural deve ser preparado em escala adequada, com as informações corretas, um bom memorial descritivo e uma orientação textual para a execução da obra (Foto: Estúdio Biela)

A alvenaria estrutural é um sistema construtivo que dispensa vigas e pilares. Apoiada diretamente em paredes autoportantes, formadas por blocos estruturais, é uma alternativa bastante econômica. Muito comum em habitações de interesse social, a tecnologia também é competitiva em prédios mais altos e construções de todos os portes.

Há, entretanto, uma série de cuidados técnicos que precisam ser observados, tanto na etapa de projeto quanto de execução. Instalações prediais, aberturas de vãos e janelas, detalhes no último pavimento e a qualidade dos blocos utilizados são alguns pontos de atenção.

O entrevistado do podcast AEC Responde para falar sobre o assunto é o Arq. Flavio Nese, sócio-diretor da Nese Arquitetura e Consultoria, mestre em tecnologia na construção de edifícios pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e um dos autores do “Manual Técnico de Alvenaria Estrutural”. Confira a entrevista na íntegra.

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AEC Responde – O que caracteriza a alvenaria estrutural?

Flavio Nese – Da maneira mais simples possível: trata-se de uma parede que serve como estrutura. Em resumo, alvenaria estrutural é uma parede que suporta cargas, que suporta a edificação. Ou seja, nos projetos de alvenaria estrutural, você não tem os pilares e vigas. No lugar deles, entra uma parede que cumpre essa função. É só isso.

Não dá para trabalhar com peça adaptada, por exemplo. Deve-se evitar cortar bloco em obra. Afinal, a grande vantagem da alvenaria estrutural é conseguir trabalhar com paredes compostas por componentes justapostos, que se encaixam de tal forma que você tem uma montagem
Arq. Flavio Nese, sócio-diretor da Nese Arquitetura e Consultoria 

AEC Responde – A fase de projeto é muito importante para qualquer tipo de edificação. Na sua visão como projetista, quais são os principais cuidados que precisam ser tomados quando se trata de alvenaria estrutural?

Nese – Quando se fala em projeto de alvenaria estrutural, é quase inevitável tratar também de coordenação modular. O sistema possui os componentes, que são o bloco, meio bloco, bloco canaleta, bloco compensador. Há uma família inteira de blocos que constam na norma NBR 6136 (Blocos vazados de concreto simples para alvenaria — Requisitos). Para trabalhar com essa montagem, você precisa dimensionar de uma maneira minimamente organizada. E a melhor forma de fazer isso, seja para desenvolver o próprio projeto ou para que ele seja bem-sucedido na hora da execução, é trabalhar com o conceito de coordenação modular, ou seja, uma maneira de fazer com que todas as peças participem do conjunto de maneira organizada. Um projeto de alvenaria estrutural é um sistema simples, com bloco sobre bloco, formando uma estrutura. Quando você precisa de reforço em alguns locais de concentrações de carga, enche o vazio do bloco, o alvéolo, coloca ferragem. Explicando dessa forma é muito simples, mas é um projeto que requer um cuidado muito grande na hora de ser desenvolvido, para garantir o encaixe das peças. Não dá para trabalhar com peça adaptada, por exemplo. Deve-se evitar cortar bloco em obra. Afinal, a grande vantagem da alvenaria estrutural é conseguir trabalhar com paredes compostas por componentes justapostos, que se encaixam de tal forma que você tem uma montagem. Não tem entulho e não tem muito como errar. Você definiu uma fiada, depois a segunda, definiu os pontos de grauteamento, onde os reforços vão existir, as ferragens onde há concentrações e tensões... pronto, está resolvido o seu projeto. Você sobe o edifício inteiro. Então, o cuidado é que ele tenha uma escala adequada, que faça uso da coordenação modular, que trabalhe com medidas previstas em normas técnicas, que tenha uma legenda muito clara daquilo que está sendo feito. É uma coisa, aliás, que não se pode suprimir: informação. Isso é uma prática do nosso escritório. Colocamos, em todas as folhas, as recomendações necessárias. O memorial descritivo do nosso projeto é feito quase por parede. Colocamos lá o que pessoal tem que fazer, o que não pode fazer, o traço do bloco, o traço da argamassa e a exigência mínima de aceitação do produto na obra. Isso é uma coisa muito importante: como aceitar o material no canteiro? Qual é o lote? Qual é o ensaio de resistência? Qual foi o resultado do ensaio de retração? E o ensaio de absorção? Esses dados são todos muito importantes porque, no futuro, vão balizar as várias aplicações que serão feitas com os blocos. Preciso saber quanto um bloco absorve de água para ter uma argamassa sem problemas amanhã.

Se o projeto for bem-feito, em escala adequada com as informações corretas, um bom memorial descritivo e uma orientação textual para a obra, com tudo aquilo que é necessário, não tem como dar errado. É só chegar na obra e executar
Arq. Flavio Nese, sócio-diretor da Nese Arquitetura e Consultoria

AEC Responde – Falando da execução... vamos considerar que se tenha um bom projeto, bem detalhado. Mesmo assim, a execução tem suas particularidades. Quais são os pontos de atenção?

Nese – Depois do projeto de prefeitura aprovado, você vai entrar na fase de anteprojeto, na qual você tem que, em primeiro lugar, conversar com todos os intervenientes: estrutura, hidráulica, elétrica, instalações mecânicas, CFTV, cabeamento estruturado, redes, tudo o que acontece em volta do projeto. A arquitetura precisa coordenar as outras disciplinas para que todo mundo fale a mesma língua e, principalmente, consigam trabalhar na mesma quadrícula modular.

AEC Responde – E no canteiro? É executar exatamente aquilo que o projeto determinou?

Nese – Exatamente. Quanto menos inventar no canteiro, melhor. A obra foi feita para o serviço de tarefa. Não é mais hora de discutir. Está na planta? É aquilo e acabou. Não dá para inventar. Faz daquele jeito. Não dá para dizer que acha “melhor colocar o compensador mais para trás ou mais para o lado”. Não. Simplesmente siga o projeto. Se for bem-feito, em escala adequada com as informações corretas, um bom memorial descritivo e uma orientação textual para a obra, com tudo aquilo que é necessário, não tem como dar errado. É só chegar e executar. Quem toma conta do canteiro tem que saber como construir porque, obviamente, problemas acontecem. Mas tendo uma boa planta, um bom executor e uma logística adequada, a obra não vai dar problemas e será concluída no prazo.

Trabalhar todas as interfaces é a melhor solução para evitar patologias, não só em blocos cerâmicos ou de concreto, mas em qualquer situação de obra: revestimento, gesso, azulejo, drywall, forro, telhado, o que você imaginar
Arq. Flavio Nese, sócio-diretor da Nese Arquitetura e Consultoria

AEC Responde – O aparecimento de fissuras é a principal patologia que costuma afetar as construções em alvenaria estrutural? O que costuma causar esse tipo de problema?

Nese – Existem aquelas fissuras que são próprias do próprio trabalho, da cura do produto, mas são todas muito controladas. Agora, existem fissuras que vão aparecer na alvenaria porque se usou um bloco que ainda não tinha atingido o tempo de cura, ou porque foi utilizada uma argamassa de assentamento com um traço inadequado. Ou porque você definiu um traço de argamassa sem saber que aquele bloco tinha um índice de absorção muito alto e a interface entre a argamassa e o bloco acabou puxando água demais naquela região. Então, respondendo à pergunta: a patologia mais comum é a fissura. Isso se encontra em qualquer lugar. Tem outras questões como, por exemplo, a argamassa que ‘fotografou’. É aquele caso que você vê um prédio todo revestido com argamassa e, quando chove, se enxerga a parede de alvenaria por trás, como se fosse um raio X. Isso aí é um é um erro de traço, um problema de tratamento de interface. Às vezes, um bloco de um determinado lote que chegou à obra com índices de retração e absorção diferenciados. Então, devemos sempre pensar o seguinte: quando você compra um bloco bom, de qualidade, de uma empresa séria, certificada, só tem a ganhar. Terá economia na argamassa de assentamento e na argamassa de revestimento. O desafio é fazer com que todos esses produtos incomodem minimamente uns aos outros.

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AEC Responde – Isso vale tanto para o bloco de concreto quanto para o cerâmico?

Nese – Qualquer um. Falo muito isso em sala de aula: analisem muito bem os produtos que vocês estão utilizando, seja bloco cerâmico ou de concreto.

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AEC Responde – O senhor está falando em análise de desempenho, independentemente da matéria-prima empregada.

Nese – Você tem que saber como que esse produto se comporta em determinada situação. Em que local do país está executando a obra? É seco? Úmido? Chove demais ou de menos? É muito quente ou é frio? Tudo interfere, porque são processos químicos. Então, a argamassa de revestimento, a argamassa de assentamento e bloco de concreto, todos tem que conviver em harmonia. Para que isso aconteça, o especificador, o arquiteto, o projetista e quem estiver na obra têm que conhecer desempenho de materiais. Você não vai mudar a fórmula de um bloco depois que o material chegou à obra, mas pode adequar a formulação de uma argamassa para que ela trabalhe de maneira ideal quando assentada naquele bloco. Mas como é que você sabe isso? Conhecendo o índice de absorção dele. E por aí vai, ou seja, trabalhar todas as interfaces é a melhor solução para evitar patologias, não só em blocos cerâmicos ou de concreto, mas em qualquer situação de obra: revestimento, gesso, azulejo, drywall, forro, telhado, o que você imaginar.

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Colaboração técnica

Flavio Nese – Graduado em Arquitetura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, possui mestrado em tecnologia na construção de edifícios pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Sócio-diretor da Nese Arquitetura e Consultoria, é gestor de projeto, palestrante e professor de especialização e pós-graduação de cursos de arquitetura. É autor dos livros “Manual Técnico de Alvenaria Estrutural” e “Como Ler Plantas e Projetos – Guia Visual de Desenhos de Construção.”