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O que é logística reversa na construção civil?

Alinhado à economia circular e à preservação dos recursos naturais, conceito tem como premissa a conformidade legal e o foco na redução do desperdício, reutilização, reciclagem e/ou descarte adequado de resíduos

Publicado em: 23/07/2024

Texto: Eric Cozza

Símbolo de reciclagem na frente de uma edificação em obrasA fase de projeto é o momento certo para minimizar desperdícios durante a execução e prever o que fazer com os resíduos que, inevitavelmente, serão gerados na obra. Importante também especificar produtos de fornecedores preocupados e empenhados com a logística reversa (Imagem: Cozza Comunicação)


Minimizar desperdícios e racionalizar o uso de recursos naturais ao longo do ciclo de vida dos produtos estão entre os principais objetivos da logística reversa. O conceito passa por questões como conformidade regulatória e legal, reutilização, reciclagem, gestão e descarte adequado de resíduos.

Mas como a logística reversa se aplica, especificamente, na construção civil? Para falar mais sobre o assunto e contextualizá-lo dentro da realidade do setor, convidamos para o Podcast AEC Responde a engenheira civil Lilian Sarrouf, especialista no assunto e consultora técnica do SindusCon-SP e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

“É um assunto que trabalhamos há algum tempo, desde o início do movimento em prol da gestão de resíduos. Está totalmente relacionado à economia circular, à preservação do meio ambiente e à utilização de recursos naturais”, afirma a engenheira.

Ouça o áudio na íntegra e/ou leia entrevista, a seguir.

AECweb – O que é logística reversa na construção civil?

Lilian Sarrouf – A ideia central é consumir menos recursos naturais. Primeiro, com a redução de desperdício. E aquilo que permanece, seja resíduo ou sobra de material, saber como podemos reutilizar de outra forma. Aí entra a logística reversa, ou seja, como usar essa sobra de material, de excedente ou de resíduos, de maneira que possamos aproveitá-los.

AECweb – Em qual etapa do empreendimento os processos ligados à logística reversa devem ser previstos e planejados?

Sarrouf – Desde a fase de projeto. É na hora de projetar que conseguimos evitar desperdícios e prever o que vamos fazer com aquilo que sobrar, com os resíduos gerados. A fase de projeto é o momento certo para fazer as melhores escolhas de sistemas, materiais, produtos e fornecedores. E esse pensamento de projeto permeia não só a fase de construção, mas também quando formos reformar ou atualizar o imóvel.

AECweb – Qual é o papel dos fornecedores de materiais, subempreiteiros, instaladores e prestadores de serviços na gestão da logística reversa na construção civil? Há segmentos mais avançados do que outros?

Sarrouf – É fundamental a participação de todos. Não só do projetista ou de quem executa as obras, mas também dos fornecedores. Quando falamos em um projeto racionalizado, temos que refletir sobre a escolha do material e do fornecedor do sistema construtivo. Será que ele possui um programa de logística reversa? Como posso utilizar isso na minha obra? Alguns oferecem isso e recolhem sobras do material nos canteiros para reutilização. Isso deve ser levado em consideração, tanto na hora de escolher o material quanto o fornecedor e o fabricante. Trata-se de um diferencial. É uma pergunta a mais, um requisito adicional a ser considerado pelo pessoal de suprimentos.

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AECweb – Há segmentos de fornecedores da construção com programas setoriais específicos sobre logística reversa? Ou costuma ser uma iniciativa pontual das empresas?

Sarrouf – Na maior parte, são iniciativas pontuais das empresas, mas que estão se expandindo e formando aquela onda de boas práticas. Temos um trabalho junto com a Prolata Reciclagem sobre as embalagens de aço. Eles já vislumbraram no setor um grande mercado para recolher as latas e transformar, depois, no próprio aço de construção civil. Já é um acordo estadual de logística reversa, que eles praticavam com outros segmentos da indústria e enxergaram agora o enorme potencial na construção civil. Isso está se ampliando. Há algumas indústrias de tintas sendo bastante proativas: independentemente das obras, recolhem embalagens junto ao consumidor final, nos pontos de entrega. Há também o exemplo de fornecedores de blocos cerâmicos e de concreto: o caminhão descarrega o material na obra e leva o resíduo de volta, para transformar em agregado. Vemos também experiências com gesso acartonado, nessa mesma linha. São boas práticas, mas ainda restritas a algumas empresas mais conscientes. A tendência é que isso aconteça cada vez mais rápido. Antigamente, ninguém queria saber do negócio do resíduo, da sobra do material. É bacana ver o movimento: começou com as transportadoras, depois vieram áreas de transbordo e triagem e hoje algumas empresas já se transformaram em recicladoras. Há uma revolução no mercado que, infelizmente, ainda não está totalmente consolidada em nosso setor.

AECweb – A logística reversa implica em custos adicionais para as construtoras?

Sarrouf – Quando começou o movimento setorial em prol da gestão de resíduos, o pessoal administrativo-financeiro das empresas, por vezes, reclamava um pouco: “ah, vai ter que colocar baia, caçamba, contratar transportador mais caro...”, mas já ficou provado, ao longo do tempo, que uma boa gestão de resíduos nas obras reduz custos. Primeiro, porque o desperdício é menor. Segundo, pela organização da obra. Outro ponto é que conseguimos gerar valor para aquilo que está saindo dos canteiros. Fechamos parceria com os nossos fornecedores, principalmente aqueles que entendem essa lógica. Itens como o papelão, o plástico, o aço e outros materiais saem do canteiro com valor agregado. Algo que, no mínimo, vai reduzir o custo de transporte. Isso já é nítido. Não precisamos ter medo da logística reversa. Temos que trazer a gestão de resíduos para o nosso lado, tirar vantagem dela. E, além do benefício financeiro, há um grande avanço em relação à imagem da empresa, que se conecta à sustentabilidade. Pode, às vezes, não parecer, mas os clientes estão olhando, os vizinhos estão observando...

AECweb – Os bancos...

Sarrouf – Sim, os bancos estão preocupados com isso e, cada vez mais, exigindo que as empresas tenham essas posturas, com ações proativas. E além da redução de custos diretos, temos também aqueles benefícios indiretos, como a conscientização, tanto dentro da empresa como para todos os envolvidos no processo, fora do tapume. É muito prazeroso quando alguém reconhece esse esforço em prol da sustentabilidade verdadeira. Não aquela do tipo green washing (ações enganosas ou declarações exageradas sobre as práticas sustentáveis), mas aquilo que está, de fato, sendo feito com seriedade.

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Colaboração técnica

Lilian Sarrouf – Engenheira civil pela Escola de Engenharia Mauá e administradora de empresas pelo Mackenzie, é mestre em gestão integrada de meio ambiente e segurança e saúde pelo SENAC-SP. Consultora técnica da CBIC e do SindusCon-SP, coordena o Comitê do Meio Ambiente, Segurança e Produtividade e o grupo de trabalho de Pós-Obra da entidade paulista. Gestora do ABNT CB002 – Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT.