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Por que empregar lajes planas em edifícios altos?

Projetista defende uso das lajes lisas para atender demanda por prédios mais altos em ambientes urbanos e questiona análise de custos sobre o concreto protendido no Brasil

Publicado em: 15/05/2024

Texto: Eric Cozza

Detalhes de um projeto de laje plana para edifícios altosLiberdade arquitetônica e maior espaço para as instalações dos edifícios são alguns dos principais argumentos de defesa das lajes planas ou lisas. Os anos 1990 foram o período de maior utilização do sistema estrutural no Brasil. O projetista Francisco Oggi questiona as análises de custos, que acabam ‘condenando’ a tecnologia sem uma análise mais global e sistêmica das vantagens da solução. (Imagem: Shutterstock. Montagem: Cozza Comunicação)


As lajes planas ou lisas são conhecidas por eliminar a necessidade de vigas. Isso pode reduzir a altura da edificação, permitir um alívio nas fundações e simplificar o processo de execução das fôrmas para concreto.

O uso desse sistema estrutural tem conquistado espaço em edifícios altos nos países desenvolvidos e emergentes, lembrando que outra vantagem da tecnologia é abrir mais espaço para as instalações, cada vez mais complexas e sofisticadas. Também proporciona maior liberdade para a arquitetura.

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Mas, afinal, por que a solução não é largamente empregada no Brasil? Será que os incorporadores e construtores estão fazendo uma avaliação global adequada de custos e desempenho?

Para nos responder tais questões e nos ajudar a entender por que empregar lajes planas em edifícios altos, convidamos para o Podcast AEC Responde o engenheiro civil, Francisco Oggi, sócio-diretor do Empório do Pré-Moldado, que atua em assessoria, projeto e consultoria com transferência de tecnologia em sistemas construtivos industrializados.

Ouça o áudio e/ou leia entrevista, a seguir.

AECweb – Por que, na sua opinião, os projetistas e construtores brasileiros deveriam pensar em edifícios altos com lajes planas? Por que isso acontece, em maior escala, em vários países no exterior e não aqui?

Francisco Oggi – É parte da nossa cultura fazer sempre a mesma coisa, sem olhar para o que acontece no exterior. Só que, hoje, a informação viaja em uma velocidade incrível. E as necessidades das grandes cidades vão se modificando rapidamente. Cada vez mais, temos problemas de infraestrutura urbana. O mundo todo já entendeu que as cidades não podem mais se alargar. Precisam se adensar e crescer para cima. E isso leva à construção de edifícios cada vez mais altos. Não temos muito dessa consciência no Brasil. Às vezes, parece que o sonho de quem faz alvenaria estrutural é projetar e executar um prédio de 60 andares, com blocos. Ocorre que nem todo processo construtivo serve para tudo. A laje plana, cujo período áureo no Brasil se deu na década de 1990, foi proposta pelo arquiteto Le Corbusier em 1914. É a forma mais simples de fazer uma estrutura atualmente. Muito mais agora do que na década de 1990, quando os edifícios eram mais baixos no Brasil. Lá fora, os prédios que empregam lajes planas possuem 60, 70, 80 pavimentos. E cada andar com um formato diferente. A viga, de fato, é uma nervura eficiente. Mas se você considerar a laje como uma viga deitada, não há necessidade de perder tempo e energia para executar peças que, posteriormente, vão complicar as instalações e as fachadas dos edifícios. Hoje, temos soluções de fachadas que agradam os arquitetos e resolvem todos os problemas de acústica, de estanqueidade, de segurança, beleza etc. E o sistema que melhor se adaptou nesse sentido foi a estrutura de concreto armado com laje lisa.

Precisamos acabar com essa imagem de bicho papão que ficou associada ao concreto protendido. Trata-se de um instrumento esplêndido, maravilhoso, desenvolvido há quase 100 anos, que serve para combater o nosso maior inimigo nas estruturas: as deformações
Francisco Oggi

AECweb – No exterior, as lajes planas em edifícios altos têm sido projetadas e executadas sempre com protensão?

Oggi – Precisamos acabar com essa imagem de bicho papão que ficou associada ao concreto protendido. Trata-se de um instrumento esplêndido, maravilhoso, desenvolvido há quase 100 anos, que serve para combater o nosso maior inimigo nas estruturas: as deformações. Há duas formas de combatê-las: superdimensionando, o que sai muito caro, ou empregar novas técnicas, disponíveis hoje, de concretos que atingem até 200 MPa. Nós estamos agora preparando a norma de estruturas para concretos acima de 120 MPa, justamente para combater deformação. A protensão é uma aliada e não uma inimiga. Mas quero citar e parabenizar Vitória, no Espírito Santo. Trata-se da capital da laje lisa no Brasil. Difícil encontrar por lá edifício acima de dois pavimentos calculado com vigas. É tudo laje plana, desde os anos 1990. Eles pegaram a onda e continuaram surfando até hoje. Confesso que não entendo essa birra, esse asco com a protensão, vista como uma solução cara. Parece-me ignorância.

AECweb – No exterior, é utilizada a protensão aderente ou não aderente?

Oggi – Tanto faz. A aderente é mais antiga. O Eugene Freyssinet desenvolveu todo um sistema de aderência para fazer a protensão e o nosso colega brasileiro José Carlos de Figueredo Ferraz fez o MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, cujo prédio atual na Av. Paulista foi inaugurado em 1968, com um vão livre de 74 metros) e utilizou o que batizou de sistema Figueiredo Ferraz de ancoragem. A protensão deveria ser usada e abusada. Essa coisa de ser mais cara é uma fixação do profissional brasileiro. Se analisarmos todas as facilidades envolvidas e fizermos uma análise global, sistêmica, chegaremos a uma outra conclusão. Não importa o custo de um componente específico da obra. Se você consegue chegar no preço final, no prazo e na qualidade desejada pelo cliente, qual é o problema?

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AECweb – A punção costuma ser um dos principais pontos de atenção no desenvolvimento dos projetos estruturais com lajes planas. Quais são os cuidados necessários?

Oggi – O que é punção? É cisalhamento. Agora, só porque passamos a vida inteira calculando vigas, por que essa preocupação com punção? Trata-se de um item necessário e fazemos automaticamente no caso das vigas. Para as lajes lisas, calculamos o esforço de cisalhamento, verificamos e colocamos os estribos para combatê-lo. Eu não sei por que tratam a punção como sendo algo diferente. É exatamente a mesma coisa que acontece com o cisalhamento de uma viga. Tem que fazer o cálculo.

AECweb – As lajes planas ‘dialogam’ bem, ou seja, se adaptam no caso de sistemas mistos ou com outras tipologias estruturais como, por exemplo, as paredes de concreto, pré-fabricados e as estruturas metálicas?

Oggi – Você mencionou a parede de concreto. Nós fizemos, em 2015, um dos primeiros prédios da Gafisa com parede estrutural, no qual só tínhamos parede externa e um núcleo central com elevador e escada. E o resto foi uma laje lisa. E quem mora nesses apartamentos hoje tem a flexibilidade de mudar o layout. Não tem viga, não tem nada. É uma laje lisa, que foi armada porque o vão não justificava protensão. É justamente por conta da laje lisa que a arquitetura ganhou mais liberdade e coisas espetaculares têm sido feitas. Permita-me acrescentar um ponto importante: em São Paulo, adotou-se a contratação da execução da estrutura por metro cúbico. Então, quanto menos metro cúbico você tem, menos você paga pela mão de obra. Nos outros estados, não é assim. O que acontece? A laje lisa, no final, acaba com uma espessura média um pouquinho maior. Então, temos que mudar também a forma de contratação da mão de obra para execução. Afinal, se, com a laje lisa, eu trabalho com a metade da equipe de carpinteiros, não se justifica que seja cobrado a mesma coisa. Só porque se utiliza de 4 ou 5 centímetros a mais de concreto por pavimento? Precisamos ajustar a forma de contratação.

AEC Responde

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Colaboração técnica

Francisco Oggi – Engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é sócio-diretor do Empório do Pré-Moldado, que atua em assessoria, projeto e consultoria com transferência de tecnologia em sistemas industrializados. Especialista em industrialização da construção com a predominância de utilização de pré-moldados de concreto, já atuou em importantes projetos, tais como o Parque da Cidade e a Torre Eldorado em São Paulo, o Porto Maravilha e o Le Parc Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e a Morada dos Clássicos, em Santo André.