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Como rebaixar o lençol freático para a execução de obras?

Principal objetivo é permitir uma escavação a seco do terreno, para executar as fundações e as estruturas. Bombeamento direto ou ponteiras filtrantes são os métodos mais empregados em obras imobiliárias.

Publicado em: 28/02/2023

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Para executar o rebaixamento do lençol freático, é fundamental contar com uma boa sondagem do solo e estudar bem o projeto antes de fazer qualquer tipo de procedimento. A preocupação com a vizinhança tem estimulado parlamentares a desenvolverem legislações que visam limitar o uso do método. A eventual proibição de algumas atividades pode até inviabilizar tecnicamente a execução de determinadas escavações (Imagem: Shutterstock)

Você sabe o que é o rebaixamento do lençol freático? E por qual motivo é realizado antes da execução de algumas obras imobiliárias? O procedimento deve minimizar riscos à vizinhança e evitar o futuro aparecimento de patologias, principalmente quando há presença de solos moles.

O objetivo é facilitar a escavação e a construção de estruturas abaixo do nível d´água. Mas quais são as principais técnicas empregadas para realizar o procedimento? Quais são os riscos envolvidos e os cuidados a serem tomados?

Para nos ajudar a entender melhor o rebaixamento do lençol freático, nós convidamos para o podcast AEC Responde o engenheiro civil Sussumu Niyama, diretor da Tecnum Engenharia, mestre e doutor em engenharia de solos e fundações pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Confira, a seguir, a entrevista.

“Hoje em dia, temos condições de evitar o rebaixamento, utilizando algumas soluções de contenções capazes de permitir a escavação como, por exemplo, a parede-diafragma”
Eng. Sussumu Niyama

AECweb – O que é e qual é o objetivo do rebaixamento do lençol freático?

Sussumu Niyama – Quando executamos uma obra imobiliária, sempre que possível, procuramos evitar o rebaixamento do lençol freático para diminuir a chance de eventuais problemas com a vizinhança. Mas trata-se de uma obra urbana cujo principal objetivo é possibilitar uma escavação a seco do terreno, para executar as fundações e as estruturas do empreendimento. Isso vale para um prédio, uma estação de metrô ou até mesmo um túnel. No caso dos prédios nos centros urbanos, costumamos construir subsolos que são utilizados como estacionamentos. Hoje em dia, temos condições de evitar o rebaixamento, utilizando algumas soluções de contenções capazes de permitir a escavação como, por exemplo, a parede-diafragma. Trata-se de uma contenção que não permite a passagem da água. Sabemos, entretanto, que não existem estruturas totalmente estanques – a água sempre procura um caminho. Essa é a nossa batalha diária: tomar todos os cuidados para não trazer nenhum dano ou patologia para a vizinhança.

AECweb – Quais são os principais métodos empregados para o rebaixamento?

Niyama – Antes disso, queria falar um pouco sobre a parede diafragma. É uma forma de conter a escavação sem que haja percolação da água por dentro do terreno. Existem outras, contenções, que empregam a cravação de perfis metálicos e a aplicação de pranchas de madeira. Mas procuramos evitar esse tipo de método no terreno que tem nível de água, porque acabará permitindo a passagem dela. Uma parede diafragma já é uma escavação onde preenchemos o vazio deixado no terreno na forma de uma parede, com armação em concreto, feito de forma submersa. Agora, em relação aos métodos de rebaixamento, temos vários...

“As ponteiras filtrantes também costumam ser utilizadas quando há um número elevado de subsolos e uma pressão de água muito alta, localizadamente, onde o bombeamento simples não seria suficiente”
Eng. Sussumu Niyama

AECweb – Quais são esses métodos?

Niyama – O método de bombeamento direto ou de esgotamento é o mais utilizado em nossas obras. Temos um terreno, começamos a escavar e fazemos uma vala em torno do lote, onde vão ser canalizadas as águas que estão entrando. São varas que escoam as águas em um poço no terreno. Deixamos acumular e fazemos o bombeamento para fora do lote. É um processo presente em muitas obras. Mas quando precisamos rebaixar o lençol em alguns metros, em torno de uma escavação, aí empregamos outro tipo de equipamento. São três os tipos mais conhecidos. O primeiro é a ponteira filtrante, que utilizamos muito, por exemplo, na Baixada Santista ou na cidade do Rio de Janeiro, em zonas urbanas praianas, que possuem uma camada de areia e muita água, além de solo mole. São ponteiras, tubos com cerca de 1,5 polegada, com uma ranhura na frente. Têm a função de sugar a água. Cada tubo é interligado em uma outra tubulação, ligada a uma bomba de sucção. Tais ponteiras conseguem rebaixar o nível do lençol em até cerca de 5 metros. Deve ter uma fileira de ponteiras com espaçamento de 1 a 2 metros, conforme o projeto de rebaixamento. As ponteiras filtrantes também costumam ser utilizadas quando há um número elevado de subsolos e uma pressão de água muito alta, localizadamente, onde o bombeamento simples não seria suficiente. Temos mais dois tipos de equipamentos para rebaixar até 20 metros: os poços injetores e as bombas submersas. Mas são muito menos utilizados, quase nunca em obras imobiliárias. São mais empregados na construção de metrô, escavações e túneis. No caso de um empreendimento imobiliário, o bombeamento simples ou a ponteira filtrante são as técnicas mais usadas.

“É o princípio básico de mecânica dos solos: com o rebaixamento e a água deixando de existir naquela camada de solo mole, começam a aumentar as tensões efetivas. E aí você provoca o adensamento, uma compressão da camada desse solo mole. A compressão provoca recalque na superfície, nem sempre homogêneo”
Eng. Sussumu Niyama

AECweb – Quais são os principais riscos e, por consequência, os cuidados que o construtor, a empresa subcontratada, enfim, a equipe técnica da obra deve tomar durante o rebaixamento do lençol freático?

Niyama – Boa parte da população já possui conhecimento sobre eventuais danos que podem ser causados pelo rebaixamento do lençol freático. Em Santos, por exemplo, ao iniciar uma obra, a vizinhança já chega e pergunta a respeito. Em geral, já ouviram falar por aí que rebaixar o lençol pode provocar danos, principalmente em cidades praianas e com sole mole. Há uma série de patologias naquela região, inclusive prédios inclinados. As pessoas, portanto, já estão muito atentas a esse tipo de problema. Quando temos presença de solo mole e o nível da água está dentro dessa camada, é complicado. Se fizermos o rebaixamento, o que vai acontecer? É o princípio básico de mecânica dos solos: com o rebaixamento e a água deixando de existir naquela camada de solo mole, começam a aumentar as tensões efetivas. E aí você provoca o adensamento, uma compressão da camada desse solo mole. A compressão provoca recalque na superfície, nem sempre homogêneo. Começam, então, os problemas de recalques diferenciais e, por consequência, o aparecimento de fissuras, trincas e, no caso de estruturas mais frágeis, até mesmo rupturas. Quando vamos executar uma obra desse tipo, temos que solicitar uma sondagem de muito boa qualidade, confiar nos resultados e estudar bem o projeto antes de fazer qualquer tipo de rebaixamento. A preocupação tem chegado, muitas vezes, aos nossos parlamentares nos níveis municipal, estadual e federal. Começam a pipocar leis para limitar o uso do rebaixamento, proibindo uma série de atividades que podem até inviabilizar tecnicamente a execução de determinadas escavações. Preocupadas com isso, as construtoras reunidas no SindusCon-SP e algumas entidades técnicas, como a ABEF (Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Fundações e Geotecnia), a ABEG (Associação Brasileira de Empresas de Projetos e Consultoria em Engenharia Geotécnica) e a ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica) têm formado comissões para acompanhar esses projetos de lei. Para que possamos agir, esclarecer e discutir tecnicamente. Assim, mesmo que haja uma legislação mais restritiva, impondo limitações, procuramos garantir que seja capaz de atender as necessidades das obras.

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AECweb – E o aspecto da sustentabilidade? Em algumas obras de rebaixamento, costuma-se bombear e reaproveitar a água para determinados consumos. Como a legislação ambiental trata esse assunto?

Niyama – Esse é outro aspecto relevante, ainda mais em um contexto de escassez hídrica, que já estamos vivendo em grandes centros urbanos. Citaria, como exemplo, o projeto de lei 01-00061/2015, do vereador Toninho Paiva, de São Paulo, que dispõe sobre o aproveitamento das águas subterrâneas provenientes da escavação do solo, para a execução de fundações ou de pavimentos no subsolo. O projeto tem alguns anos, recebeu várias alterações e hoje existe um substitutivo, que foi elaborado pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente. Esse projeto substitutivo foi estudado pela nossa comissão e demos luz verde para que fosse adiante. Nós liberamos o projeto. Diferentemente de outros que, quando não são embasados tecnicamente, pedimos o arquivamento. Esse projeto prevê o manejo adequado das águas subterrâneas, um ponto muito importante para manter o equilíbrio hidrodinâmico. O projeto também obriga que as construções de subsolo sejam totalmente estanques, abaixo do nível do lençol freático. Agora, em questões de sustentabilidade, nossos empreendimentos já começam a ter o reaproveitamento de águas, tanto de chuva como daquela parte que infiltrou no terreno. E hoje existem técnicas e equipamentos capazes de proporcionar um tratamento primário, para permitir que a água reaproveitada possa ser utilizada, por exemplo, na jardinagem ou na limpeza de áreas comuns. Mas não potável, porque isso já seria uma questão muito mais complicada, que demandaria uma série de outros quesitos. Teríamos que atender uma resolução do Conama, que prevê o famoso IQA, o índice de qualidade das águas. Acho difícil chegarmos nesse nível, de fazer uma estação de tratamento de água em um condomínio.

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Colaboração técnica

Sussumu Niyama  – Engenheiro civil, mestre e doutor pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Realizou pesquisa de doutorado pela Universidade de Osaka, no Japão. Foi presidente da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos). Recebeu o Prêmio Milton Vargas pela Revista Fundações e o Prêmio Manuel Rocha pela ABMS. Coeditor do livro “Fundações – Teoria e Prática”, possui inúmeros trabalhos publicados no Brasil e no Exterior. Foi pesquisador no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) por cerca de 30 anos, atuando na área de geotecnia e fundações. Atuou também como gestor no SindusCon-SP. Atualmente, é diretor da Tecnum Construtora. Coordena o curso de pós-graduação em geotecnia e fundações no Instituto Mauá de Tecno