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Como atrair os jovens a serem operários na construção civil?

Aquecimento dos negócios deve vir acompanhado da escassez de trabalhadores qualificados para atuar nos canteiros. Industrialização, capacitação e valorização profissional são as saídas

Publicado em: 28/11/2023

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Participação feminina nos canteiros ainda é muito pequena no Brasil. Melhores condições de trabalho, maior mecanização e valorização profissional podem atrair a mão de obra das mulheres para muitas funções operacionais (Imagem: Shutterstock)

Um novo fantasma parece assombrar a construção civil. Levantamento realizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em 2022, apontou que as empresas do setor têm enfrentado uma dificuldade crescente: a contratação de mão de obra qualificada para os canteiros. O problema foi constatado, em especial, nas construtoras de pequeno porte.

Conhecido por empregar um grande contingente de trabalhadores, o setor já sofreu antes com esse tipo de problema. Nas duas décadas passadas, em momentos de aquecimento dos negócios, os profissionais ficaram mais caros e encontrar pessoal qualificado foi mais difícil.

Fala-se agora, entretanto, em algo mais estrutural. Uma tese corrente entre os construtores diz que os mestres de obra e encarregados estão cada vez mais velhos e não surge uma nova geração para substituí-los. A frase mais ouvida é: “o filho do mestre não quer mais trabalhar em obras”.

Segundo tal teoria, outros setores econômicos seriam mais atraentes e charmosos para os jovens profissionais. Será mesmo? Para falar um pouco sobre isso, nós convidamos para o podcast AEC Responde o engenheiro civil e de segurança, José Carlos de Arruda Sampaio, especialista em qualidade, produtividade, segurança do trabalho e meio ambiente. Ouça o podcast e/ou leia a entrevista na íntegra a seguir.

AECweb – Como motivar e atrair os jovens a serem operários na construção civil?

José Carlos de Arruda Sampaio – A CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) publicou, em 2021, que o setor possui mais de 7 milhões de trabalhadores, sendo 3,8 milhões informais e 3,2 milhões com carteira assinada. É nítido que o trabalho informal está aumentando, o que promove um afastamento, principalmente entre os mais jovens. Hoje, muitos pedreiros, eletricistas, carpinteiros e jardineiros ganham, em um dia de trabalho, prestando serviços na informalidade, mais do que ganhariam em uma semana em uma obra formal. Os jovens de hoje não pensam da mesma forma que seus pais em relação ao trabalho. Ainda mais quando se trata de processos operacionais na construção, que somam a exigência de esforço físico e salários não muito atrativos em relação às outras profissões. Sem falar nas condições precárias de trabalho, metodologia construtiva artesanal e baixa possibilidade de crescimento na carreira. Há também um preconceito na sociedade: dizem que o trabalhador no ramo, em geral, é desqualificado. É preciso melhorar essas questões internamente nas empresas e promover um sentimento de pertencimento no trabalho, para que o operário se sinta útil, se liberte dessa falta de perspectiva e volte a se empolgar com a vida profissional.

“A renovação não acontece porque os jovens buscam novas oportunidades em outros setores da economia, que julgam ter condições de agregar mais valor à sua vida, à carreira profissional. Na minha opinião, é preciso fazer um diagnóstico setorial para conhecer as reais causas”
José Carlos de Arruda Sampaio

AECweb – O envelhecimento dos trabalhadores é perceptível?

Sampaio – Sim, em qualquer canteiro de obras. E a renovação não acontece porque os jovens buscam novas oportunidades em outros setores da economia, que julgam ter condições de agregar mais valor à sua vida, à carreira profissional. Na minha opinião, é preciso fazer um diagnóstico setorial para conhecer as reais causas, as raízes que, de fato, impedem que o jovem trabalhador se insira no setor da construção. Outro fator que deve ser analisado é a forma como se recruta e seleciona pessoal. É um assunto importante demais para se relegar a um segundo plano. As pessoas são produto do meio em que vivem, no qual atuam. Quando contratamos trabalhadores sem qualificação mínima para o desenvolvimento das atividades na obra, isso acaba influenciando as demais equipes de trabalho. Esse processo de recrutamento e seleção tem que ser mais assertivo e eficaz. É preciso entender se o trabalhador possui a qualificação necessária para desenvolver o trabalho dentro do cronograma e dos prazos estabelecidos com o cliente. Eu acredito que o sucesso de uma empresa ou de uma obra está relacionado também ao relacionamento estabelecido entre o gestor e as equipes operacionais. Há líderes nas construtoras que, simplesmente, nunca se relacionaram com o trabalhador de uma empresa subcontratada. Isso não proporciona uma relação saudável, de confiança. Pelo contrário: gera um processo de comunicação deficiente entre as pessoas, o que vai influenciar diretamente os resultados da obra.

“Quando os processos construtivos se aproximarem mais de um ambiente com características industriais, o trabalhador ficará mais empolgado em trabalhar nessas condições. O jovem de origem humilde passou a estudar muito mais nos últimos 20 anos e não quer o trabalho braçal e as condições precárias oferecidas pela construção civil”
José Carlos de Arruda Sampaio

AECweb – Como se reverte isso?

Sampaio – Ter um bom relacionamento com a equipe exige esforço. É preciso se colocar à disposição para ouvir e entender as necessidades das pessoas. Os profissionais devem conversar, por mais cheia que esteja a agenda e não se encontre tempo para isso. Gerenciar uma obra não se restringe ao controle do cronograma e dos custos. Vejo canteiros com 200, às vezes, 300 pessoas que não têm gestão nenhuma. Assim, é impossível fazer um engajamento desses trabalhadores, construir confiança e lealdade na equipe.

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AECweb – A mecanização e a industrialização do setor podem ser aliadas nesse processo de atração de novos profissionais?

Sampaio – Se analisarmos a história, vamos perceber que os métodos construtivos sempre evoluíram quando pressionados por conjunturas sociais e econômicas. Foi assim, por exemplo, com a primeira e a segunda Revolução Industrial. O importante é sair da fase de conscientização e entrar numa fase de convicção. É por isso que eu acredito que para, atingir patamares de produtividade semelhantes aos países desenvolvidos, torna-se imprescindível a mecanização e a racionalização dos processos e atividades de construção. É preciso, nos próximos anos, transformar o canteiro de obra em uma espécie de linha de montagem, com a aplicação de sistemas pré-fabricados, que chegam prontos para serem montados ou alcançando até o nível da construção modular. Veja o exemplo do agronegócio brasileiro, que se tornou um player mundial. Saiu daquele trabalho simples, manual, se mecanizou e hoje somos os melhores do mundo na produção de vários alimentos. E esse desenvolvimento nos últimos anos se deu, principalmente, pelo uso da tecnologia.

“As subcontratadas, em muitos casos, são compostas por pessoas sem a mínima comprovação de instrução, de qualificação e experiência em obras. E que, depois de contratadas, não conseguem atingir os resultados planejados pela empresa contratante. Para mim, a empresa tem que eleger como foco central o protagonismo do trabalhador no aprendizado”
José Carlos de Arruda Sampaio

AECweb – E na construção civil? Nada mudou?

Sampaio – A indústria da construção civil passou por um processo de mobilização, principalmente em relação aos materiais que podem ser utilizados na obra. Hoje, há tudo o que se possa imaginar. Também foram introduzidas dezenas de tecnologias na modernização dos projetos, muitas opções de softwares disponíveis no mercado. Existe tudo o que você precisa para o projeto, desde a metodologia BIM até uma série de novas aplicações digitais. O problema é que o processo de construção, em boa parte, continua da mesma forma na qual era executado em 1930, com pilares, vigas e lajes moldadas in loco. Esse método artesanal carrega junto todos os outros processos e ainda utiliza poucos equipamentos. Depende da força física do trabalhador, principalmente no que se refere ao carregamento, armazenamento e transporte de materiais. Isso revela que não estamos alinhados com o que a agricultura, a pecuária e diversas outras indústrias fizeram nos últimos anos. Há essa diferença de patamar. Eu acredito que, quando os processos construtivos se aproximarem mais de um ambiente com características industriais, o jovem trabalhador ficará mais empolgado em trabalhar nessas condições. O jovem de origem humilde passou a estudar muito mais nos últimos 20 anos e não quer o trabalho braçal e as condições precárias oferecidas pela construção civil.

AECweb – A construção civil, historicamente, investe pouco na capacitação e no treinamento dos seus profissionais. Reverter esse quadro poderia ajudar a diminuir essa falta de atratividade para os jovens profissionais?

Sampaio – Eu não sou contra a terceirização de serviços pois, em teoria, é uma ferramenta cada vez mais utilizada pelas empresas de todos os portes e áreas de atuação, para se tornarem mais ágeis e competitivas. Na prática, porém, estamos muito longe disso, praticando o que os psicólogos chamam de autoengano. Ou seja, acreditando que o simples fato de terceirizar o processo nos permitirá ganhar mais dinheiro. Talvez funcionasse se as pessoas fossem qualificadas e, de fato, soubessem fazer melhor e mais barato...

“Se os processos se tornarem menos artesanais, mais mecanizados e automatizados e as colaboradoras forem qualificadas, com certeza, haverá mais espaço para o trabalho feminino e para as jovens profissionais no setor”
José Carlos de Arruda Sampaio

AECweb – ... como foi o caso da indústria automobilística, que conseguiu desenvolver a própria cadeia de fornecedores terceirizados...

Sampaio – Exatamente. Isso não acontece na construção civil. Quando eu analiso a maioria das empresas do setor no Brasil, nota-se que a qualificação das pessoas não é considerada prioridade. Valoriza-se muito mais a gestão dos projetos, dos equipamentos e dos materiais. Até a própria metodologia de execução foi abandonada. As subcontratadas, em muitos casos, são compostas por pessoas sem a mínima comprovação de instrução, de qualificação e experiência em obras. E que, depois de contratadas, não conseguem atingir os resultados planejados pela empresa contratante. Para mim, a empresa tem que eleger como foco central o protagonismo do trabalhador no aprendizado. É preciso que os gestores de obras reinventem as formas de ensinar e aprender e promovam uma mudança que garanta ao trabalhador o conhecimento mínimo para entrar em um canteiro de obra. O problema é que, como a capacitação e o treinamento nunca foram preocupações desses gestores, eles não têm experiência para conduzir um processo de mudança como esse. É por isso que eu defendo que engenheiros, mestres e encarregados, pelo menos, tenham um processo personalizado de educação e treinamento, uma aprendizagem adaptativa. Algo que ofereça espaço para que os trabalhadores sejam ouvidos e tratados conforme as características de cada um.

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AECweb – O percentual de mulheres entre os operários da construção tem aumentado, mas ainda é pequeno se comparado à presença masculina. Atrair a mão de obra feminina pode ser uma estratégia interessante para as construtoras?

Sampaio – Sem dúvida. Atrair e reter mais mulheres faz parte de uma economia inteligente. Temos que colocar isso como meta. Com a expansão da construção civil, será necessária a presença de profissionais especializados e comprometidos em nosso segmento. E novas oportunidades surgem para o público feminino no setor da construção civil. Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), a cada dia, as mulheres conquistam equidade no mercado de trabalho. A construção é uma das áreas, historicamente, dominada pela presença masculina, mas também faz parte desse cenário. E há espaço para as mulheres trabalharem dentro do processo operacional, como pedreiras, carpinteiras, marceneiras, eletricistas, impermeabilizadoras, vidraceiras, motoristas, técnicas de refrigeração e climatização, laboratoristas, técnicas de edificação, técnicas de segurança do trabalho, de qualidade, de meio ambiente, entre outras funções. Só que, para atrair essa mão de obra, é necessário fazer algumas mudanças no ambiente de trabalho. Se os processos se tornarem menos artesanais, mais mecanizados e automatizados e as colaboradoras forem qualificadas, com certeza, haverá mais espaço para o trabalho feminino e para as jovens profissionais no setor.

Colaboração técnica

José Carlos de Arruda Sampaio  – Engenheiro civil e de segurança do trabalho com especialização em qualidade, produtividade, segurança do trabalho e meio ambiente, é autor dos livros “Manual de Aplicação da NR-18” e “Programa de Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção – PCMAT”. Ex-pesquisador da Fundacentro, é diretor da JDL Qualidade, Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, que já atendeu centenas de empresas de diferentes setores industriais em todo o Brasil.