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Sustentabilidade começa no canteiro de obras

Com organização, é possível controlar e diminuir os impactos ambientais – desde o solo, ar, a água, fauna e flora até as influências na vizinhança do terreno – por meio da reciclagem e destinação correta de resíduos

Publicado em: 17/12/2014Atualizado em: 05/01/2015

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

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Obras da construção civil geram impactos em diversos elementos da natureza, desde interferências no solo, ar, água, fauna e flora até influências na vizinhança do terreno. Além disso, há a questão da destinação dos resíduos que, quando gerenciados da forma incorreta, acabam sendo descartados em locais inapropriados. “Ciente de todas essas interferências, é possível utilizar medidas para controle ou diminuição dos impactos”, afirma o engenheiro ambiental João Vitor Gallo, consultor da Petinelli. “A organização do canteiro permite que todas as medidas de controle do impacto ambiental sejam eficientemente aplicadas, tornando-se atitude crucial. Um canteiro organizado favorece a reciclagem dos resíduos, agilidade na execução da obra, menor incidência de acidentes e estabelece a cultura da construtora”, completa.

Há diferentes ações que podem ser adotadas para tornar o trabalho no canteiro ambientalmente mais correto, como proteger o estoque de solo com lona plástica, evitando que a chuva ou o vento espalhe as partículas do material. Medida que também visa não danificar o terreno é conter possíveis vazamentos de óleo com uso de serragem ou estopa. “Idealmente, é preciso verificar quais intervenções a obra causará no terreno e identificar características pontuais a serem cuidadosamente protegidas, como áreas de preservação permanente e ambientes frágeis, espécies ameaçadas, lagos e nascentes. Essas áreas devem ser resguardadas com telas de arame e placas de identificação”, recomenda o engenheiro.

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A melhor prática para conter a poeira é umidificar as pilhas de caliça e as paredes do edifício em demolição com água de chuva. As telas ou cortinas ao redor da obra ajudam a segurar a poeira, evitando que transpasse o limite do terreno e chegue aos vizinhos – os próprios tapumes perimetrais do terreno ajudam a reter essa poeira. “Outras iniciativas que também colaboram são umidificar o piso antes de varrer o ambiente, para não suspender a poeira; criar local específico para casa de corte de madeira e proteger os perímetros para auxiliar na contenção da serragem”, detalha Gallo.

CONTAMINAÇÃO DA ÁGUA

Os cuidados com o meio ambiente não se restringem somente ao canteiro, a maior contaminação da água acontece em regiões fora dos limites do terreno onde acontecem os trabalhos. “É comum, após uma grande chuva, bombear a água acumulada que fica cheia de sedimentos e produtos químicos e encaminhá-la para as galerias pluviais, que têm por finalidade carregar a água escoada pelas ruas e calçadas até um rio ou afluente. Esse líquido carregado de sedimentos causa assoreamento e diminuição da profundidade dos rios e, consequente, aumento no número de enchentes”, alerta João Vitor Gallo, que recomenda criar bacias de sedimentação, onde a água é retida no canteiro e drenada naturalmente. Outra opção é a filtragem da água para retirada dos sedimentos antes de enviá-la à galeria pluvial.

Idealmente, é preciso verificar que intervenções a obra causará no terreno e identificar características pontuais a serem cuidadosamente protegidas, como áreas de preservação permanente e ambientes frágeis, espécies ameaçadas, lagos e nascentes
João Vitor Gallo

Gallo ressalta, porém, que a melhor prática é filtrar a água retida e armazená-la em caixas d’água de 7 a 10 m³, para ser reutilizada em lava-rodas e na dissipação de poeira das vias internas. “Dentre as atividades de construção, a água é mais utilizada na cura do concreto e na fase de limpeza. É usada também para estacas e escavações de parede diafragma, mas a lama betonítica vem ganhando espaço nessa tarefa por sua capacidade de reaproveitamento. Para todas as outras atividades, a água da chuva pode ser utilizada, já que o canteiro de obras se apresenta como uma grande bacia de captação, principalmente na fase de escavação”, diz.

Nos terrenos urbanos, restam poucas áreas verdes que podem ser mantidas, por isso a fauna e a flora desses ambientes devem ser protegidas de maneira permanente com telas e grades. “No entorno da obra, os moradores que dividem a parede com o canteiro dificilmente vão conseguir fugir do barulho, mas é possível mitigar alguns impactos por meio de iniciativas, como lavar as rodas dos caminhões para evitar que os sedimentos sejam levados até a rua; instalar tapumes nas divisas; realizar questionário com os vizinhos e fornecer uma caixa de sugestões para saber o que pode ser ajustado, evitando maiores incômodos; não ocupar as entradas de garagem; e entregar comunicado por escrito para casas e edifícios próximos nos dias que houver grandes entregas ou o uso de guindastes que poderão causar transtorno no trânsito”, informa Gallo.

REÚSO DE RESÍDUOS E HORTA COMUNITÁRIA

Segundo o engenheiro, atualmente é comum o reaproveitamento da caliça gerada na demolição para estabilização das vias internas, o que previne o acúmulo de barro nos pneus dos veículos e facilita a locomoção dos trabalhadores. “Existem pequenos britadores de mandíbula, utilizados pelas construtoras, que trituram a caliça, gerando brita e areia. Depois de peneiradas e com diversas granulometrias, esse material é usado como sub-base de piso, na execução de calçadas e muros onde não há exigências estruturais”, diz. Antes da demolição, um passo importante é remover esquadrias, batentes, luminárias, metais e louças sanitários, entre outros itens que poderão ser vendidos ou reutilizados. Com isso, evita-se o envio para aterro ou o reúso da própria caliça, que se torna inutilizável ao se misturar aos destroços desses materiais. “Essa ainda é uma prática pouco usada pelo aumento do prazo de execução e pelo custo cobrado pelas demolidoras”, afirma.

O estímulo da separação dos resíduos que uma obra sustentável gera cria a cultura da segregação, que o funcionário leva para casa, propagando-se em uma corrente com efeitos intangíveis
João Vitor Gallo

Segundo Gallo, é alta a viabilidade econômica de enviar os resíduos gerados para reciclagem ou reúso, uma vez que as empresas pagam para receber o material limpo e separado. “Cabe à construtora o custo do transporte, sendo que a reutilização da caliça na própria obra diminui ainda mais esse valor. Os únicos materiais que têm de ser pagos para serem enviados são a caliça, a madeira, o gesso e os contaminados. Excluindo o gesso, que tem preço mais elevado, a madeira e a caliça contam com custo de reciclagem inferior ou igual a 50% do valor cobrado por um aterro sanitário, porém a quantia recebida pela venda do papel, plástico e principalmente do metal contrapõe esse gasto adicional. Para o restante dos materiais, é importante trabalhar o reúso na própria obra e impor a logística reversa aos fornecedores de tintas, gesso e drywall”, explica Gallo.

Já a maioria dos resíduos orgânicos gerados na obra vem da alimentação dos operários. Esse material normalmente é separado e coletado pela própria empresa que fornece as refeições, em um processo de ciclo reverso, ou então, recolhido pela prefeitura e destinado aos aterros sanitários. “Alternativa para esses resíduos é a criação de horta comunitária, que só pelo fato de colaborar com a redução no envio de materiais ao aterro sanitário já ajuda na preservação do meio ambiente. Além disso, o estímulo da separação dos resíduos que uma obra sustentável gera cria a cultura da segregação, que o funcionário leva para casa, propagando-se em uma corrente com efeitos intangíveis. O grande desafio para implantar a horta comunitária no canteiro é o espaço que essa alternativa demanda, ainda mais em algumas obras, nas quais cada metro quadrado vale ouro”, fala o engenheiro.

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DESAFIOS

Poucos operários do setor da construção já trabalharam em obras sustentáveis ou com cuidado ambiental elevado, por isso, educar e conscientizar esse público é iniciativa crucial para os resultados positivos da obra. “Treinamentos periódicos e a fiscalização das tarefas são necessários para validar o desempenho da equipe. Boa prática é utilizar os momentos de cursos de segurança no trabalho para instruir sobre temas como organização, limpeza e segregação dos resíduos, que são assuntos interligados com a segurança dos trabalhadores no canteiro de obras”, recomenda Gallo, destacando a necessidade de maior incentivo do governo e de organizações para tornar as obras da construção civil nacional ambientalmente mais eficientes. “O Ministério Público embarga uma obra sempre que a fiscalização encontra qualquer não conformidade. Se tivéssemos maior número de autuações e com semelhante rigidez para a qualidade em termos da diminuição dos impactos ambientais dos canteiros de obra, poderíamos ter um horizonte diferente”, afirma.

De acordo com o engenheiro, nada mais ultrapassado do que utilizar madeira como escoras, e o desperdício na aplicação do chapisco nas paredes e nos rasgos para passagem de tubulação e fiação elétrica, dentre tantas outras práticas que ainda estão presentes no cotidiano das obras no país, muito em função do baixo custo. “As normativas de qualidade estão dando o primeiro passo para que o consumidor também exija um produto melhor e as construtoras se adequem, mas é preciso uma via de duas mãos, ambas as partes devem se interessar pelo melhor produto”, ressalta.

Colaborou para esta matéria

João Vitor Gallo – Engenheiro Ambiental, LEED AP BD+C e MBA em Sistema de Gestão Ambiental. Atualmente, gerencia a certificação de projetos sustentáveis na Petinelli INC – Green Building Solutions, onde está envolvido em mais de 80 projetos certificados ou em processo de certificação no Brasil e no exterior.