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Setor fabricante de materiais se vê a salvo da desindustrialização do país

Entrevista com Rodrigo Navarro, presidente-executivo, e Laura Marcellini, diretora-técnica da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat)

Publicado em: 14/09/2022Atualizado em: 14/10/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

foto de uma fabrica de materiais de construcao
(Foto: Jasen Wright/Shutterstock)

Em meados da década de 1980 teve início o processo de desindustrialização precoce do Brasil, com forte impacto sobre a economia e o bem-estar social. Em entrevista ao portal AECweb, Rodrigo Navarro e Laura Marcellini falam sobre a trajetória da indústria de materiais de construção no país. Apontam que o pico do crescimento ocorreu em 2012/13, quando a produção atingiu cerca de 115% da capacidade instalada. Hoje, gira em torno de 74%. Confirmando que a desindustrialização afastou o Brasil da escalada tecnológica, eles contam que há segmentos como o de automação residencial, químico e elétrico que ainda dependem de componentes importados. Confira a entrevista completa a seguir!

AECweb – A indústria de materiais de construção cresceu ou encolheu desde meados da década de 1980, quando teve início a desindustrialização do Brasil?

Rodrigo Navarro – Assim como todos os elos da cadeia da construção civil, o setor viveu altos e baixos nas últimas décadas, juntamente com o PIB brasileiro. Vale notar que a partir do segundo semestre de 2020, em plena pandemia, houve um descolamento do PIB. Condição que melhorou ainda mais em 2021, com o crescimento de 8,2% registrado pela construção civil. É preciso, também, olhar para cada um dos segmentos da indústria de materiais, constituída por 22 segmentos entre itens de base e de acabamento. Alguns sofreram mais com a falta de matéria-prima, como a resina, e com o aumento de custo de commodities, como ocorreu com o cobre e o aço. Hoje, o sentimento é de otimismo moderado, porém cauteloso, porque qualquer externalidade afeta logística e preços.

Laura Marcellini – Até anos recentes, a produção de materiais de construção ocorreu em escala maior do que se verifica hoje, com picos entre 2012 e 2013 de até 115% da capacidade instalada. Porém, houve uma queda muito forte a partir de 2015, chegando ao mínimo de 60% em 2016. Mesmo na pandemia, veio a recuperação da produção que atingiu 81% em outubro de 2021 e, hoje, está com 74% – superior ao anterior à pandemia. Não dá, portanto, para dizer que o setor desindustrializou. Por outro lado, entre as cadeias produtivas há aquelas que não fornecem apenas para a construção civil, como as indústrias do plástico e do aço, que sofrem com outras flutuações de demanda.

Até anos recentes, a produção de materiais de construção ocorreu em escala maior do que se verifica hoje, com picos entre 2012 e 2013 de até 115% da capacidade instalada
Laura Marcellini

AECweb – A indústria de materiais é exportadora?

Navarro – Tradicionalmente, excetuando alguns segmentos como a cerâmico, o setor não exporta muito. Muitas empresas que fabricam aqui são multinacionais, portanto, estão presentes em vários países

Marcellini – Sob o aspecto econômico, é inviável exportar itens como tubos e conexões, por se tratar de material muito leve. Além disso, há entre os países diferenças dimensionais e de normas técnicas. Do total de faturamento das indústrias de materiais, no máximo, 10% vêm da exportação.

AECweb – Como o setor enfrenta a dependência da cadeia internacional de suprimentos?

Navarro – Depende muito do segmento específico. O de resinas teve no Brasil e em todo o mundo, durante a pandemia, problemas de suprimentos. A Abramat atuou junto ao governo que reduziu as alíquotas de importação – a do aço foi zerada, por um tempo – diante da alta dos preços dos materiais, o que talvez tenha ajudado um pouco. A subida de preços verificada naquele período está se estabilizando, até porque a demanda arrefeceu.

AECweb – Diante do impacto inicial da pandemia, você relatava que segmentos tiveram que reduzir sua produção, até mesmo fechando algumas plantas. Isso se reverteu?

Navarro – A produção do setor foi recuperada. Não chegou aos níveis de 2012, mas já registra índice superior aos registrados antes da pandemia, tanto em produção quanto em investimentos. A indústria da construção teve um crescimento muito grande, especialmente em 2021, já que em 2020 o setor fechou o ano com -0,20 em relação ao ano anterior. A previsão da Fundação Getulio Vargas (FGV) é que o setor de materiais feche este ano com crescimento de 1%, lembrando que estamos comparando com um ano extremamente bom.

AECweb – É possível medir o quanto a indústria de materiais depende da importação de componentes?

Marcellini – Alguns segmentos dependem da importação de aditivos químicos, por exemplo, ou de componentes. Outros, não utilizam insumos de fora do país. Esse fator não é o mais sensível quando pensamos no conjunto da indústria de materiais.

Temos que caminhar para a construção industrializada, para maior produtividade nas obras. E uso de produtos com menor consumo de energia e de emissão de carbono em seu processo de fabricação
Rodrigo Navarro

Navarro – Componentes importados aparecem em produtos de alta tecnologia, como os de automação de edificações – fechaduras eletrônicas e câmeras, por exemplo –, que vem muito da China. E, também, de aditivos para o segmento químico e de insumos para o elétrico. Um setor que não fabrica mais no Brasil, já há algum tempo, é o de lâmpadas. Tudo o que entra no país é importado, por um conjunto de motivos que impede a nacionalização, como custo da tecnologia, escala e demanda de mercado.

AECweb – Quais os segmentos de materiais de construção que precisam, rapidamente, se implantar e quais deveriam se expandir no país?

Navarro – Estamos trabalhando exatamente nessa linha, com foco na construção 4.0. O próximo salto vai incluir conformidade técnica e fiscal dos materiais, e, também, os novos itens que estão sendo desenvolvidos, como tintas e vidros que captam energia. Temos que caminhar para a construção industrializada, para maior produtividade nas obras. E uso de produtos com menor consumo de energia e de emissão de carbono em seu processo de fabricação. Estamos colaborando com o Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção (Sidac), plataforma que vai permitir, em breve, que o mercado consumidor escolha materiais mais sustentáveis sob esses aspectos. Esses e outros fatores devem ser acompanhados por políticas públicas, regulamentações, normas técnicas e fiscalização. Até porque, hoje, ainda são colocados no mercado produtos não aderentes às normas técnicas, colocando em risco as edificações e seus usuários.

Colaboração técnica

Laura Marcellini  – Engenheira Civil pela Escola Politécnica da USP com especialização em Administração de Empresas pela FIA-USP. Atuou por cinco anos na área de engenharia hidráulica/recursos hídricos e por mais 12 anos como executiva das áreas Comercial, Assistência Técnica, Marketing e P&D em indústrias de materiais de construção dos setores de argamassas e material hidráulico. Desde 2006 atua como Consultora técnica e há alguns anos exerce a função de Diretora Técnica da ABRAMAT – Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção, responsável pela coordenação de projetos e ações, e representação da entidade em fóruns liderados pelo Governo e pelas principais entidades da cadeia da construção que tratam de temas técnicos relacionados a Inovação, Sustentabilidade, BIM, Norma de Desempenho, Industrialização da Construção, Conformidade Técnica de materiais, componentes e sistemas construtivos, entre outros.
Rodrigo Navarro  – É presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) e tem 28 anos de experiência como executivo, consultor e acadêmico. Desenvolveu a carreira em múltiplos setores, atuando em empresas como BMW, Xerox, Nokia, Philip Morris, Telemar, Copersucar, Syngenta, Abraciclo e Fundação Getulio Vargas (FGV). Engenheiro de produção graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com master pela FDC/Insead e MBA pela Coppead, está concluindo o doutorado pela École Superieure de Commerce de Rennes, na França. É autor de artigos publicados Brasil e no exterior, além de livros sobre estratégia e relações governamentais, e professor em vários MBAs da FGV desde 2000, sendo idealizador e coordenador do primeiro MBA em Relações Governamentais do Brasil nas unidades da FGV em Brasília e no Rio de Janeiro.