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Revisão do PDE de São Paulo segue para finalização em meio a críticas

A revisão do Plano Diretor Estratégico, que deveria ter se iniciado em 2019, foi fortemente impactada pela pandemia e por um problema jurídico. Agora, na reta final, enfrenta polêmicas e baixa participação popular. Fique por dentro!

Publicado em: 10/04/2023Atualizado em: 11/04/2023

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
(Foto: Fuyu liu/Shutterstock)

Prevista para ter início em 2019, a revisão intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo de 2014 entra somente agora em sua etapa final. O atraso decorre da pandemia, que também adiou para 2021 a eleição do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (CMPU) – parte importante dos debates. O organismo tem 60 integrantes, sendo 34 representantes da sociedade civil, como movimento por moradias, entidades profissionais, empresariais e acadêmicas, e 26 do poder público. As reuniões desde então são feitas online.

“A primeira discussão que fizemos foi quanto à necessidade ou não de proceder a revisão do PDE diante dos anos de congelamento de iniciativas impostas pela pandemia. O poder executivo entendeu que, se está na lei, devemos cumpri-la e fazer a revisão”, explica a arquiteta e doutora Viviane Rubio, representante no CMPU da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde é coordenadora adjunta de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Aspecto fortemente questionado pelo conselho foi quanto ao processo de participação da sociedade nos debates, através das Consultas Públicas, previstas desde 2001 no Estatuto das Cidades – lei federal que estabelece diretrizes para a política urbana. “Essa participação não passa apenas pelas audiências públicas, afinal, a cidade de São Paulo é uma metrópole com cerca de 13 milhões de habitante. E o acesso às consultas públicas é restrito.”

A arquiteta relata que a prefeitura realizou consultas públicas virtuais e algumas audiências presenciais, o que dividiu os conselheiros. Os críticos a esse recurso entendem que parte da população não tem acesso às ferramentas digitais, comprometendo o processo participativo amplo e pleno. Diante disso, pediram a prorrogação do prazo da revisão do PDE.

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“A sociedade civil tem um alto grau de organização, mas é preciso tempo para convocação e as próprias audiências. Não adianta convocar 32 sessões, de acordo com o número de subprefeituras, pois é grande o grupo de pessoas que não pode ir ou mora distante das sedes desses órgãos, tendo que arcar com o valor do transporte e não tem recursos para tanto”, explica.

Dados inexistentes

Uma razão a mais para o atraso da revisão foi um problema jurídico. O PDE exige que a prefeitura faça, ao longo dos anos, o monitoramento da implementação das ações estabelecidas por ele. Para esse trabalho, o executivo municipal contratou a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), por R$ 3,5 milhões.

Em agosto de 2021, ao apreciar ação popular que indicava irregularidade e ausência de licitação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a suspensão do contrato de prestação do serviço. A partir daí, foi retomado o padrão utilizado em revisões de PDEs anteriores, e o diagnóstico passou a ser feito por profissionais da gestão municipal.

De acordo com a arquiteta, o diagnóstico apresentado pela prefeitura ao CMPU tomou por base o monitoramento das ações. “É um documento com mais de 500 páginas, com muitos gráficos e linguagem técnica, que exigiria dedicação e tempo para estudá-lo”, comenta. O executivo municipal realizou algumas oficinas para debater o diagnóstico e os temas da revisão, mas os dados ainda eram ora escassos, ora conflitantes.

Por outro lado, representantes dos conselhos participativos municipais relataram a baixa adesão da população a esses encontros. A arquiteta cita a reunião realizada no Mackenzie, em que compareceram cerca de 50 pessoas, sendo que 15% representavam a prefeitura.

“A universidade está na área da subprefeitura da Sé, onde vivem mais de 70 mil pessoas. Portanto, o que estamos discutindo é o alcance dessas oficinas, que têm o objetivo de levantar as demandas da população”, aponta. Para ela, a metodologia está correta, mas a representatividade é extremamente baixa.

Temas polêmicos

O Projeto de Intervenção Urbana (PIU) presente no PDE em vigor e que tem vínculo direto com as Operações Urbanas é um dos temas de interesse da cidade, porém pouco esclarecido na proposta de revisão da prefeitura. “No desenho que está no PDE, o PIU já traz uma flexibilização, inclusive se sobrepondo aos parâmetros das Operações Urbanas. A revisão que deveria ser feita era tornar o PIU um instrumento de projeto com ações localizadas, como o melhoramento da Praça do Patriarca, centro da capital”, explica.

No entanto, o executivo só mudou o nome – Plano de Intervenção Urbana – e impôs flexibilização ainda maior. A arquiteta cita o PIU da região central, com área de intervenção de 3300 quadras e população equivalente à da cidade de Santos, onde há moradias precárias e edificações antigas. A decisão de flexibilizar contraria os princípios do PDE de oferecer, de forma equilibrada, as benesses da cidade à toda a população. “Mas, o beneficiado será o mercado imobiliário”, opina.

Essa discussão remete para a realidade de vários bairros da cidade que hoje assistem à demolição de grande número de casas, para dar lugar a novos empreendimentos. Rubio comenta que, além da memória que se perde, crescerá a impermeabilização do solo e, consequentemente, ampliará os alagamentos com as enchentes.

Ela segue lembrando que o PDE reduziu o número de vagas de garagem em prédios ao longo dos eixos de transporte e no entorno das estações de metrô. Uma forma de induzir o uso do transporte público pelos moradores. “Agora, o executivo quer dar um passo atrás”, diz, destacando que vaga de garagem é chamariz, valor agregado que facilita a comercialização dos imóveis.

Outra preocupação é quanto à capacidade de suporte que a cidade oferece em redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário e de águas pluviais para esse grande volume de novos empreendimentos. “Esse favorecimento do mercado imobiliário vai de encontro com a necessidade de um número maior de unidades para a população de baixa renda e de habitações de interesse social, como gostaríamos”, declara.

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Colaboração técnica

Viviane Manzione Rubio  – É Arquiteta e Urbanista graduada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1986). Doutora e mestre pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) (2011/2017) com período de estudos em Lisboa (2016). Coordenadora Adjunta (2019) e professora do curso de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UPM (2013), onde lidera grupo de pesquisa em urbanismo. Contribui para o Grupo de Estudos Sócio Territoriais e Urbanos e de Acção Local (GESTUAL) do Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa (CIAUD/FAUL). É conselheira titular do Conselho Municipal de Política Urbana e da Comissão de Proteção da Paisagem Urbana de São Paulo (2021-2023).