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Estruturas de madeira evoluem e já chegam à terceira geração

O sistema lamelar, resistente e belo com seus alvéolos, é o ‘avô’ do gridshell, ainda em desenvolvimento no Brasil. As estruturas laminadas dominam o mercado, concorrendo com as de aço e de concreto

Publicado em: 23/10/2018Atualizado em: 24/10/2018

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

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Tecnologia de estruturas em madeira continuam em constante evolução (foto: Nelson Kon)

As estruturas de madeira estão em constante evolução. No último século, a tecnologia lamelar, desenvolvida entre as duas grandes guerras mundiais, foi usada muito além da construção civil, como na fabricação dos bombardeiros ingleses. “Mesmo quando atingidos, esses aviões não desmontavam, porque sua fuselagem era capaz de redistribuir os esforços”, afirma o engenheiro Edmundo Callia Júnior, proprietário da Callia Estruturas de Madeira.

A estrutura lamelar é construída por tábuas que compõem alvéolos de madeira, semelhantes às colmeias de abelhas. “Trata-se de uma solução leve, bonita, que trabalha muito bem a compressão e tem bastante flexibilidade”, explica Callia.

A mesma capacidade de redistribuir os esforços impede que ela se desmanche ao sofrer impacto, ao contrário do concreto que, quando atingido, pode rachar ou desmoronar. Geralmente em formato de arcos, a lamelar é usada em coberturas e está presente em diversas obras no país construídas no passado, como estações ferroviárias. Hoje, é pouco empregada, tendo cedido espaço às estruturas laminadas de madeira.

ESTRUTURA LAMINADA

O período entre guerras também marca o desenvolvimento do sistema laminado. Com pouca matéria-prima disponível e, sobretudo, partida pelos constantes bombardeios, os alemães passaram a colar pedaços de madeira. “Nesse processo, descobriram que era possível conseguir vigas excelentes e moldáveis. Assim, começaram a criar arcos, parábolas ou vigas retas com as madeiras coladas. A tecnologia se desenvolveu e ganhou o mundo”, conta o engenheiro.

A solução laminada é constituída por lâminas de madeira “deitadas” e coladas entre si, e identificada como MLC. “Está evoluindo e se transformando em uma estrutura fabulosa, com diversos formatos e capaz de vencer grandes vãos, de até 100 m, o que era considerado impossível no passado”, detalha Callia. Essas propriedades fizeram da laminada uma opção para a construção de extensas passarelas e pontes, como a da usina de lixo de Viena: um arco invertido com 120 m de comprimento.

O grisdhell é, talvez, a estrutura mais orgânica que pode ser concebida, permitindo todas as formas e curvas
Edmundo Callia Júnior

Com características de elemento pré-moldado, sua montagem é limpa, pois as vigas chegam prontas no canteiro. “Usinamos todo o nosso material em uma máquina de comando numérico muito precisa. A montagem é a etapa mais tranquila e rápida. Cuidamos da logística e fornecemos todo o equipamento necessário à montagem. Nossas equipes montam cerca de 200 m² por semana”, relata Hélio Olga, sócio-diretor da Ita Construções, empresa especializada na área.

GRIDSHELL

A mais nova geração de estrutura de madeira, o gridshell, já está em uso em vários países e guarda o DNA do lamelar. “O grisdhell é, talvez, a estrutura mais orgânica que pode ser concebida, permitindo todas as formas e curvas. Possui alvéolos que deslizam entre si, responsáveis pelo formato orgânico”, diz Edmundo Callia que, neste momento, pesquisa e desenvolve protótipos do sistema. A solução trabalha sempre em arco, vencendo até 40 m de vão. É possível, por exemplo, cobrir a largura de uma rua.

O segredo está na furação prévia das lâminas, ainda na fábrica. Ao invés de redondos, são furos oblongos (um rasgo na madeira) que permitem ao parafuso deslizar para que a estrutura atinja a forma desejada – etapa executada no canteiro. “O principal desafio é a precisão do dimensionamento dos furos, de maneira que o parafuso não corra além ou aquém do necessário, desequilibrando a montagem”, explica Callia. O resultado é uma teia, similar a tramas de tecido.

Para entender melhor esse tipo de estrutura, o profissional foi estudar corte e costura, pois a estrutura funciona como um tecido que recebe os recortes das cavas. “Ficou mais fácil compreender as aberturas e conexões. É como a cava de uma camisa de onde sai a manga: ali está o ponto de onde sai outro gridshell, em que ambos se conectam perfeitamente”, conta. A forma projetada é atingida no momento em que a estrutura é elevada. “Quando ela sobe, ainda está toda solta, para que seja possível certificar que realmente o desenho pretendido foi alcançado. Após a aprovação dos responsáveis, é realizada a fixação da estrutura nas bases”, expõe o proprietário da Callia.

Existem várias maneiras de fixar a estrutura no piso. Se sua base for contínua, a fixação é feita através de canaleta de concreto, ou chumbando a ferragem no chão. Nesse segundo caso, é colocada uma saia de madeira na base, que será responsável pela amarração da trama. “Com a barra pronta, ela é fixada nas ferragens de chumbamento no chão. É comum preparar uma parede com altura de 0,5 m, para que a madeira não fique em contato direto com o solo”, detalha Callia.

Enquanto o gridshell trabalha com a flexibilidade da madeira, a estrutura laminada também pode ser projetada com efeito de teia, porém utilizando peças rígidas, o que a torna mais pesada do que o gridshell. O novo sistema dá ao arquiteto a possibilidade, por exemplo, de criar uma cobertura em formato de cúpula ou de lona de circo. “É uma alternativa econômica, pois usa madeira de dimensões bem pequenas, gerando coberturas leves”, diz. Até por isso não é recomendado revestir a solução com telhas de barro ou semelhantes, pois assim seria necessário aumentar a espessura da madeira, eliminando o fator flexibilidade.

O gridshell ainda está entrando no Brasil. A expectativa de Callia é que o novo sistema revolucione, mais uma vez, o setor de estruturas de madeira no país. Ele acredita que, nos próximos anos, seu uso deve se impor, principalmente, em estruturas de piscinas e coberturas de quadras. “Antigamente, havia o conceito do quanto a obra custa. Hoje, essa ideia mudou para o quanto pesa, porque, quanto mais leve for, menor o custo com fundação e materiais. O gridshell traz isso, com um consumo mínimo de madeira”, completa.

Lamelar, laminada ou gridshell, todas as estruturas de madeira podem receber os mesmos materiais de fechamento, como vidro e policarbonato. Como o gridshell é mais flexível, depois que se travou a forma da estrutura, é aplicada uma caixilharia. Outra opção é o gridshell com forro de madeira, de maneira que destaque a malha da estrutura por baixo.

Se o projeto de arquitetura prevê que o material ficará numa posição de extrema exposição, então não se deve usar madeira, mas outros sistemas estruturais, porque vai pedir manutenção
Hélio Olga de Souza Júnior

PROTEÇÃO E MANUTENÇÃO

Existem edificações de 400 anos de madeira e ainda íntegras, porém protegidas do sol e da chuva. Segundo Hélio Olga, um beiral de 1,50 m, por exemplo, já é ‘meio caminho andado’ para a proteção de uma estrutura abaixo dele, que deve ainda estar isolada da fundação para evitar a umidade ascendente. Edmundo Callia concorda, alertando que, se exposta integralmente, a madeira sofre por se tratar de elemento vivo. “Em uma passarela externa que vai tomar chuva e sol, são usados produtos como os hidrorrepelentes, que a protegem. A manutenção é essencial”, diz.

Daí a necessidade de cuidados com o detalhamento do projeto, de maneira a minimizar a manutenção. “Eu não tenho garantia alguma de que o proprietário da obra fará a manutenção adequada, mas nossas estruturas são pensadas para durarem muito mais do que uma garantia formal de 20 anos. Elas podem chegar a 50 a 100 anos, mesmo sem uma manutenção adequada”, diz Olga.

O conceito fica claro no case da obra do Colégio Vera Cruz, em São Paulo, projeto de arquitetura da Base Urbana, Pessoa Arquitetos e Kipnis Arquitetos Associados, executado pela Ita. Com exceção do brise em madeira nativa que obviamente fica exposto ao tempo, o prédio tem duas paredes de alvenaria armada que o isolam e “recheio” em madeira que, mesmo sem qualquer manutenção, terá durabilidade infinita.

“Se o projeto de arquitetura prevê que o material ficará numa posição de extrema exposição, então não se deve usar madeira, mas outros sistemas estruturais, porque vai pedir manutenção”, diz Olga. Mas, quando se trata de uma exigência do cliente, a solução é preservar a madeira da estrutura utilizando sobre ela uma madeira ‘de sacrifício’.

CUSTO E MERCADO

Dependendo do projeto, estruturas de madeira são mais caras ou não quando comparadas às de aço e concreto. “Uma viga curva em madeira é mais barata do que em aço e em concreto. Já uma viga reta de aço extrudado, por ser feita em grande escala, terá preço menor. Porém, a madeira torna-se mais vantajosa se for exigido aço especial, com secção elevada e que precisa ser soldado. Por ser um material mais leve, também tem menor custo de frete”, expõe Olga.

Hoje, o principal concorrente da estrutura de madeira é a metálica. O engenheiro prevê que quando a madeira para construção civil ganhar produção em grande escala, o preço se tornará competitivo para qualquer situação. “Isto ocorrerá num prazo de 10 a 20 anos”, diz Olga, acrescentando que a madeira está conquistando espaço em diversos segmentos de obras, sobretudo pelas vantagens ambientais.

SUSTENTABILIDADE

A madeira é material renovável e infinito. “Depende apenas da energia solar e, enquanto houver árvore, haverá madeira. Além disso, seu efeito colateral é positivo ao retirar CO2 da atmosfera”, lembra Olga. Para ele, é impossível construir sem aço e concreto, porém, seu impacto ambiental é anulado quando se utiliza madeira nas demais áreas do edifício. Isto resultará num prédio zero carbono, o que será uma exigência mundial em médio prazo.

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Colaboração técnica

Edmundo-Callia-Jr
Edmundo Callia Júnior – Engenheiro Civil formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1977). É proprietário da Callia Estruturas de Madeira.
Helio-Olga
Hélio Olga de Souza Júnior – Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1978). É sócio-proprietário da Ita Construtora Ltda., especializada em projeto, fabricação e montagem de estruturas em madeira.