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Energia fotovoltaica, da promessa à realidade

Ricardo Ruther, Doutor e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, comenta sobre a disseminação da energia solar no país.

Publicado em: 06/07/2010Atualizado em: 17/10/2022

Texto: Redação AECweb

Entrevista: Ricardo Ruther

Energia fotovoltaica, da promessa à realidade

Redação AECweb

Ainda incipiente no Brasil, instalada pontualmente em regiões isoladas como aldeias indígenas pelo programa Luz Para Todos do Governo Federal, a energia solar poderá se disseminar rapidamente nos próximos anos por aqui. É o que sugere o professor Ricardo Ruther, da Universidade Federal de Santa Catarina, doutor no assunto, em entrevista ao AECweb. Ele aborda as tecnologias disponíveis no mercado mundial e sua relação com a construção civil, as melhores opções de instalação em busca da maior eficiência, e revela os projetos de uso da fotovoltaica nas arenas da Copa 2014 e aeroportos. São obras desse porte que a alemã Schott Brasil quer atender, depois de anos respondendo a demandas pontuais, conforme explica Elvis Rocha, Product Manager da empresa.

AECweb - A produção de energia fotovoltaica tem atraído investimentos?

Ruther - Nos últimos anos, as empresas têm se preocupado muito mais em reduzir os custos para tornar a energia fotovoltaica competitiva e ganhar mercado, ao invés de fazer grandes avanços tecnológicos que proporcionem aumento de eficiência. Isso porque investir em tecnologia tem um custo bastante elevado. Com isso, nós podemos separar os gastos na área em duas vertentes: a que visa redução de custos para os produtos já existentes e a que busca o aumento de eficiência, como no caso das células fotovoltaicas usadas em satélites pela Boeing, que apresentam o dobro da eficiência, mas custam muito mais caro.

AECweb - Essa tecnologia ainda é muito cara para ser usada na construção civil?

Ruther - Para os padrões brasileiros, sim. Mas, aos poucos, ela está chegando perto de um valor competitivo. Antes, a energia solar custava cinco, dez vezes mais que a energia convencional. Hoje, ela custa menos que o dobro, com fortes tendências de queda, enquanto a energia convencional tem fortes tendências de aumento. O fato de muitos engenheiros e arquitetos ainda desconhecerem o grande potencial da energia fotovoltaica também dificulta a implantação da tecnologia na construção.

AECweb - Qual o maior entrave da energia fotovoltaica no Brasil?

Ruther - A falta de legislação que possibilite à pessoa física vender ou creditar energia na rede elétrica. Para as indústrias, essa legislação já existe há muito tempo e permite não só a venda, com também garante um mercado livre, onde os preços dos produtos são combinados entre as partes. O que nós queremos é que a pessoa física possa fazer um contrato de venda, tão simples como aquele feito durante a ligação de energia convencional em sua casa. Durante o ano de 2009, formou-se no Mistério de Minas e Energia um grupo de estudo sobre a geração distribuída com sistemas fotovoltaicos. O trabalho resultante desse estudo está pronto, foi concluído no final do ano passado e está sendo programado um evento para divulgá-lo.


AECweb - Existe a possibilidade de instalação de uma planta fotovoltaica aqui?
Ruther - Uma casa normal precisa de, aproximadamente, dois a três kW de energia para se manter. Hoje, o Brasil consome o equivalente a mil casas por ano em energia fotovoltaica. Para se instalar uma planta aqui seria necessário, pelo menos, dez vezes esse número, ou seja, a demanda teria que ser muito maior.


AECweb - E o projeto piloto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul?

Ruther - O projeto consistia em uma linha de produção em escala piloto para a fabricação de células encapsuladas a partir das lâminas importadas, resultando no que nós chamamos de módulos. A meta, que era produzir 200 módulos, foi atingida com êxito. O próximo passo agora é levar o projeto para escala industrial, mas, para isso, é preciso criar demanda maior e atrair investidores.


AECweb - Qual a melhor solução para a instalação dos painéis fotovoltaicos?

Ruther - Pela baixa latitude do Brasil, que faz com que o sol esteja sempre alto no céu, a melhor inclinação é sempre aquela que coincide com a latitude do local. No Rio de Janeiro, por exemplo, a inclinação ideal seria de 22º. Se um prédio dessa cidade opta por colocar as placas fotovoltaicas em fachada vertical, a captação de luz solar cai para apenas 60%, ou seja, há perdas associadas à mudança de inclinação. Isso não quer dizer, porém, que esse seja um fator decisivo na escolha, tudo vai depender do custo do gerador fotovoltaico. Utilizado como fachada vertical, o painel é encaixilhado e substitui a fachada cortina de vidro laminado. Dessa forma, ele se transforma em um material de construção.

Confira também: 

Painel de Energia Solar

Led

Conectores elétricos

Fios e cabos de cobre encapados

AECweb - Quanto custa um painel fotovoltaico para construção civil?

Ruther - O preço varia muito – depende da tecnologia utilizada e dos espaçamentos entre as células -, mas a média fica em torno de R$ 200 e R$ 300 reais o metro quadrado.

Energia fotovoltaica, da promessa à realidade

AECweb - Quais as tecnologias existentes nessa área?

Ruther - A primeira e mais tradicional forma de gerar energia é através das células azuis, que utiliza as lâminas de silício. A grande característica dessa tecnologia é sua alta eficiência. A questão de redução de custo fez aparecer os filmes finos. Essa tecnologia utiliza cerca de 100 vezes menos material, no entanto, a eficiência cai pela metade. Essas diferenças geram uma discussão fundamental: o que é mais importante, o custo por metro quadrado ou o custo por potência? Os arquitetos costumam levar em consideração o custo por metro quadrado, já no setor de energia se pensa em custo por watt, por potência. Com a tecnologia mais barata, consegue-se cobrir uma área maior com menor investimento. Quem quer privilegiar a potência, deve optar pelos painéis tradicionais de silício cristalino, que dominam o mercado em mais de 80%. Ainda existe uma terceira tecnologia, a dos orgânicos. Embora promissora por ser barata, essa tecnologia precisa evoluir muito. Hoje, ela apresenta dois problemas relevantes: eficiência muito baixa (cerca de dez vezes menos potencia que a gerada pelo silício cristalino) e degradação rápida - esses painéis não duram nem cinco anos.

AECweb - Quais são as obras ‘vitrines’ que estão sendo planejadas no Brasil?

Ruther - Os estádios da Copa do Mundo e os aeroportos são as principais. Para os estádios, a iniciativa partiu da própria Fifa: visando à certificação LEED, a entidade fez recomendações para que sejam construídos de forma sustentável. O problema é que de todos os critérios do LEED, a energia fotovoltaica é o ponto mais caro. E pior, existem alternativas mais baratas. Mesmo assim, nós fizemos um estudo inicial para todas as arenas que serão usadas no mundial. Para o Pituaçu, na Bahia, e o Mineirão, em Belo Horizonte, fomos um pouquinho além e apresentamos um projeto básico, bem mais detalhado, o que nos leva a crer que serão esses dois estádios que contarão com os painéis solares.

AECweb – E qual é a perspectiva para os aeroportos?

Ruther - Já nos aeroportos, a UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com o CNPq e a Infraero, desenvolveu um projeto de pesquisa para avaliar a eficiência energética e as áreas disponíveis nos dois aeroportos do Rio, nos dois de São Paulo, Brasília e Florianópolis. O potencial energético desses aeroportos é cerca de dez vezes maior que o dos estádios, chegando a 275 MW. Com o estudo em mãos, falta agora atrair os investidores. A idéia é que a Infraero licite os espaços para instalação dos painéis fotovoltaicos. A empresa que ganhar a licitação ganha também a possibilidade de explorar o gerador fotovoltaico da maneira que achar mais conveniente.

AECweb – As usinas solares são uma solução?

Ruther - Sim, o Brasil, por ser um país muito grande, apresenta localidades isoladas dos centros urbanos. Isso torna a opção das fazendas solares bastante interessante, pois, o maior atributo dessa tecnologia é poder gerar energia junto ao ponto de consumo, do lado da tomada onde ela vai ser usada. Agora, se a proposta é construir usinas solares para deslocar a energia para outras localidades, a fotovoltaica se torna uma opção cara, uma vez que o custo de geração do barramento dessa usina é muito maior que o das fontes convencionais. Nossa expectativa é que, em três anos, já exista um número significativo de casas conectadas a rede usando a energia fotovoltaica. Com isso, não haverá a necessidade da construção de usinas ou fazendas solares. O que buscamos fazer é acelerar esse processo, para que o Brasil atinja os mesmos patamares internacionais.

INVESTIMENTO DO SETOR NO BRASIL 



A trajetória da Schott, indústria alemã de painéis solares, no mercado brasileiro se restringiu no passado recente ao atendimento de programas do governo federal, como o ‘Luz para Todos’. Entre os beneficiários estão aldeias indígenas e outras populações que vivem isoladas no interior do país. Depois de 2005, com a crise no fornecimento de silício - insumo essencial na fabricação de seus produtos - a Schott recuou, priorizando os mercados que apresentavam maior demanda. Hoje, reconhecendo o potencial do setor, a empresa volta a investir no Brasil.


Segundo Elvis Rocha, Product Manager da Schott Brasil, o país já tem uma matriz energética muito limpa, mas é completamente dependente da sazonalidade das hidrelétricas. “Nós não podemos depender só das hidrelétricas e termoelétricas. Temos que ter alternativas, e uma das opções é a energia solar, não apenas a fotovoltaica, mais também a termosolar concentrada, que já é usada lá fora há pelo menos 20 anos”, explica. As recomendações da Fifa para que os estádios da Copa 2014 sejam sustentáveis é mais uma possibilidade de tornar aos paiéis fotovoltaicos conhecidos, criando demanda para essa tecnologia e facilitando a busca por investimentos na área.


“De toda energia fotovoltaica gerada no Brasil, apenas 235 kW está ligado a rede elétrica. Esse é um número muito baixo. A Alemanha, por exemplo, instalou quase 4 GW (quatro milhões de kilowatts) só o ano passado. Na Europa, 98% das pessoas que utilizam a energia solar estão conectadas a rede”, comenta Rocha, que ressalta a necessidade de se expandir o mercado para além das regiões longínquas, onde não há redes de transmissão e a energia solar acaba sendo a única opção.


“Para mudar essa realidade e popularizar a energia fotovoltaica é necessário que haja investimentos em tecnologia, a fim de tornar competitivo o custo dos painéis, e incentivo do governo, através de legislação que permita à pessoa física armazenar e vender energia solar para a rede elétrica”, conclui o Product Manager da Schott Brasil.


Redação AECweb

COLABORARAM PARA ESTA MATÉRIA

Energia fotovoltaica, da promessa à realidade Ricardo Ruther é graduado em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela UFRGS, doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha. Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador da CE 82-1 da ABNT (Comissão de Estudos Sistemas de Conversão Fotovoltaica de Energia Solar), diretor técnico do Instituto para o Desenvolvimento das Energias Alternativas na América Latina (IDEAL). Foi fundador e primeiro presidente da ISES do Brasil (Seção Brasileira da International Solar Energy Society), especialista - Elsevier Editorial Services, especialista - International Solar Energy Society e especialista - Australian Solar Energy Society. Tem experiência na área de Engenharia de Materiais e Metalúrgica, com ênfase em Materiais Semi Condutores, atuando principalmente nos seguintes em energia solar fotovoltaica, célula solar fotovoltaica, geração descentralizada, geração solar e painéis fotovoltaicos.


Energia fotovoltaica, da promessa à realidade Elvis Rocha - Técnico em mecânica, atua na área comercial de indústrias há 15 anos. Na Schott Brasil, há quatro anos, com treinamentos específicos realizados em unidades do grupo na Alemanha e Estados Unidos. É responsável pela venda de produtos de diversas divisões da empresa, como Schott Solar, fibra óptica, tubos e vidros industriais, borosilicato, vidros ópticos, filtros especiais, embalagens eletrônicas (GTMS), termo-fusíveis, vidraria laboratorial.