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Diques: projeto e construção exigem diversos estudos

De fácil execução, essas estruturas em aço ou em rocha e terra ganham complexidade com a mandatória inserção de sistema de bombeamento da água. Saiba mais!

Publicado em: 15/07/2024

Texto: Hosana Pedroso

(Foto: frimufilms/Adobe Stock)

(Foto: frimufilms/Adobe Stock)

A engenharia adota medidas estruturais para a proteção de áreas e populações contra enchentes, envolvendo grandes obras. São os diques e barragens. “Há uma outra denominação muito utilizada na Europa e aqui também, que é polder. Ela identifica a área de proteção resultante das obras de intervenção”, afirma Alexandre Augusto Barbosa, doutor em Engenharia Ambiental e professor da Universidade Federal de Itajubá (MG) – Unifei.

Ele lembra que as novas diretrizes ambientais defendem as medidas não estruturais, que dispensam a execução de obras de porte, orientando para a convivência do homem com o ambiente.

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“Monitoramento do comportamento climático e planos diretores das cidades adequados, já previstos na legislação brasileira, são a chave para evitar catástrofes. Envolve, basicamente, planejamento”, ensina. De acordo com Barbosa, os municípios falham ao negligenciar ou adiar essas medidas, correndo atrás apenas depois da tragédia, como ocorreu em Porto Alegre em maio de 2024.

O que são os diques?

O dique é uma estrutura usada na contenção da rios, lagos e outros corpos d'água. Pode ser tanto um muro quanto uma elevação do terreno, longitudinal ao rio, impedindo a chegada das águas às áreas ocupadas. É o caso dos diques de Porto Alegre, entre a cidade e o rio Guaíba. São diferentes das barragens — estruturas transversais ao curso dos rios, para interceptar as águas, propiciando controle sobre o volume que desce.

O barramento tem funções variadas, como regularização, geração de energia elétrica e uso recreativo. Há, ainda, os barramentos secos que retêm a água apenas nos momentos em que chove. Reservatórios ou açudes, nomenclatura mais comum no nordeste do país, são tipos de barragens.

Dique construído entre as margens de um rio(Foto: Оксана Олейник/Adobe Stock)

A legislação brasileira de recursos hídricos surgiu na década de 1930 e ainda está em vigor. Mais tarde, em 1997, surgiu no país o Código das Águas, inspirado no modelo de gerenciamento francês que conceitua os usos consultivos.

“Significa que o recurso hídrico serve para o ser humano, os animais, recreação e lazer, geração de energia (barragens e lagos), irrigação de lavouras – área que mais consome água no Brasil. O primordial, porém, é a manutenção do ecossistema nas imediações dos cursos d’água, ou do barramento ou do reservatório”, explica.

Exemplos de construção

Barbosa relata o projeto do qual participou, desenvolvido pela Unifei em 2010, de cinco diques para o município mineiro de Pouso Alegre. Envolvia monitoramento, plano diretor da cidade e as obras estruturais necessárias.

“Diferentemente do que foi construído na década de 1970 em Porto Alegre, que são muros de aço, alguns dos diques que projetamos serviriam como vias de tráfego. O objetivo foi melhorar a mobilidade urbana e, ao mesmo tempo, proteger as populações. Como foram executados apenas três diques, é certo que diante de uma chuva torrencial, cerca de 30 mil pessoas de determinados bairros terão que sair de casa. Ou seja, foi projetado um conjunto de intervenções integradas prevendo 100% de execução, de nada adianta fazer 98%”, diz.

O projeto de diques envolve estudos hidráulicos e hidrológicos de toda a bacia que cerca a área suscetível de inundação. Trabalha, também, com o chamado Tempo de Retorno (TR), previsão apurada em estudos estatísticos, com base nos registros passados de cheias dos rios.

“A modelagem do Muro da Mauá da capital gaúcha previa que uma nova enchente como a de 1941 só ocorreria dentro de um período de 1500 anos. Na época, década de 1970, havia poucos dados para determinar o TR, pois as medições só se iniciaram em 1931 e apuradas por raras estações”, diz, assegurando que o estudo de Tempo de Retorno é uma previsão probabilística que funciona muito bem, se baseada em grande número de dados e manutenções adequadas dos diques.

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A construção desse elemento estrutural, em geral, não passa de cinco ou seis metros de altura. Pode empregar sistemas construtivos, como um muro de aço – mais caro – ou executado com rocha e terra, à semelhança da construção de uma rodovia. O professor considera que o ideal é que a estrutura do dique tenha a função complementar de via de tráfego, o que só é possível com o sistema em rocha e terra. Em centros urbanos exíguos, como Porto Alegre, a solução é o muramento em aço.

“Construir o dique é fácil. A complexidade vem da instalação de um adequado sistema de bombeamento para devolver ao rio a água que eventualmente tenha extravasado para o lado que se quer proteger. A tubulação pode ser instalada por baixo, passando dentro do dique, ou mais usualmente pela parte superior, jamais comprometendo a completa segurança da área protegida”, expõe.

Recorrendo novamente ao exemplo de Porto Alegre, onde a água da inundação retornava por bueiros e vaso sanitário das casas, ele ressalta a importância de os diques contarem com válvulas de retenção nos sistemas de esgoto e de águas pluviais. “As válvulas de retenção permitem o fluxo somente em um sentido, da área protegida para o rio, de maneira que não retorne”, fala.

De qualquer forma, ele ressalta que esgoto jamais deveria ser encaminhado para cursos d’água antes do tratamento. Apesar de o Novo Marco do Saneamento, de 2020, tornar mandatória a universalização da coleta e tratamento de esgoto até 2033, praticamente metade da população brasileira não é atendida por esse serviço.

Projeto de diques

Estudar a série histórica das vazões do curso d’água, identificando as áreas que normalmente sofreram com inundações, é critério primeiro para projetar diques. “Ao longo de sua vida, o rio vai extravasar, de maneira recorrente, nas mesmas regiões e, normalmente, de várzea. O problema não é o rio, mas o fato de as cidades construírem em suas várzeas. De novo, esse é um problema que Planos Diretores adequados resolveriam, orientando o traçado urbano para áreas mais altas”, ensina Barbosa.

Estatisticamente, o estudo vai apurar o comportamento do rio, indicando os níveis de água desde os mais baixos, ano a ano. “Para cada nível, há uma vazão de água associada ao Tempo de Retorno. Assim, o estudo estatístico vai mostrar o período em que o curso d’água vai atingir uma determinada cota de inundação. Mesmo que a probabilidade de acontecer seja mínima, num período de, por exemplo, 100 anos, é certo que vai acontecer”, destaca, contando que o projeto dos cinco diques para Pouso Alegre previu um TR de 1000 anos.

Dique entre as margens de um lago(Foto: wai/Adobe Stock)

Passo seguinte do projeto é o estudo topográfico do terreno do entorno do rio, para alocação dos muros de aço ou rocha e terra. “Ao invés de diques, o Brasil sempre preferiu e sabe fazer barragens e reservatórios. Mas, agora, diante das exigências das mudanças climáticas, com chuvas intensas, está começando a projetar mais diques”, diz.

A razão é simples: enquanto o barramento promove o controle das águas acima da cidade, o dique é feito em seu território, interferindo inclusive com a necessidade de desapropriações custosas. Por outro lado, o barramento é recurso muito mais caro do que o dique, pois envolve estruturas de 30, 40 m de altura.

Não há solução melhor ou pior, elas dependem de cada lugar. O professor cita Itajubá (MG) como exemplo de cidade, ao pé da serra, em que um projeto de dique levaria à desapropriação de uma parcela considerável dos imóveis da cidade. “Já em Pouso Alegre foi possível porque mais de 90% do adensamento estava do outro lado do rio”, observa.

O projeto deve sempre ser acompanhado por mapas que mostram as áreas direta e indiretamente afetadas por eventuais inundações. “E apontamos ao poder público os locais onde não poderá, em tempo algum, autorizar construções”, frisa.

Monitoramento e manutenção

Obras estruturais como os diques não funcionam sem um monitoramento adequado. Ou seja, a medição da vazão do rio em tempo real é determinante para a tomada de decisões cruciais. “É o monitoramento quem nos diz se, diante da elevação do nível, é preciso acionar o sistema de bombeamento e se as bombas serão colocadas em potência mínima ou máxima. É uma visão sistêmica, difícil inclusive de explicar para o governante que, em geral, não tem essa cultura do conjunto”, comenta.

Dique separando um lago de uma área seca, há pessoas andando na parte mais alta da estrutura(Foto: Cavan for Adobe/Adobe Stock)

O projeto das bombas dos diques considera o nível de proteção pretendida para a região, os dados históricos de vazão, o TR e a incidência de chuvas. O professor exemplifica: “Se queremos proteger um bairro de 1000 habitantes, usaremos uma bomba pequena, mas se pode colocar uma ao lado da outra. Não são caras. Num galpão de 200 m² é possível ter um sistema de bombeamento bem potente”, expõe.

Em Nova Orleans, o dique construído rompeu durante o furacão Katrina, em 2005. “Mas é muito difícil acontecer, principalmente se houver cuidados na manutenção, por exemplo, com a corrosão do metal ou deficiências estruturais das estruturas de terra ou rocha”, enfatiza Barbosa.

Já o sistema em rocha e terra que sustenta uma rodovia de mão dupla terá cerca de 12 m de largura e mais que o dobro em sua saia, construída em forma piramidal. “Para romper, exigiria uma pressão de água extremamente alta. Ou, eventualmente, se a água do rio passar por cima do dique poder levar tudo para o chão em qualquer sistema construtivo”, prevê, acrescentando que qualquer infiltração é facilmente tratável, mediante uma boa manutenção.

Colaboração técnica

Alexandre Augusto Barbosa – Graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Itajubá (1988). Mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Itajubá (1991). Doutorado em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo (1999). Professor titular da Universidade Federal de Itajubá (MG), desde 1993. Atividades atuais principais: ensino e controle de enchentes.