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Conjunto habitacional São Sebastião é feito em wood frame

Obra da CDHU atende parte da população desabrigada com as fortes chuvas que atingiram o litoral norte de São Paulo em 2023 e mostra a pertinência da construção industrializada quando há alto grau de repetição

Publicado em: 16/05/2024

Texto: Juliana Nakamura

Prédios em construção na Baleia Verde, São Sebastião (Foto: Divulgação)

Prédios em construção na Baleia Verde, São Sebastião (Foto: Divulgação)

Eventos climáticos extremos têm sido cada vez mais frequentes em todo o mundo, exigindo do poder público soluções que garantam resiliência e respostas rápidas. Nesse contexto, a construção industrializada oferece uma alternativa quando é preciso construir rápido, com previsibilidade, atendendo as demandas da população, sem prescindir de desempenho.

O conjunto habitacional no bairro Baleia Verde, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, exemplifica isso. Em fevereiro de 2023, chuvas sem precedentes deixaram um saldo de mais de 60 mortes e, pelo menos, 1.800 desabrigados nesta região.

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A necessidade de realocar essa população em novas habitações dignas e seguras levou o Governo do Estado, por meio da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), a olhar com mais atenção para a tecnologia wood frame, já amplamente utilizada no hemisfério norte e, também, em alguns municípios brasileiros.

Produção off-site

Com 518 unidades habitacionais, o empreendimento é composto por 30 prédios de quatro andares com apartamentos de 41 a 47 m², além de 38 casas térreas, implantados em dois terrenos que somam 39 mil m².

Um grande feito dessa obra foi a velocidade de execução. Do início da montagem no canteiro à entrega das chaves, se passaram apenas seis meses.

Vista aérea do canteiro de obras do Conjunto Habitacional São Sebastião cercado por uma densa vegetação. Vários guindastes e veículos de construção estão espalhados pelo local de trabalho, onde estão sendo erguidas fundações para a estrutura de Wood Frame. Ao fundo, colinas arborizadas e o marAérea do início das obras em São Sebastião (Foto: Divulgação)

Tal prazo só se viabilizou em função do elevado grau de industrialização empregado e da sofisticação do planejamento. Nesse caso, as paredes foram produzidas no parque fabril em Araucária, no Paraná, já incorporando revestimentos, instalações prediais e janelas.

A produção das unidades começou quando ainda estavam sendo executadas supressão vegetal, terraplenagem e fundações. Essa possibilidade de explorar a simultaneidade das atividades é um dos fatores que permitem à construção off-site ter tanta agilidade, diferentemente do método convencional, no qual os serviços são obrigatoriamente sequenciais.

Em São Sebastião, quando a obra começou efetivamente, já havia 100 moradias estocadas na fábrica, prontas para transporte e montagem.

Infográfico

COMO VIABILIZAR A LOGÍSTICA EM UMA OBRA INDUSTRIALIZADA?

Em obras com alto grau de industrialização, garantir o transporte eficiente das peças pré-fabricadas até o local de implantação é um desafio. No caso do conjunto habitacional da CDHU, a distância a ser vencida entre a fábrica e o canteiro era de aproximadamente 600 quilômetros. Segundo cálculos da Tecverde, a solução wood frame se viabiliza financeiramente em obras situadas a um raio de até mil quilômetros de distância.

A logística foi favorecida pelo fato de o wood frame exigir o transporte ser painéis leves, diferente de outros sistemas construtivos off-site que precisam movimentar elementos tridimensionais. É possível carregar até três casas de padrão econômico por caminhão, incluindo paredes e toda a estrutura da cobertura.

Ainda assim, foi preciso superar dificuldades no entorno do empreendimento. Até que as obras de drenagem tivessem sido concluídas, os acessos estavam suscetíveis a interdições em caso de chuvas fortes. Além disso, era necessário compartilhar o único acesso com outros agentes públicos, que realizavam serviços de urbanização diversos, desde arruamento à implantação de redes de abastecimento de água e esgoto.

FERRAMENTAS LEAN APOIARAM O PLANEJAMENTO

As dificuldades de acesso poderiam se tornar uma ameaça para o cronograma da obra. Contudo, isso foi minimizado com a adoção de um planejamento detalhado combinado a ferramentas do lean construction.

Felipe dos Santos Basso, diretor de operações na Tecverde, conta que a construtora já vinha utilizando conceitos do pensamento enxuto para apoiar suas operações. Mas em São Sebastião foi possível avançar um pouco mais na aplicação de metodologias enxutas.

Um grande guindaste eleva a cobertura de um prédio de quatro andares no canteiro de obras do Conjunto Habitacional São Sebastião. Dois edifícios semelhantes se completam ao fundo, com uma paisagem montanhosa além. Trabalhadores e equipamentos são visíveis no terrenoIçamento de telhado em obra da Tecverde em São Sebastião (Foto: Divulgação)

Uma das ações de mais impacto para o sucesso do planejamento foi a elaboração do Projeto do Sistema de Produção, conhecido também pela sigla PSP. Trata-se de um estudo para antecipar problemas relacionados às interfaces nos canteiros, estocagem, dimensionamento de equipes e sequenciamento de cada etapa da produção. Com esse trabalho, para cada restrição possível, são estabelecidos planos de contingência com semanas de antecedência. Assim, quando surge algum desvio, todos já sabem exatamente o que fazer para mitigá-lo ou minimizá-lo.

Em São Sebastião, a Tecverde também implantou o Last Planner System, um sistema de planejamento operacional com foco em médio e curto prazo. Essa ferramenta se destaca por envolver subcontratados e executores das tarefas (os últimos planejadores) no planejamento e avaliação de resultados. Além de aumentar o engajamento, o Last Planner permite à construtora se antecipar a eventuais desvios ao aproveitar a experiência de pessoas, que já sabem tudo o que pode dar errado.

RITMO INTENSO E CONTÍNUO

Embora o wood frame imponha um alto grau de industrialização, era necessário aumentar a produtividade das demais atividades no canteiro. Para isso, a equipe da Tecverde desenvolveu algumas inovações, como a montagem do telhado em um gabarito no chão para posterior içamento por guindaste. Essa solução evita movimentações desnecessárias no canteiro, aumenta a produtividade e reduz riscos à segurança no trabalho.

Felipe Basso conta que, no empreendimento no Baleia Verde, a cada dez dias eram montadas duas torres por equipe. Nessa obra, foram utilizadas duas equipes atuando simultaneamente. Isso significa que a cada duas semanas havia 64 apartamentos liberados para receber acabamento (revestimento cerâmico, pintura e instalação de portas e de louças e metais sanitários).

Vista aérea do canteiro de obras do Conjunto Habitacional São Sebastião com dois prédios brancos de vários andares e cobertura plana. Os edifícios apresentam estrutura em wood frame. Equipamento de construção é visível no espaçoVista aéra dos prédios da Tecverde em São Sebastião (Foto: Divulgação)

Toda a etapa de montagem das casas e prédios foi feita por mão de obra própria previamente treinada. Serviços como instalações elétricas e hidráulicas, revestimentos e forro foram feitos por empreiteiras homologadas pela Tecverde. Poucas atividades, em torno de 20% a 30%, foram viabilizadas com mão de obra local.

O QUE É O SISTEMA WOOD FRAME?

Indicada para a construção de residências unifamiliares e edifícios com até cinco pavimentos, o wood frame se baseia no uso de frames de madeira extraída de florestas plantadas, submetida a tratamentos químicos e em autoclave para evitar ataques de organismos xilófagos.

A madeira não fica exposta. As paredes externas têm chapa de OSB, membrana hidrófuga, chapa cimentícia e pintura. Já as paredes internas são compostas por chapa de OSB e gesso acartonado.

Vista de três prédios de apartamentos adjacentes pintados em verde claro dentro do Conjunto Habitacional São Sebastião. Ambos os edifícios têm múltiplas janelas, algumas abertas. A calçada em primeiro plano é pavimentada, com algumas palmeiras jovens plantadas ao longo do caminho. O céu está nubladoConjunto habitacional de São Sebastião finalizado (Foto: Divulgação)

O sistema está em alinhamento com a ABNT NBR 16.936 – Edificações em light wood frame e com o Datec Nº 020-E do Sistema Nacional de Avaliações Técnicas de Produtos Inovadores e Sistemas Convencionais (Sinat).

“O desempenho dessas edificações quanto à resistência, durabilidade, conforto ambiental e comportamento ao fogo é igual ou superior ao da construção com alvenaria”, comenta Basso.

Segundo ele, o sistema vem se mostrando competitivo em duas situações em especial: para empreendimentos com muitas unidades e alto grau de repetição, e para clientes que buscam uma diferenciação, seja velocidade de execução, previsibilidade, qualidade ou sustentabilidade.

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