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Conheça detalhes da Reforma do Museu do Ipiranga

Assinado pelo escritório H+F Arquitetos, o projeto de restauração do prédio histórico buscou reconhecer as potencialidades da arquitetura original e tornar o edifício mais acolhedor e democrático

Publicado em: 18/10/2022Atualizado em: 20/10/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima

O projeto de reforma do Museu do Ipiranga é típico do tratamento exigido por edifícios históricos. “Não tem nada ali que não faça parte das discussões próprias da arquitetura contemporânea, como o desempenho climático e energético”, afirma o arquiteto Eduardo Ferroni que, em 2002, fundou com Pablo Hereñú o escritório H+F Arquitetos, que assina a restauração desse patrimônio da Universidade de São Paulo.

Segundo ele, a análise sensível e cuidadosa do edifício preexistente é prioritária para um bom projeto de intervenção. “O trabalho pede o reconhecimento histórico e, ao mesmo tempo, prospectivo, para compreender como funciona aquela arquitetura, suas qualidades e potencialidades”, ensina. A partir daí, as intervenções vão transformar o prédio que já é bom em algo mais visitável, democrático e acolhedor.

“Quando a preexistência tem muita relevância, ela requer um tipo de transformação que estabeleça um diálogo de preservação e de transmissão daquela testemunha do tempo para o futuro. Com isso, as intervenções tendem a ser mais conservativas”, pontua.

“Quando a preexistência tem muita relevância, ela requer um tipo de transformação que estabeleça um diálogo de preservação e de transmissão daquela testemunha do tempo para o futuro. Com isso, as intervenções tendem a ser mais conservativas"
Eduardo Ferroni

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Camadas do tempo

Ao lidar com edifícios históricos tombados, é preciso observar que, em arquitetura, não há regras mandatórias. É o caso, por exemplo, de usar ou não materiais contemporâneos para reconstituir elementos construtivos próprios de outro tempo histórico. Para Ferroni, essa prática não faz sentido. “Mas, isso é feito no mundo, como ocorreu há pouco, em Berlim, na reconstrução da fachada de um castelo barroco”, comenta, indicando que há, no campo da arquitetura, discussões e tratados a respeito do assunto.

Ele lembra que a arquitetura, assim como as cidades, é uma espécie de repositório de camadas de tempo. Os prédios não são estáticos, requerem reiteração, reconstituição, reconstrução e manutenção. Portanto, eles vão se transformando constantemente ao longo do tempo.

“O projeto de intervenção deveria ter como ponto de partida que essas camadas de tempo possam conviver no edifício. Sendo assim, não se elege uma temporalidade específica para reconstituir como se fosse voltar no tempo. Ao contrário, se expõe as camadas”, diz, defendendo que não é desejável a reconstrução tal qual possa ter sido num determinado momento histórico.

Camadas de tinta

No projeto de reforma do Museu do Ipiranga, o arquiteto encontrou, entre outras camadas do tempo agregadas à construção, as das tintas nas paredes. “O que fizemos foi um trabalho de prospecção, para chegar aos primeiros tratamentos aplicados”, diz.

A remoção das camadas de tinta procurou eliminar aquelas incompatíveis com a argamassa de cal original. Ao mesmo tempo, havia tantas camadas de pintura que os elementos decorativos da fachada haviam se perdido em grande parte.

“Foi preciso fazer a decapagem e aplicar uma pintura à base de silicato, que pudesse lidar melhor quimicamente com as propriedades da argamassa, dando ao prédio certa permeabilidade de tração da umidade interna. Essa sim é uma ação importante, porque vai no sentido da melhor forma de conservação que o edifício tinha”, explica.

Paralelamente, foi feita pesquisa da composição das cores e, o fato de ser feita à cal, é muito variável e heterogênea, que vai mudando em cada parede ou sob a luz do sol.

Patologias construtivas

Construído e inaugurado em 1850 para ser um marco comemorativo da Independência do Brasil, e não um museu, o prédio passou ao longo do tempo por adaptações. Como os porões das edificações do século 19 tinham apenas a função de ventilação, nos anos 1950 foi feita uma grande intervenção para ampliar o pé-direito e tornar útil essa área. A ação acabou por gerar a principal patologia construtiva, visível nas fissuras que se reproduziam, e que desde os anos de 1970 vinha sendo alvo de análises técnicas.

“Esse porão foi escavado com o corte de parte de seus alicerces, as vigas baldrames de cerca de 2 x 2 m executadas com pedras argamassadas que formavam uma espécie de radier. Nas décadas posteriores à essa intervenção, a patologia apontava para o deslizamento de uma parte das fundações”, conta Ferroni. Na reforma finalizada em 2022, uma das ações iniciais foi a reconstituição da função que se perdera da continuidade das vigas baldrame.

A reforma recente eliminou, também, outra patologia construtiva. Ao longo de sua existência, o prédio sempre apresentou problemas de estanqueidade de suas coberturas, feitas originalmente com telhas e com calhas subdimensionadas. Ainda que essa estrutura tenha sido objeto de várias reformas, alguns dos vazamentos ocorriam pelo forro feito com fibra de palmeira jussara, complementado por estuque na face inferior. “Parte dele estava caindo”, relata Ferroni, acrescentando que essa foi uma das razões que determinou o fechamento do museu em 2013.

O projeto de reforma redesenhou os telhados do prédio, grande parte em cobre, instalados na intervenção realizada na segunda metade do século 20. “Parte das telhas tinha microperfurações e foram substituídas, outra parcela foi tratada e mantida”, fala. A decisão de redesenhar as coberturas teve várias razões, com destaque para a melhoria do desempenho termoacústico dos ambientes, utilizando lã de rocha.

“Parte das telhas tinha microperfurações e foram substituídas, outra parcela foi tratada e mantida"
Eduardo Ferroni

“Ajustamos os caimentos e mudamos a geometria de todas as calhas. Optamos pelas calhas em aço inox com, no mínimo, 0,40 m de largura, para evitar problemas de drenagem no futuro. Inserimos em todo o prédio um sistema de captação antivórtice, constituído por ralo e tubo que fazem com que a água desça por toda a seção, assegurando maior eficiência no escoamento”, expõe. Já os trechos de forro danificados foram reconstituídos com tela e reinstalados.

Novos espaços

O redesenho das coberturas respondeu à necessidade de criação de novos espaços. “O prédio foi desenhado com uma lógica de fora para dentro, a partir da relação que tem com a paisagem. É constituído por três torreões unidos por duas alas, que não se ligavam no terceiro andar, mas era preciso descer para chegar de uma torre para outra”, relata.


foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima

Na cobertura redesenhada foi criada uma passagem, uma espécie de água furtada. A madeira de todo o prédio, inclusive do revestimento de piso, foi reelaborada e aproveitada na reforma. “Eram madeiras secas, de alta densidade, muito boas”, diz.

A abordagem do conforto ambiental considerou o clima quente e a umidade e, também, as exigências de conservação dos museus. “Há uma discussão quanto à pertinência de climatizar um edifício dessa dimensão, para guardar obras de arte concebidas numa condição climática similar à atual. Para um edifício construído no século 19, a climatização pode ser danosa até mesmo aos materiais construtivos, ao extrair umidade do ambiente”, comenta.


A avaliação desse fator contou com a participação da arquiteta Claudia Carvalho, especialista no assunto. Como no Museu do Ipiranga as áreas do prédio foram duplicadas, com novos ambientes expositivos e de acolhimento, os arquitetos junto com a administração decidiram dotar apenas as novas salas com climatização e controle de umidade.

“Mas o prédio não tinha boa eficiência de conforto ambiental. Trabalhamos com consultoria de desempenho climático, que modelou o edifício. Juntos optamos por uma série de dispositivos que, agora, proveem todos os ambientes de circulação cruzada de ar, permanente ou controlada, além de iluminação natural sempre que possível”, conta Ferroni.

Contato:

Eduardo Ferroni | eduardo@hf.arq.br

Colaboração técnica

Eduardo Ferroni – Arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Pau – FAU-USP (2002) e Mestre pela mesma instituição (2008). É autor do livro “Salvador Candia: Arquiteto” e professor de Projeto da Escola da Cidade desde 2005. Junto com Pablo Hereñú, é titular do escritório H+F Arquitetos.