menu-iconPortal AECweb

Como projetar bicicletários? Conheça os erros comuns e saiba evitá-los

Essas estruturas, que nem sempre estão localizadas nas garagens dos empreendimentos, precisam ser projetadas para permitir a acessibilidade dos mais diferentes tipos de ciclistas

Publicado em: 23/07/2019Atualizado em: 24/07/2019

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

projetando-portos
A melhor infraestrutura para prender as bicicletas é aquela que mantém ambas as rodas no chão (Foto: View Apart/ Shutterstock)

Na última década, houve aumento significativo na quantidade de bicicletários disponíveis nos grandes centros urbanos. Entre os fatores que explicam esse crescimento estão as políticas de incentivo aos transportes alternativos e a entrada em vigor de leis que obrigam diversos tipos de empreendimentos a oferecer vagas para bicicletas. Soma-se a isso a pressão dos próprios ciclistas, que reivindicam espaços preparados para receber seus veículos.

Mudou o entendimento do que é a bicicleta, que deixou de ser um simples brinquedo para se transformar em ferramenta útil para o cotidiano de muitos
Marcos de Souza

“Mudou o entendimento do que é a bicicleta, que deixou de ser um simples brinquedo para se transformar em ferramenta útil para o cotidiano de muitos”, afirma Marcos de Souza, diretor de conteúdo e coordenador de campanhas do portal Mobilize Brasil. Com o número crescente de pessoas aderindo às pedaladas, tanto os condomínios novos quanto aqueles mais antigos resolveram criar áreas exclusivas para abrigar adequadamente as bicicletas.

Bicicletários x garagens

As garagens são um dos locais mais disputados nos condomínios, e dedicar uma fatia de espaço para bicicletas pode ser um problema. Por isso, administradores de empreendimentos têm buscado outras opções. “No centro de São Paulo, há muitos prédios sem garagens e os bicicletários estão sendo criados no subsolo, onde antes estavam áreas de serviço”, exemplifica Souza.

De acordo com o arquiteto Ricardo Corrêa, sócio-fundador e diretor do escritório TC Urbes, é importante que o bicicletário esteja o mais próximo possível do acesso de pedestres. “Quando a garagem é no subsolo, a infraestrutura para as bicicletas deve, preferencialmente, ficar no térreo, ocupando algum local que antes era da área comum”, recomenda. Isso evita que ciclistas tenham de subir e descer rampas empurrando seu veículo.

Os ciclistas têm a lei a seu favor. O Código de Trânsito Brasileiro estabelece que a bicicleta tem que ser entendida como um veículo comum; logo, a legislação determina que todo edifício deva acolhê-las em suas garagens, assim como recebem os automóveis e motocicletas.

No entanto, essa ainda é uma questão delicada e que acaba sendo resolvida nas reuniões de condomínio. Uma das conclusões mais comuns dos condôminos é destinar algumas vagas de automóveis para bicicletas. “Porém, não é uma decisão inteligente, pois elas podem acabar arranhando o carro estacionado ao lado”, avalia Souza. O ideal é ter um bicicletário bem organizado, cômodo e confortável, baseado nas medidas de 0,5 x 1,5 m – área ideal para acomodar cada bicicleta.

Projetando bicicletários

O bicicletário pode ser simples, ou seja, somente um espaço aberto com pontos de apoio para travamento da bicicleta. “Porém, o mais indicado é que seja uma área específica, fechada com tela metálica ou alvenaria, em que cada bicicleta possa ser guardada com cadeado”, afirma Souza. Vigilância por câmeras também é interessante, afinal, atualmente existem bicicletas que custam até R$ 20 mil. Ter um equipamento gravando tudo o que acontece no local já resolve o problema da segurança, além de inibir ações de depredação ou vandalismo.

É preciso oferecer melhor acessibilidade para todos, além da facilidade no momento de fixação. A solução que permite o travamento deve ser o mais simples possível
Ricardo Corrêa

A melhor infraestrutura para prender as bicicletas é aquela que mantém ambas as rodas no chão. “É preciso oferecer melhor acessibilidade para todos, além da facilidade no momento de fixação. A solução que permite o travamento deve ser o mais simples possível”, ressalta Corrêa, lembrando que tudo deve ser especificado visando o conforto do ciclista.

Entre os equipamentos fixos para travamento das bicicletas, um dos mais conhecidos é o paraciclos com formato de ‘U’ invertido. Porém, existem outros mais modernos, como trilhos que permitem colocar uma bicicleta sobre a outra, acomodando um número maior na mesma área. Ou então, dispositivos em que a pessoa usa seu cartão de identificação e automaticamente a bicicleta é guardada em garagem fechada. “Entretanto, isso ainda é algo muito sofisticado para a realidade brasileira”, comenta Souza.

Erros comuns

Citando Steve Jobs, fundador da Apple, Corrêa diz que a bicicleta deve ser vista como um acessório que transforma seu usuário quase em super-humano. “Jobs pedalava e pensou em nomear sua companhia de Bicycle. Isso devido ao fato de a bicicleta ser capaz de transformar o humano por meio de sua própria força e capacidade”, conta o arquiteto, defendendo que o bicicletário deve ser projetado para atender todos os públicos.

Optar somente pelos ganchos nas paredes é um erro, pois delimita bastante o número de ciclistas que poderá utilizar a estrutura. “Imagina uma mulher grávida tendo que levantar e prender sua bicicleta pela roda. Eu mesmo tenho dores no ombro que, de vez em quando, me impedem de erguê-la para colocá-la no gancho”, conta Corrêa. O bicicletário ideal é aquele em que a pessoa não faça esforço exagerado ou se suje de graxa para guardar o veículo.

Outro erro comum apontado pelo arquiteto está em “esconder” o bicicletário. “Principalmente em empreendimentos públicos, é comum as pessoas nem saberem que esse tipo de estrutura está disponível. A falta de sinalização é uma situação que piora ainda mais esse problema”, comenta Corrêa, lembrando que o excesso de segurança também pode acabar inibindo o uso do bicicletário pelos ciclistas.

Edifícios públicos e privados

O mesmo bicicletário executado em um condomínio residencial pode ser replicado em prédio comercial ou corporativo. Entretanto, é interessante oferecer estruturas auxiliares no caso de empreendimentos públicos. “Nos corporativos, podem existir chuveiros e vestiários para que a pessoa possa trocar de roupa antes de assumir seu posto de trabalho”, diz Souza. Inclusive tem aumentado a quantidade de cafés, lojas e shoppings que são bike friendly.

O cicloativista menciona alguns exemplos, como no SESC Paulista, em São Paulo, que tem bicicletário dividido em duas alas. Na externa, estão os ganchos, que, conceitualmente, não são a melhor solução. “Porém, na fachada, as bicicletas são colocadas com as rodas no chão e presas a estrutura metálica – muito mais confortável”, comenta, citando também o shopping Higienópolis, na capital paulista, em que são usadas duas travas: uma do ciclista e outra do próprio shopping.

Já um case ruim pode ser encontrado no CineSesc, em São Paulo, onde o bicicletário é composto apenas de barras com ganchos, em que o ciclista tem que fazer certa ginástica para conseguir prender a bicicleta. “É muito comum ver uma pessoa ajudando a outra”, destaca Souza.

Ele relata a história icônica de uma associação que nasceu da necessidade de vagas de bicicletas em região próxima de estação ferroviária. “O maior bicicletário da América do Sul fica em Mauá (SP), ao lado da estação de trem. Ele nasceu da ação de ex-funcionário da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que notava que a região ficava cheia de bicicletas amarradas em grades ou postes. Isso porque as pessoas não tinham um local apropriado para guardá-las. Então, foi criada a associação Ascobike, que passou a oferecer vagas a partir de uma pequena mensalidade”, conta.

Além do bicicletário, foi montada toda estrutura para atender os ciclistas, como um pequeno café e chuveiros. “Isso tudo veio da iniciativa de uma única pessoa e que depois ganhou o apoio da própria CPTM. É um exemplo interessante de infraestrutura para ser instalada ao lado de locais de grande procura”, avalia Souza.

Segurança em locais públicos

Na opinião de Souza, seria interessante que locais como museus ou parques oferecessem ambiente fechado e vigiado para guardar bicicletas. “Isso porque, com o aumento do uso da bicicleta nas cidades brasileiras, os furtos também cresceram”, afirma o cicloativista.

Os paraciclos externos não são suficientes para suprir essa demanda, já que existem quadrilhas especializadas em roubar as bicicletas presas nessas estruturas. “E esse não é um problema exclusivo do Brasil, mas que acontece no mundo inteiro. Em Nova Iorque e Paris, por exemplo, grupos andam com nitrogênio líquido para congelar as trancas, quebrá-las e levar as bicicletas”, finaliza Souza.

Leia também:

Projetos de vestiários para empresas incentivam o transporte limpo

Bicicletários são instalados em empreendimentos comerciais

Colaboração técnica

brunno-schulz
Marcos de Souza — Graduado em Comunicação Social pela ECA-USP (1985). Realizou atividades de especialização em arquitetura, urbanismo, tecnologia e construção em instituições, como o Instituto de Pesquisa Tecnológicas (1994 IPT/SP), o Centro Canadense de Arquitetura (Montreal, 2000) e o Instituto Holandês de Arquitetura (NAi, Roterdã, 1998). Atuou nos jornais Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde, editou as revistas Téchne (Tecnologia da Construção), AU (Arquitetura e Urbanismo) e colaborou com as revistas Projeto Design, Problemas Brasileiros, Construção Pini e várias outras do segmento de arquitetura, construção e design. Coordenou a criação e editou o Portal Arcoweb, portal 2014, além do Mobilize Brasil, entre outras publicações. Também editou livros nas áreas de artes, arquitetura, urbanismo e construção. Realiza palestras sobre mobilidade urbana sustentável em cidades de todo o Brasil, a convite de empresas, prefeituras, organizações da sociedade civil e comissões parlamentares.
pierre-cruz
Ricardo Corrêa — Arquiteto e urbanista pela FAAP, realizou intercâmbio na Lodz University of Technology, na Polônia. No biênio 2003-04, foi eleito conselheiro jovem para o Orçamento Participativo de São Paulo. É mestre em Planejamento Urbano e Regional pela FAU-USP e cursou MBA em Gestão Estratégica pela FEA-USP. É coautor do livro A Bicicleta e as Cidades, e autor do livro A bicicleta no planejamento urbano. É sócio-fundador e diretor da TC Urbes.