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Como as normas técnicas na construção impactam sua carreira?

Você pode se informar e acompanhar a evolução dos textos normativos, aprimorando-se como profissional. Ou nada fazer e esperar até que um problema mais grave prejudique sua trajetória

Publicado em: 18/04/2023

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 39, determina que é ‘vedado ao fornecedor (...), dentre outras práticas abusivas, colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes’. Isso vale para toda a cadeia produtiva da construção civil (Foto: Shutterstock)

Norma é o documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece regras, diretrizes ou características mínimas para atividades ou para seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. Esta definição é da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Mas o que isso está relacionado com a sua carreira na construção, engenharia civil ou arquitetura?

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“As normas técnicas são importantes para todos os profissionais”, afirma a engenheira Lilian Sarrouf, superintendente do ABNT/CB002 e gestora do Cobracon (Comitê Brasileiro de Construção Civil). “Traz ensinamentos, diretrizes, orientações, procedimentos e melhores práticas, preparadas por especialistas no assunto, que ajudam em cada segmento de atuação.”

Confira algumas normas relevantes para arquitetos e engenheiros civis na área de edificações

NBR 15575 – Edificações habitacionais – Desempenho
NBR 17170 – Edificações – Garantias – Prazos recomendados e diretrizes
NBR 16636  Elaboração e desenvolvimento de serviços técnicos especializados de projetos arquitetônicos e urbanísticos
NBR 6492 – Representação de projetos de Arquitetura
NBR 6118 – Projeto de estruturas de concreto
NBR 6120 – Ações para o cálculo de estruturas de edificações
NBR 6122 – Projeto e execução de fundações
NBR 5410 – Instalações elétricas de baixa tensão
NBR 5626 – Sistemas prediais de água fria e água quente – Projeto, execução, operação e manutenção
NBR 13752 – Perícias de engenharia na construção civil

Mas se você acha que este assunto está pouco relacionado ao seu cotidiano, vale a pena dar uma olhada, a seguir, na visão de diferentes profissionais, com atuações e óticas distintas na vasta cadeia produtiva da construção civil. Reunimos seis perspectivas sobre a relevância dos textos normativos. Vamos começar por onde costuma ‘doer’ um pouco mais.

1) PONTO DE VISTA JURÍDICO

O advogado Carlos Del Mar é autor do livro “Falhas, Responsabilidades e Garantias na Construção Civil” e integrante da Comissão de Estudos da NBR 15575, a Norma de Desempenho. Consultor da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e membro do Conselho Jurídico do Secovi-SP, é um dos principais especialistas brasileiros em direito na construção civil.

“As normas técnicas servem para controlar a produção industrial, a comercialização, o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a qualidade de vida e o meio ambiente”, afirma Del Mar. “São absolutamente necessárias para a proteção do consumidor, tanto que o CDC (Código de Defesa do Consumidor) deixa claro que é vedado ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas, colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes”, conclui.

Tal regramento vale para toda a cadeia produtiva da construção. Esqueça aquela velha discussão sobre as normas terem, ou não, força de lei. Os textos normativos servem de base técnica para todas as análises judiciais envolvendo o setor.

“Em um processo judicial, (as normas) funcionam como orientação norteadora para as decisões. Portanto, a não obediência pode ocasionar imprevistos indesejáveis”
Arq. Gilberto Belleza

2) ÓTICA DO ARQUITETO

“Para nós arquitetos, as normas são tão importantes que até a execução do projeto arquitetônico é norteado por elas”, afirma o arquiteto Gilberto Belleza, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie e sócio-diretor do escritório Belleza & Batalha C. do Lago Arquitetos Associados.

São exemplos do que menciona o arquiteto a NBR 16636 - Elaboração e desenvolvimento de serviços técnicos especializados de projetos arquitetônicos e urbanísticos e a NBR 6492 – Representação de projetos de Arquitetura. “O que precisamos ampliar é a divulgação dessas normas, para que todo o profissional atuante tenha conhecimento e aja dentro das diretrizes adequadas em seu campo de atuação”, defende Belleza.

O arquiteto ressalta também o papel de referência das normas no campo jurídico, como já vimos no item anterior “Em um processo judicial, funcionam como orientação norteadora para as decisões. Portanto, a não obediência pode ocasionar imprevistos indesejáveis”, conclui.

“A universidade, lamentavelmente, não oferece uma atenção mais profunda sobre o assunto, o que me parece uma lacuna, visto que os novos profissionais vão necessitar de um conhecimento detalhado das normas em cada área de atuação”
Eng. Wagner Gasparetto

3) VISÃO DO PROJETISTA DE ENGENHARIA

“As normas técnicas estabelecem padrões de qualidade e especificações de desempenho que são absolutamente essenciais no desenvolvimento dos projetos e na execução das obras”, afirma o engenheiro e projetista Wagner Gasparetto, diretor-presidente da LPE Engenharia. “É importante que os projetos sejam baseados nas normas para assegurar os requisitos de qualidade e performance demandados pelos clientes.”

Gasparetto defende maior difusão de informação técnica a respeito. “A universidade, lamentavelmente, não oferece uma atenção mais profunda sobre o assunto, o que me parece uma lacuna, visto que os novos profissionais vão necessitar de um conhecimento detalhado das normas em cada área de atuação”, conclui.

“É por isso que existem e são tão relevantes os programas setoriais da qualidade. Certificam as empresas que estão produzindo dentro das normas vigentes”
Eng. Amedeo Salvatore Ialongo Neto

4) PERSPECTIVA DO FORNECEDOR DE MATERIAIS OU SERVIÇOS

Você já ouviu falar em não-conformidade técnica intencional? Sabia que, infelizmente, alguns fornecedores de materiais e produtos de construção, cientes do que estão fazendo, colocam no mercado itens fora de norma em busca de menores preços? O nome disso é concorrência desleal e é um dos males que pode afligir determinados elos de uma vasta cadeia de produção, como a construção civil.

“É por isso que existem e são tão relevantes os programas setoriais da qualidade”, afirma o engenheiro Amedeo Salvatore Ialongo Neto, que atua há 35 anos na área técnico-comercial da indústria da construção civil. “Certificam as empresas que estão produzindo dentro das normas vigentes. Ou seja, o próprio fabricante, em uma ação setorial organizada, contrata uma empresa ou instituição independente para fiscalizar a conformidade técnica de seus produtos”, completa.

Ialongo Neto aponta o risco que um único fabricante de determinado componente pode representar para todos os outros produtores idôneos da cadeia produtiva de um sistema construtivo. “Uma boa tecnologia pode ter a imagem comprometida porque um item específico, isoladamente, não apresenta conformidade técnica, o que é lamentável e precisa ser evitado para o bem de todo o mercado e, em especial, do consumidor final”, conclui.

“Servem como um guia, estabelecem diretrizes, critérios e procedimentos na elaboração de projetos, memoriais ou laudos, na execução das obras e na manutenção das edificações em geral”
Eng. Marcos Sarge

5) ÓTICA DO CONSTRUTOR

Prejuízos econômicos, danos ambientais, acidentes de trabalho, reclamações dos clientes, entre outros desdobramentos, capazes de resultar na responsabilização civil e criminal dos profissionais envolvidos. É assim que o engenheiro Marcos Sarge, sócio-diretor da Tallento Engenharia, enxerga o risco da não observância das normas técnicas relacionadas à construção civil.

“Por isso, todos os profissionais do setor devem estar sempre atualizados e conhecer as normas técnicas relacionados ao seu trabalho”, afirma Sarge, lembrando que os textos são formulados por profissionais, especialistas ou entidades habilitadas nas respectivas áreas. “Servem como um guia, estabelecem diretrizes, critérios e procedimentos na elaboração de projetos, memoriais ou laudos, na execução das obras e na manutenção das edificações em geral”, conclui.

“Imagine se não tivéssemos tais parâmetros definidos em consenso pela comunidade técnica e científica? Não haveria uma padronização do método investigativo e a análise das edificações seria realizada em um nível de subjetividade muito mais alto”
Eng. Marcus Grossi

6) VISÃO DO PERITO

A perícia costuma ser descrita como uma atividade que envolve a apuração das causas que motivaram determinado evento ou o exame técnico especializado, realizado por meio de laudos e estudos.

Pela ótica do perito judicial, as normas técnicas têm um papel essencial nesse processo investigativo, tanto na avaliação da conformidade de produtos e serviços quanto na eventual responsabilização de empresas e profissionais envolvidos na ocorrência de problemas.

“Imagine se não tivéssemos tais parâmetros definidos em consenso pela comunidade técnica e científica?”, pergunta o engenheiro civil e sócio-gerente da Fernandes & Grossi Consultoria e Perícias de Engenharia, Marcus Grossi. “Não haveria uma padronização do método investigativo e a análise das edificações seria realizada em um nível de subjetividade muito mais alto”, conclui.

Tal análise faz lembrar um alerta dado por um dos mais reconhecidos especialistas brasileiros em perícias de engenharia quando do lançamento da Norma de Desempenho, a NBR 15575, há cerca de 10 anos. “Se alguém ainda tem dúvidas sobre o impacto da nova norma nas decisões judiciais relacionadas aos litígios no setor, saibam que os peritos estarão lá para lembrar a todos da existência dela.”

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CONCLUSÃO

Os depoimentos dos profissionais deixam claro que as normas técnicas são importantes aliadas durante a carreira dos profissionais da construção civil e arquitetura. Existem custos envolvidos, dificuldades de acesso, mas também saídas que podem ser encontradas, junto às empresas para contar com esse material tão valioso. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção, por exemplo, possui um valioso canal de informações, o Portal de Normas Técnicas, que utiliza como fonte o Portal da ABNT.

As normas são como as leis: se você as conhece, respeita e pratica, dificilmente terá problemas. Se as desconhece ou as despreza, poderá ter surpresas desagradáveis pela frente. Mesmo sendo algo mandatório, a disseminação da normalização técnica ainda é deficiente em boa parte do País. Nesse cenário, dominar os textos da sua área será um diferencial de mercado. Pense nisso.

Carreira: qual é a sua sugestão de tema para o nosso espaço dedicado aos profissionais de Engenharia Civil, Arquitetura e Construção?

Colaboração técnica

Lilian Sarrouf – Engenheira civil pela Escola de Engenharia Mauá e administradora de empresas pelo Mackenzie, é mestre em gestão integrada de meio ambiente e segurança e saúde pelo SENAC-SP. Consultora técnica da CBIC e do SindusCon-SP, coordena o Comitê do Meio Ambiente, Segurança e Produtividade e o grupo de trabalho de Pós Obra da entidade paulista. Gestora do ABNT CB002 – Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT.
Carlos Del Mar – Advogado e membro da OAB em São Paulo, faz parte da Comissão de Estudos da NBR 15575 (Norma de Desempenho) e é autor do livro “Falhas, Responsabilidades e Garantias na Construção Civil”. Consultor da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, é membro do Conselho Jurídico do Secovi-SP.
Gilberto Belleza – Arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, é sócio-diretor do escritório Belleza & Batalha C. do Lago Arquitetos Associados. Ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo e do Instituto de Arquitetos do Brasil – Direção Nacional. Ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAUSP) e coordenador da Comissão do Centenário do IAB.
Wagner Gasparetto – Diretor-presidente da LPE Engenharia, é engenheiro civil pela Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie com MBA em marketing pela Fundação Getúlio Vargas. Atua, desde 1985, no desenvolvimento do mercado de pisos e pavimentos de concreto. É membro de comissões da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) de normas relacionadas ao segmento. Integrou a diretoria executiva da ABECE (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural) e foi presidente da ANAPRE (Associação Nacional de Pisos e Revestimentos de Alto Desempenho).
Amedeo Salvatore Ialongo – Engenheiro civil pela UNG com MBA em estratégia de negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Diretor da Light Wall Consultoria, atua na área técnico-comercial na construção civil há 35 anos, desenvolvendo e implantando inovações nas áreas de drywall, steel frame e construção modular. Atuante em diversas associações, grupos de trabalhos e normas do setor.
Marcos Sarge – Graduado em engenharia civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pós-graduado em gestão empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Possui também mestrado profissional pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Sócio-diretor da Tallento Engenharia, atuou também no Grupo Schahin e Brookfield.
Marcus Vinicius Fernandes Grossi – Sócio-gerente da Fernandes & Grossi Consultoria e Perícias de Engenharia, é graduado em engenharia civil, com especialização pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e mestrado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Professor universitário, é perito judicial e assistente técnico da Defensoria Pública e Ministério Público do Estado de São Paulo. Autor do livro "Inspeção e Recebimento de Obras – Edificações Habitacionais" e coautor dos livros "Manual de Engenharia Diagnóstica 2a edição" e "Building Pathology and Rehabilitation, Vol. 12".