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Como a Lei nº 13.425, de combate a incêndio, afeta a construção civil?

Documento assinado pelo governo federal reforça a responsabilidade de todos os envolvidos no projeto, manutenção e gerenciamento da segurança contra incêndio nas edificações

Publicado em: 19/03/2018Atualizado em: 15/06/2021

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

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A lei é válida para edificações comerciais, de serviços ou áreas com ocupação simultânea potencial igual ou superior a 100 pessoas (foto: shutterstock / Marcel Derweduwen)

Passados pouco mais de cinco anos da tragédia na Boate Kiss, que matou 242 pessoas, entrou em vigor no país a Lei nº 13.425. O documento assinado em 30 de março de 2017 “estabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público". Após a sanção, os órgãos de fiscalização das atividades de engenharia e arquitetura exigirão a apresentação de projetos técnicos devidamente aprovados pelo poder público municipal.

O atraso para a lei vigorar é, em parte, natural do processo democrático brasileiro. Principalmente, devido às circunstâncias sociopolíticas dos últimos anos, que têm paralisado os trabalhos no Congresso Nacional
Rosaria Ono


“O atraso para a lei vigorar é, em parte, natural do processo democrático brasileiro. Principalmente, devido às circunstâncias sociopolíticas dos últimos anos, que têm paralisado os trabalhos no Congresso Nacional. A lei entrou e saiu de pauta e deixou de ser votada em algumas ocasiões, devido à conturbada situação do Brasil”, analisa a arquiteta Rosaria Ono, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

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O QUE A LEI DETERMINA

A Lei nº 13.425 é válida para edificações comerciais, de serviços ou áreas que recebem grande concentração de público. Os empreendimentos podem ser cobertos ou descobertos, cercados ou não e com ocupação simultânea potencial igual ou superior a 100 pessoas.

Caso a capacidade seja inferior a uma centena de ocupantes, as determinações continuam válidas se a edificação for, predominantemente, frequentada por idosos, crianças ou pessoas com dificuldade de locomoção. As regras valem também para prédios que tenham em seu interior grande quantidade de material inflamável. A regulamentação deve ainda ser seguida por imóveis públicos e instalações ocupadas temporariamente por órgãos governamentais.

A lei destaca que, para entrarem em funcionamento, as edificações devem passar por vistorias do Corpo de Bombeiros. Já o poder público deve solicitar dos responsáveis pelo empreendimento documentos que comprovem a capacidade e a estrutura física do local; o tipo de atividade desenvolvida no local e em sua vizinhança; e os riscos à incolumidade física das pessoas.

Segundo a docente, muitos dos tópicos presentes na lei já estavam estabelecidos e tratados em outros documentos e normas. “No entanto, a Lei nº 13.425 reforça as determinações existentes”, destaca. A grande importância desta nova legislação é fortalecer as responsabilidades de todos os envolvidos no projeto, manutenção e gerenciamento da segurança contra incêndio nas edificações.

“Acredito que, com isso, o documento não será ‘esquecido’, pois as responsabilidades profissionais, civis e criminais têm sido muito debatidas no setor da construção civil. Não estando restritas somente aos aspectos da segurança contra incêndio”, ressalta Ono.

RESPONSABILIDADES

Quando um prédio é atingido pelo fogo, a construtora pode ser responsabilizada pela ausência de elementos de segurança contra incêndios. O papel dos responsáveis pela execução do empreendimento é seguir à risca o projeto técnico elaborado por profissional habilitado. “O documento precisa ter sido analisado e previamente aprovado pelo Corpo de Bombeiros”, afirma a especialista.

Já o profissional (arquiteto ou engenheiro) responsável pelo projeto de segurança contra incêndio pode, ainda que seu projeto esteja aprovado, ser responsabilizado por erros. “O ideal é que o projetista se envolva também com a obra. Ou, ainda, que exista outro profissional que o faça, de maneira a acompanhar se tudo está sendo executado conforme o planejado e a fim de garantir a qualidade final”, recomenda Ono.

Por fim, os engenheiros de instalações e estrutural têm responsabilidades compartilhadas. Quanto mais complexo for o projeto, mais profissionais de diferentes áreas estarão envolvidos e cada um deles precisa identificar claramente, em suas RRTs e ARTs (anotações de responsabilidade técnica), o escopo de seu trabalho. Com isso, fica bastante claro o limite de responsabilidade de cada um dos elos envolvidos na obra.

PROJETOS DE COMBATE A INCÊNDIOS

As informações que devem constar nos projetos de combate a incêndio são, em grande parte dos casos, estabelecidas pelo Corpo de Bombeiros de cada Estado, seguindo as regulamentações da instituição. Durante o desenvolvimento do projeto, os responsáveis precisam levantar informações sobre o tipo de uso e ocupação da edificação, além de quais são as condições associadas a riscos específicos.

As dimensões do empreendimento também são levadas em consideração. Quanto maior for o edifício, como shoppings centers que apresentam grande quantidade de corredores e pavimentos, mais complexo será o desenvolvimento do projeto de combate a incêndios. Já o sistema construtivo precisa ser pensado a fim de evitar a rápida propagação das chamas, além de se manter estável durante tempo suficiente para que os ocupantes evacuem a edificação.

Outro cuidado é projetar e sinalizar adequadamente as saídas de emergência. Os corredores, passagens e escadas que levam os ocupantes para fora da edificação em caso de incêndio precisam permanecer constantemente desobstruídos, além de contarem com soluções resistentes ao fogo, como portas e vidros corta-fogo e antichamas.

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A quantidade e distribuição das rotas de fuga é calculada em função da capacidade de ocupação da edificação. “A população máxima é determinada de acordo com a densidade típica admitida (pessoas/m² ou m²/pessoa). O número pode ainda ser estabelecido pelas regulamentações de segurança contra incêndio, ou, em caso de assentos fixos, pelo número de cadeiras”, explica a professora.

Em projetos mais complexos, também é recomendável contar com medidas ativas de proteção, ou seja, aquelas que operam somente após o início do incêndio. Entre as soluções previstas nesse grupo estão os extintores, hidrantes, chuveiros automáticos e luzes de emergência.

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É importante, ainda, ter atenção com os materiais de acabamento. Carpetes, forros, mobiliários e cortinas podem ser elementos altamente inflamáveis. Por isso, é fundamental aferir o desempenho ao fogo dos elementos utilizados na obra através de ensaios laboratoriais com base em procedimentos padronizados em normas técnicas.

FISCALIZAÇÃO

Por princípio constitucional, o responsável pela fiscalização dos edifícios em área urbana é a prefeitura municipal. No entanto, os Corpos de Bombeiros estaduais podem ter, entre suas atribuições, a verificação e interdição dos edifícios irregulares ou inseguros. Isso depende das leis que regem o assunto em cada Estado.

Apesar de a lei exigir que os projetos técnicos sejam aprovados pelo poder público municipal, sabemos que quem realiza esta atividade, no campo da segurança contra incêndio, são os Corpos de Bombeiros estaduais
Rosaria Ono


“Apesar de a lei exigir que os projetos técnicos sejam aprovados pelo poder público municipal, sabemos que quem realiza esta atividade, no campo da segurança contra incêndio, são os Corpos de Bombeiros estaduais, por meio de acordos realizados com as prefeituras”, comenta a professora.

ENSINO NAS UNIVERSIDADES

O artigo 8º da Lei nº 13.425 estabelece que “os cursos de graduação em Engenharia e Arquitetura (...) bem como os cursos de tecnologia e de ensino médio correlatos, incluirão nas disciplinas ministradas conteúdo relativo à prevenção e ao combate a incêndio e a desastres”.

No entanto, apesar de ser a diretriz que melhor prepararia as próximas gerações profissionais, ainda faltam detalhes de como tornar realidade o que está escrito no documento.

“No caso do conteúdo de segurança contra incêndio em disciplinas acadêmicas, como a lei é genérica, falta detalhar quais seriam os temas, específicos ou não, por tipo de curso. Uma vez que há inúmeras especializações em engenharia (civil, elétrica, hidráulica, mecânica, metalurgia, materiais, entre outras). Não há também clareza sobre a carga horária mínima e nem se fala sobre o prazo para a implementação de tal medida. Isso será ‘letra morta’, caso uma diretriz não seja estabelecida nesse sentido”, finaliza Ono.

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Colaboração técnica

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Rosaria Ono – Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), com mestrado pela Universidade de Nagoya (Japão) e doutorado pela FAU-USP. Atuou por 12 anos como pesquisadora do Laboratório de Segurança ao Fogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e é professora do Departamento de Tecnologia da Arquitetura desde 2003, onde ministra aulas e orienta alunos de graduação e pós-graduação nas áreas de legislação edilícia e urbanística, segurança contra incêndio, segurança patrimonial, acessibilidade e avaliação pós-ocupação. É também professora associada da FAU-USP