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CBCS completa 15 anos com programas destinados à sustentabilidade na construção

Entrevista com o engenheiro e doutor Vahan Agopyan, presidente do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS)

Publicado em: 13/10/2022Atualizado em: 14/10/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
(Foto:Shutterstock)

Criado em 2007 por lideranças empresariais, pesquisadores, consultores, profissionais atuantes e formadores de opinião, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) se propôs a organizar os conceitos envolvendo a sustentabilidade, pois, segundo Vahan Agopyan, eram tidos como uma pauta ambientalista. Desde então, vem alcançando os objetivos de disseminar informações para orientar as iniciativas setoriais e as políticas públicas, através do desenvolvimento de programas que estão à disposição do setor da construção civil. Em entrevista ao Portal AECweb, Agopyan fala sobre os programas em execução e os municípios beneficiados. Confira a seguir!


AECweb – Nesses 15 anos, a cultura da sustentabilidade avançou no setor da construção civil e na sociedade?

Agopyan – Há iniciativas na cadeia produtiva da construção civil, como a adoção de tecnologias de geração de energia renovável, de equipamentos e dispositivos mais eficientes no consumo de água e energia, de uso de fontes alternativas de água. Estão disponíveis materiais e sistemas construtivos com menor impacto ambiental e ferramentas para a otimização dos projetos e a execução das obras com menos desperdício. No entanto, estas iniciativas ainda não têm resultados expressivos que possam ser usados como medida da sustentabilidade do setor. E não há demanda efetiva por parte da sociedade, muito embora o mercado financeiro e outros segmentos já comecem a impor medidas neste sentido.

AECweb – Quais foram os principais projetos realizados pelo conselho nesse período?

Agopyan – Durante a primeira década do CBCS foram realizados oito simpósios nacionais, justamente para disseminar o conhecimento a todos os agentes do setor da construção civil. Quatro projetos se destacaram: Sustainable Housing Initiative (SUSHI), Ferramenta ‘6 passos’, ACV-Modular e Desempenho Energético Operacional em Edificações (DEO).

Durante a primeira década do CBCS foram realizados oito simpósios nacionais, justamente para disseminar o conhecimento a todos os agentes do setor da construção civil
Vahan Agopyan

AECweb – O SUSHI se dedicou à habitação de interesse social?

Agopyan – Sim, foi um projeto que resultou em uma coletânea de materiais publicados conceituando a habitação de interesse social e a sua interação com o meio ambiente natural e urbano. Estabeleceu diretrizes de projeto e especificação técnica para a habitação, com vistas à eficiência no uso de energia e no consumo de água, durável, confortável, saudável, fácil de manter, econômico nos gastos com a habitação e adequado à cultura local.

AECweb – Explique a ferramenta ‘6 Passos’.

Agopyan – É uma ferramenta online para a seleção de insumos e fornecedores com critérios de sustentabilidade. Orienta o processo de escolha de fornecedores, levando seus usuários a diversos ambientes de informação. Um deles é a plataforma do PBQP-H e, agora, reformulado também para incluir o Sidac – Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção.

AECweb – No que consiste o ACV-Modular e o DEO?

Agopyan – O ACV-Modular é um projeto que iniciou o desenvolvimento da metodologia de avaliação do desempenho ambiental dos produtos de construção simplificada, hoje concretizada na plataforma do Sidac. Já o DEO desenvolveu equações de benchmarking energético de edificações em uso e operação, visando o futuro desenvolvimento de uma base de dados de consumo energético e de um programa nacional de gestão energética para edificações em uso. Está disponível ao público na forma de uma calculadora de desempenho energético operacional online, contemplando 17 tipologias de edifícios (https://plataformadeo.cbcs.org.br/).

AECweb – Quais programas estão em execução?

Agopyan – Atualmente, o CBCS tem se dedicado ao Programa Cidades Eficientes e ao sistema Sidac. Os primeiros quatro anos do programa Cidades Eficientes foram financiados pelo Instituto Clima e Sociedade. O objetivo é desenvolver e validar a metodologia de apoio aos municípios em três eixos: gestão de consumo de energia e água dos edifícios públicos; capacitação das equipes das prefeituras em eficiência energética em edificações e etiquetagem PBE Edifica (Procel); e políticas públicas para eficiência energética e mudanças climáticas.

AECweb – Quais os munícipios já beneficiados?

Agopyan – Entre 2019 e 2021, foi concretizado em Florianópolis, onde ganhou o status de política pública oficial batizado de “Programa Floripa Cidade Eficiente”, sob a liderança de Cibele Assmann, diretora de Planos e Análises Territoriais, e de Piter Santana, coordenador institucional. Ainda na primeira etapa, o trabalho chegou a Sorocaba (SP) e Jaboatão dos Guararapes (PE). Este ano, com previsão de conclusão em dezembro próximo, o programa está sendo implementado em conjunto com a prefeitura do Rio de Janeiro. À frente, estão Daniel Mancebo, coordenador geral do Escritório de Planejamento da Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento, e Pedro Rolim, gerente de Sustentabilidade e Resiliência do Escritório de Planejamento da Subsecretaria de Planejamento e Acompanhamento de Resultados. Mais informações estão em http://cidadeseficientes.cbcs.org.br/

AECweb – Como funcionam as gincanas desse programa?

Agopyan – As gincanas são atividades colaborativas em grupo, dinâmicas e eficazes, para identificar oportunidades de economia de energia elétrica e água nos edifícios por meio de estratégias de baixo ou nenhum custo. São realizadas por diversas equipes, distribuídas por áreas do edifício, cada uma composta por cinco ou seis pessoas, com a participação de funcionários da prefeitura, especialistas convidados e equipe do CBCS. As equipes percorrem um roteiro pré-determinado, fazem entrevistas e observam os espaços, preenchendo uma lista de verificação com o intuito de caracterizar as instalações e as rotinas presentes, diurnas e noturnas, apontando ineficiências, desperdícios e potencial de melhoria. Os aspectos positivos também são levantados na gincana e se somam ao relatório de aprendizagem final.

AECweb – Quais os resultados obtidos em Florianópolis, onde foi totalmente implementado?

Agopyan – O trabalho realizado em Florianópolis foi realizado com o apoio do Laboratório de Eficiência Energética em Edificações (LabEEE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em algumas atividades. Resultou na gestão centralizada do consumo de energia elétrica e de água dos 378 edifícios públicos municipais; na capacitação de mais de 60 servidores na área de eficiência energética das edificações, destacando-se duas gincanas energéticas realizadas em prédios administrativos e as auditorias energéticas realizadas em oito escolas municipais e na construção de três novas políticas públicas de eficiência energética para os edifícios públicos e privados do município.

AECweb – Quais são essas políticas públicas?

Agopyan – A primeira foi uma Portaria aplicada às edificações municipais, requerendo a gestão de dados de consumo e as boas práticas em eficiência energética e conservação da água, nas edificações da administração pública de Florianópolis. Outra foi a produção de um “Manual de Compras Públicas Eficientes”, em apoio à Portaria. Por fim, o trabalho gerou um código de energia para as edificações da cidade, apresentado no documento “Requerimentos de Eficiência Energética como Política Pública para Edificações de Florianópolis”. Inclui requisitos de eficiência energética, sugestões de incentivos e um roteiro para o alcance de metas de ‘energia quase zero e energia positiva’ para Florianópolis no horizonte de 2030. Os detalhes estão em http://cidadeseficientes.cbcs.org.br/

AECweb – Como as prefeituras podem participar do programa?

Agopyan – A metodologia do Programa Cidades Eficientes é aplicável em municípios de todos os tamanhos e regiões do país, por ser simples, de rápida implementação e capaz de trazer avanços em curto prazo para os municípios na pauta da sustentabilidade e mudanças climáticas. Há duas formas de participação no Programa Cidades Eficientes: assessoria específica, como foi realizada em Florianópolis e atualmente acontece no Rio de Janeiro; workshops com outros municípios, como já realizados com municípios catarinenses.

AECweb – Como funcionam os workshops?

Agopyan – Nos workshops, equipes de três até oito municípios trabalham juntos, trocando experiências e novas ideias para implementarem, ao longo de quatro meses, os princípios e a ferramenta de gestão de consumo de energia e água de seus edifícios municipais. Além disso, passam pela capacitação de suas equipes técnicas e administrativas na temática da eficiência energética das edificações, na etiquetagem PBE Edifica (Procel), na metodologia das gincanas e auditorias energéticas. Dessa forma, as equipes das Secretarias Municipais estarão aptas para estabelecer estratégias e elaborar novas políticas públicas.

AECweb – Quais as instâncias do poder público municipal que participam?

Agopyan – Podem participar dos workshops “Cidades Eficientes” desde os responsáveis pelo orçamento destinado ao consumo de água e energia dos prédios públicos de secretarias, como Fazenda, Educação e Saúde, até os gestores de escolas, creches e hospitais, entre outros. Os encontros já estão formatados para acontecerem por videoconferência e plataforma de compartilhamento de documentos.

AECweb – O que é o Sidac?

Agopyan – O Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção (Sidac) foi lançado em abril deste ano e tem potencial para se tornar um divisor de águas no setor. Isto porque, pela primeira vez, fabricantes de produtos da construção têm à sua disposição uma ferramenta digital e gratuita, que lhes dá segurança para medir efetivamente a pegada de carbono e de energia primária de seus produtos. Tudo isso é possível a partir de uma base de dados brasileiros, verificados por especialistas.

AECweb - Em que fase se encontra?

Agopyan – Atualmente, o Sidac conta com dados genéricos brasileiros de 86 produtos de construção pertencentes a 12 categorias de produto, que representam aproximadamente 90% da massa dos + comercializados no Brasil. Sendo assim, o programa pode ser utilizado como fonte de dados para o diagnóstico das emissões atuais do setor. Além disso, permite que fabricantes cadastrem o inventário de seus produtos, calculem seus indicadores e submetam seus dados à revisão de um especialista independente. Uma vez aprovados, os dados específicos do fabricante são publicados no Sidac e passam a integrar a base de dados do sistema. Os fabricantes também podem emitir a Declaração de Desempenho Ambiental de Produto (DDAP) como documento comprovatório do seu desempenho ambiental.


Atualmente, o Sidac conta com dados genéricos brasileiros de 86 produtos de construção pertencentes a 12 categorias de produto, que representam aproximadamente 90% da massa dos materiais de construção comercializados no Brasil
Vahan Agopyan

AECweb – Como surgiu e quem atuou na construção do programa?

Agopyan – O Sidac foi concebido a partir do programa Strategic Partnerships for the Implementation of the Paris Agreement (SPIPA), coordenado pelo Ministério das Minas e Energia (MME), financiado pelo Instrumento de Parceria da União Europeia em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Segurança Nuclear e Defesa do Consumidor (BMUV, em alemão) e implementado pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ). Foi desenvolvido com uma visão holística e participativa, envolvendo diferentes atores, entre eles o MME, o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a Eletrobras-Procel, associações de fabricantes de materiais, projetistas e construtoras, entidades ligadas à pesquisa e inovação. O CBCS coordenou o desenvolvimento do sistema por meio de um comitê científico, constituído por um consórcio de univ

ersidades e institutos de pesquisa brasileiros, integrado pela USP, IPT, Unila, Unicamp, UFRGS e UFPR. O sistema está disponível em https://sidac.org.br/.

AECweb – Como os fabricantes de materiais podem participar?

Agopyan – O Sidac permite a inserção tanto de dados genéricos, quanto de dados específicos de fabricantes. No caso de novos dados genéricos, o usuário que detenha tais dados deve entrar em contato com o operador do programa, para que seja avaliada a pertinência e a relevância da inclusão desses dados no sistema, bem como a existência de informações suficientes, uma vez que dados genéricos devem ser representativos em âmbito nacional. Caso sua inclusão seja autorizada pelo operador do Sidac, o usuário receberá o status de “analista de dados”, tendo acesso à funcionalidade de cadastro de processos elementares para produtos genéricos. O operador do Sidac criará no sistema os tipos de produto para os quais os dados genéricos serão fornecidos.

AECweb – E no caso de dados específicos?

Agopyan – Nessa modalidade, um representante da empresa deve solicitar ao operador do Sidac a criação do perfil da empresa no sistema. Caso o tipo de produto produzido pela empresa ainda não esteja disponível para escolha, o operador do programa deverá criá-lo. Tanto para dados genéricos quanto para dados específicos, o primeiro passo consiste em selecionar o tipo de produto para os quais os dados serão fornecidos. Neste caso, para os fabricantes que cadastrarem seus produtos na plataforma, o Sidac permite a emissão de Declaração de Desempenho Ambiental de Produto (DDAP) de forma automática e eletrônica, após processamento e verificação.

AECweb – Mais algum detalhe?

Agopyan – A plataforma tem um funcionamento dinâmico. Isto é, caso um fabricante tenha alguma melhoria em seu produto ou processo, ele pode calcular seus novos indicadores e publicar seus dados atualizados. Isto é fundamental para orientar a construção civil rumo a um futuro de baixo carbono e para que os fabricantes tenham seus investimentos em sustentabilidade rapidamente reconhecidos pelo mercado.

Colaboração técnica

Vahan Agopyan – Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da USP (1974), Mestre em Engenharia Urbana e de Construções Civil pela EPUSP (1978) e PhD (Civil Engineering) pelo King’s College London (1982). Docente da EPUSP desde 1975 e professor Titular de Materiais e Componentes da Construção desde 1994. Foi diretor da EPUSP (2002-6), diretor-presidente do IPT (2006-8), Coordenador de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo (2008-9), reitor da USP (2018-22), presidente do Conselho do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e vice-presidente do Conselho do International Council for Research and Innovation in Building and Construction (CIB). Foi membro dos conselhos do IPT, Fapesp, CBCS, Capes, Centro Paula Souza, IMT (Mauá), Univesp e do Instituto de Engenharia. Eminente Engenheiro do Ano de 2004, Cavaleiro da Légion d’Honneur da República da França, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, Cidadão Paulistano, Personalidade da Tecnologia e Acadêmico da Academia Nacional de Engenharia e da Academia Panamericana de Engenharia. É Presidente do CBCS – Conselho Brasileira de Construção Sustentável e Coordenador do Capítulo do Estado de São Paulo da Academia Nacional de Engenharia.

Contato

Clarice Degani, diretora do CBCS / clarice.degani@cbcs.org.br