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Desenvolvimento, espaço construído e sustentabilidade

Publicado em: 24/10/2007

Nada atualmente é mais insustentável que o ambiente urbano. Não há ambiente mais entrópico que a cidade. Parte dos principais desequilíbrios do mundo atual tem origem urbana. As cidades cresceram vertiginosamente e viraram palcos de reprodução exacerbados do capital e da degradação humana e ambiental. É o lugar da aglomeração da produção capitalista, assim como, habitat da maioria da população do planeta e do perdulário consumo energético.

Os ambientes urbanos-arquitetônicos sempre acompanharam o desenvolvimento do atual paradigma economicista, assim como, suas mazelas, deseconomias, desequilíbrios e externalidades. As cidades passaram de símbolo do progresso, democracia, riqueza e de centro organizador da sociedade e do desenvolvimento para o cerne da crise humana e ambiental que afeta o planeta. Isto vem gradativamente gerando miséria urbana e degradação do meio ambiente nas mais diversas escalas (locais, regionais, nacionais e globais).

Na verdade, devemos repensar o espaço urbano dentro dos princípios de sustentabilidade visando a habitabilidade local e global. Para isso, será necessário racionalizar o uso energético, reestruturar as funções urbanas em consonância com os ambientes construídos. É necessário ainda reduzir a “Pegada Ecológica”, ou seja, o consumo energético “per-capito” de seus habitantes, pois os problemas e impactos ambientais gerados nas cidades transbordam para o entorno rural e territorial afetando toda a biosfera. A sustentabilidade urbana é condição essencial para se frear a crise ambiental que atravessa o planeta. Neste sentido para Henrique Leff (2001):

[...] A sustentabilidade urbana não pode ser analisada [como preconizam, alguns economistas] apenas pelos seus fluxos de entrada de recursos naturais e saídas de contaminantes e rejeitos produzidos. A sustentabilidade depende de como se extraem, como se transformam os recursos do entorno, o que se produz e como se produz, o que se consome e como se consome, os custos ambientais e a sustentabilidade das formas de satisfazer as necessidades básicas medidas pelos indicadores de qualidade de vida, de bem-estar social e de desenvolvimento humano das cidades, considerando seu impacto local, no entorno a nível global. As estratégias de desenvolvimento urbano sustentável devem gerar fontes alternativas de fornecimento de água e de energia que sejam renováveis e não contaminantes. A sustentabilidade deve considerar a cidade e seus padrões de consumo no sistema econômico e ecológico global. [...]. (LEFF, 2001, p. 295, grifo nosso).

Nesse panorama as tecnologias limpas, bioecológicas e a reciclagem de rejeitos diminuem os impactos ambientais, produzidos nas cidades a curto prazo. Além disso, o futuro do desenvolvimento de qualquer país, desenvolvido ou em desenvolvimento, depende da sua disponibilidade energética e dos seus recursos naturais, bases de qualquer processo de crescimento, seja ele sustentável ou não. O ideal é que as fontes energéticas e os ativos naturais sejam produzidos, consumidos e tenham um destino final baseados em princípios ecologicamente corretos, sem prejuízo humano ou ambiental, e se possível passíveis de reuso imediato.

É inquestionável que um cenário sustentável só será conseguido com a redução e eficientização do consumo energético em todos os setores do processo de desenvolvimento. Mais do que a implementação de novas tecnologias renováveis, devemos modificar a relação produção-consumo dos habitantes dos aglomerados urbanos. Pois mesmo com a utilização de energias renováveis as pessoas poderiam utilizá-las para fins insustentáveis, visando apenas manter seus padrões de consumo de energia, por exemplo.

No Brasil, assim como nas demais nações em desenvolvimento, o atual paradigma globalizante e economicista alterou substancialmente o formato do estado nacional. O novo modelo alicerçado em políticas neoliberais enfraqueceu as políticas urbanas do estado, afetando diretamente o processo de ocupação territorial e urbano-rural com impactos nefastos sobre a população mais pobre e o meio ambiente natural. No âmbito nacional, esse fenômeno mundial acelerou os já crônicos problemas ambientais das cidades brasileiras, principalmente no que tange a:

1. Poluição dos recursos hídricos, ar e solo em decorrência da emissão de poluentes pelo setor industrial, agrícola, doméstico e de transportes. Além de poluição sonora e visual decorrente do apelo midiático-consumista que afeta as principais cidades do Brasil e do Mundo;

2. Aumento da mendicância, pobreza urbana e de assentamentos humanos subnormais (favelas) em decorrência da concentração de renda, ocasionando a perda de cobertura vegetal nativa, desmoronamentos e erosões do solo e proliferação de epidemias, devido a falta de saneamento básico e a insalubridade causada pela concentração espacial;

3. Aumento de tensões sociais, agrárias e urbanas na luta pelo acesso a terra e a moradia digna;

4. Incremento anual do número de automotivos per capita, ocasionando a  poluição do ar, a saturação da malha de circulação urbana, além do aumento de violência e mortes no trânsito;

5. Aumento do número de vazios urbanos aumentando e encarecendo a infraestrutura básica necessária para a maioria pobre nas periferias;

6. Especulação imobiliária aglomerando unidades habitacionais “energívoras” em bairros cada vez mais elitizados, demandando serviços que necessitam de infraestruturas permanentementes em detrimento da maioria dos bairros da cidade.

Parte dos principais problemas enfrentados pelas cidades brasileiras estão relacionadas a implementação de modelos urbanos, copiados de outras nações e incompatíveis com nossa realidade geográfica, sócio-cultural e, principalmente, climático-ambiental. O espaço urbano brasileiro é semelhante a uma colcha de retalhos, composta por aglomerações de alta densidade, abrigando bairros de elites urbanas e periferias insalubres de populações pobres, além de ter elevado número de vazios urbanos. É composta por desenhos urbanos inadequados que acabam por afetar a qualidade ambiental do ambiente construído. Isto gera impacto negativo sobre o conforto térmico·dos usuários destes ambientes em virtude da inadequação ambiental das edificações e da malha urbana, que são corrigidas com equipamentos mecânicos consumidores de vasta energia.

Além do alto consumo energético, o modelo de planejamento das cidades brasileiras é baseado na especulação imobiliária, consumismo e soluções centralizadoras e imediatistas de curto prazo, alicerçado no individualismo, no elitismo e na irresponsabilidade com o meio ambiente. Ou seja, a elite não consegue relacionar os seus atos de consumo e desperdício de recursos com os problemas ambientais que os afetam. Esse modelo consumista e massificado culturalmente pressiona ricos e pobres a consumir produtos acima de sua necessidade, sem a mínima racionalidade ambiental, fato que gera impactos e custos ambientais desnecessários.

Mais do que implantar a sustentabilidade urbana, devemos mudar a matriz energética dos centros urbanos, assim como, a concepção de mundo de seus habitantes respeitando as especificidades e identidades de cada região, sem agressões ao meio ambiente. Nesse sentido, a implementação de uma arquitetura sustentável baseada na adaptação climática local, enquanto célula da cidade, cumprirá triplo papel para a mudança do atual paradigma de desenvolvimento. Nesse sentido, reduzirá o consumo energético e rejeitos produzidos pelas edificações a partir do aproveitamento do potencial climático e reutilização de dejetos; contribuirá para mudança de mentalidade dos planejadores destes espaços, assim como, dos habitantes que se beneficiarão social, ecológica e economicamente das soluções propostas por este novo paradigma (Sattler, 2001, p. 06).

Quando analisamos o modelo fundiário brasileiro observamos que o mesmo favorece a segregação social e espacial, a especulação imobiliária e o alto consumo energético para seu funcionamento. No entanto, o país dispõe de boa legislação ambiental e urbana, ou seja, dispõe de zoneamentos urbanos, bons planos diretores, códigos ambientais e agendas 21 locais, que caso fossem aplicadas corretamente poderiam trazer benefícios significativos ao meio ambiente e a qualidade de vida urbana do País. Avante em prol de uma arquitetura e urbanismo sustentável! A adoção dos chamados “prédios verdes” pelo mercado imobiliário já é um importante passo nesse sentido. No entanto, mais do que aplicar certificações almejadas pelo mercado, devemos adotar uma arquitetura voltada para o clima local, uma verdadeira arquitetura bioclimática brasileira.