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A importância da gestão de contratos no controle de contingências

Publicado em: 03/03/2008Atualizado em: 12/11/2020

Gestão de contratos é o conjunto das técnicas, procedimentos, medidas e controles que visam à administração correta e eficaz de todas as variáveis envolvidas na contratação, desde a proposta negocial, passando pela negociação do contrato, discussão e redação de cláusulas, cautelas na formalização do contrato, até a execução, acompanhamento e entrega do trabalho – seja ele uma obra, um projeto, um serviço, ou qualquer outra prestação (aqui entendida a “prestação” no sentido de conteúdo da obrigação contratada).

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De fato, o cuidado com a gestão se aplica desde a fase pré-contratual, durante a fase contratual propriamente dita (entre a celebração do documento e o termo de recebimento da obra ou serviço) e inclusive na fase pós-contratual, após o encerramento formal do contrato, quando ainda subsistem deveres de garantias, sigilo de informações, assistência técnica, e outros. Tais deveres pós contratuais assumem importância não apenas jurídica mas, também, do ponto de vista do marketing e conservação da reputação do profissional, itens valiosos para o incremento das indicações e demanda de novos projetos.


Assim conceituada, a gestão de contratos apresenta-se como técnica instrumental necessária para a consecução de dois objetivos finais do profissional, prestador de serviços: (i) o controle das contingências, a saber, dos riscos envolvidos em todas as fases do contrato, orientando o gestor para as precauções necessárias à prevenção de riscos, transtornos, atrasos e, especialmente, em última análise, prejuízos; e (ii) a satisfação do cliente, seja com o resultado desejado do trabalho, física e materialmente considerado, seja com a conservação e valorização do relacionamento com o profissional, prestador do serviço, decorrente do reconhecimento de sua capacidade técnica e administrativa.


Cada profissional deve desenvolver sua própria técnica e métodos de controle para o gerenciamento de seus contratos e, mais que isso, de suas relações contratuais (conceito que abrange a qualidade do relacionamento entre as partes). A adaptação dos princípios gerais à realidade pessoal do profissional está diretamente relacionada à economia de tempo, que vem como decorrência da organização adequada de providências, documentos e tarefas. A sistematização dos procedimentos é, sem dúvida, um dos segredos da eficiência e segurança.


O profissional liberal – arquiteto projetista, engenheiro titular da construtora, designer de interiores, gerenciador de obras, decorador, etc. – muitas vezes se vê diante de diversos contratos em curso, desdobrando-se no acompanhamento e fiscalização de obras em diversos locais, com equipes diferentes e, o mais delicado: clientes diferentes, com os mais variados graus de exigência e compreensão da realidade do trabalho contratado. Tais circunstâncias exigem a conjugação da habilidade técnica com a relacional, para cujo sucesso um adequado sistema de gestão de contratos é fundamental.


As múltiplas formas de pagamento da remuneração devida, por exemplo, nos contratos de projeto e acompanhamento de obras, carecem de tratamento apropriado, pois a remuneração integral do contrato freqüentemente compõe-se se honorários técnicos mais comissões sobre os contratos terceirizados fechados com os fornecedores, cujo tratamento jurídico e legal é bastante diverso.


Nesse contexto de múltiplas necessidades e premências, muitas vezes as mais urgentes solapam as mais importantes e, não raro, o cuidado jurídico com as precauções contratuais, a antecipação de riscos, a prevenção de litígios com a eliminação de situações potencialmente controversas, entre outros, passa completamente despercebida, e só vem a ser notada, infelizmente, quando se apresenta iminente a desavença de interesses e entendimentos entre profissional e cliente, ou entre profissional e terceirizados, por exemplo.


É sabido que, na realidade dos escritórios e pequenas empresas brasileiras (às vezes, até em médias e grandes empresas), não há estrutura própria para um departamento jurídico que conheça as especificidades dos tipos contratuais próprios ao mercado da construção civil – há, de fato, poucos profissionais especializados nesse setor. A elaboração e revisão dos contratos é, no geral, entregue ao engenheiro ou arquiteto encarregado da obra, que avalia o contrato em seu foco profissional – o resultado pretendido – deixando de considerar os requisitos formais de validade para a constituição e implementação das obrigações contratuais, a preparação para o cenário de uma recuperação judicial do crédito em caso de inadimplemento, e tantos outros aspectos.


Os contratos licitados, firmados com a administração pública, agregam uma profusão de peculiaridades, decorrentes da legislação constitucional e administrativa. Em tais relações, destaca-se a supremacia do interesse público que freqüentemente subverte a ordem natural da execução das obrigações numa perspectiva isonômica, isto é, de igualdade e paridade contratual que permeia os contratos entre particulares, mas não prevalece nos contratos firmados com a administração pública.


A atenção do gestor de contratos e obras públicas deve ser redobrada, pois os princípios administrativos da publicidade, moralidade, eficiência, entre outros, exigem a documentação acurada de eventos e procedimentos. Além disso, o imperativo de adequação de todas as fases contratuais e procedimentos de acompanhamento e execução às previsões do edital, acrescem dificuldades, ainda mais quando o gestor, responsável pelo acompanhamento e execução do contrato, não participou da fase de discussão, elaboração e aprovação do edital, projeto básico, executivo, memoriais e, finalmente, do contrato em si.


Se bem que, nos contratos licitados, o quesito “satisfação do cliente” pode ser mitigado, até como decorrência do princípio da impessoalidade que rege a administração pública, não se pode perder de vista que a possibilidade de aplicação auto-executável de penalidades por descumprimento parcial ou total de obrigações contratuais torna imprescindível o melhor controle possível da execução dos contratos, para garantir o recebimento integral das parcelas contratadas nas medições periódicas. O Poder Judiciário está abarrotado de causas, às vezes milionárias, de construtoras que reclamam prejuízos havidos com o atraso ou negativa de pagamento de parcelas devidas, em razão de controvérsias nas medições, ausência de documentação e clareza de critérios, despreparo do gestor do contrato, entre outros. A discussão judicial costuma durar muitos anos e não são raros os casos de construtoras que faliram durante a espera.


O profissional da construção civil, notadamente o engenheiro e o arquiteto que assumem a responsabilidade técnica têm sobre si pesado encargo técnico e jurídico. O encargo técnico dispensa mais comentários pois profissional é preparado para tais desafios e os tem em foco, desde a formação acadêmica, até o aprendizado da experiência acrescido da necessária atualização profissional, que deve ser contínua na carreira. O encargo jurídico decorre da responsabilidade legal do profissional, nas esferas cível, penal e administrativa, todas elas agravadas pelo fato de que o responsável técnico responde não apenas por si mas também sobre o serviço ou a obra integralmente considerados, incluindo todos os fatores e colaboradores que concorrem para a execução.


O gestor do contrato deve fiscalizar a solidez e segurança da obra, a qualidade dos materiais, o atendimento dos prazos, o trabalho dos prestadores de serviço (que, muitas vezes, não foi ele quem contratou), o cumprimento de encargos fiscais, trabalhistas e previdenciários, o atendimento às normas de segurança do trabalho, a regularidade de pagamentos, e tantos outros itens. Deve não apenas verificar eventuais desconformidades como atuar para que sejam corrigidas.


O enfrentamento de todo esses desafios e encargos é possível, contanto que o profissional se prepare, não apenas para a constante evolução técnica das diversas áreas da construção civil, mas também para as precauções contratuais e as técnicas de controle e administração de contratos e relações contratuais. Um contrato claro, abrangente e bem redigido, acompanhado de procedimentos de controle, acompanhamento, registro e documentação de tarefas e incidentes constituem, sem dúvida, uma importante ferramenta para que a conclusão bem sucedida de uma bela obra ou projeto seja coroada por bons resultados financeiros e incremento do relacionamento com o cliente.