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Água de reúso é alternativa para usos não potáveis

Em condomínios residenciais e comerciais, ela pode ser utilizada na lavagem de pisos e irrigação de jardins. Solução demanda projeto e operação bem executados

Publicado em: 11/02/2015Atualizado em: 17/10/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Irrigação

A crise hídrica que atinge principalmente a porção Sudeste do Brasil tem elevado o interesse sobre alternativas capazes de garantir o abastecimento mesmo em tempos de baixa nos reservatórios. Uma dessas soluções é o reaproveitamento das chamadas águas residuais (ou residuárias). Esses volumes, considerando as atividades realizadas no âmbito doméstico e comercial, correspondem aos efluentes gerados na utilização de lavatórios, pias, chuveiros, bacias sanitárias e máquinas de lavar.

O reúso dos efluentes, após processos de descontaminação e tratamento, é possível em atividades que não exigem água potável, e contribui para a conservação dos recursos hídricos. As aplicações em empreendimentos residenciais e comerciais são diversas, como elenca a engenheira Sibylle Muller, diretora da AcquaBrasilis: irrigação de jardins, lavagem de pisos, descarga em bacias sanitárias, reposição de espelhos d'água e até mesmo em sistemas de ar condicionado.

O custo do sistema é determinado por variáveis como o local da edificação, a vazão da água e a tecnologia escolhida para tratamento dos efluentes
José Mierzwa

VIABILIDADE

A viabilidade de implantação de um sistema de reúso de águas residuais ocorre principalmente em empreendimentos novos. Ainda no projeto pode-se prever as tubulações e os espaços necessários para colocação de tanques de tratamento e de armazenamento. Em função das modificações exigidas nas instalações hidráulicas e da necessidade de local específico para a central de tratamento, a implantação em edificações prontas exige avaliação criteriosa.

“O custo do sistema é determinado por variáveis como o local da edificação, a vazão da água e a tecnologia escolhida para tratamento dos efluentes”, cita o engenheiro José Carlos Mierzwa, diretor técnico do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra) e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). O retorno do investimento é obtido com a economia no consumo de água da concessionária e com a redução na utilização da rede de esgoto. Outro ganho, destaca Mierzwa, é a possibilidade de contar com fonte contínua de abastecimento.

"Esse tipo de proposta geralmente é viável para empreendimentos de maior porte: shopping centers, condomínios de apartamentos ou de casas. Na escala residencial, a reutilização individual é muito arriscada, pois o proprietário pode desconhecer a necessidade de tratamento e controle da qualidade da água, e acabar contribuindo para a proliferação de doenças de veiculação hídrica", pondera o especialista do Cirra.

O tratamento físico-químico depende da dosagem de uma série de produtos. É preciso monitorar as quantidades e a formação de lodo no reservatório. O lodo deve ainda ser separado e encaminhado para disposição em aterro sanitário
José Mierzwa

PROJETO

“O balanço hídrico do empreendimento é ponto de partida do projeto do sistema de reaproveitamento de águas residuais”, informa Sibylle, da AcquaBrasilis. No estudo são determinados os volumes necessários de água potável e não-potável do condomínio. "A partir daí projetam-se tubulações separadas de coleta para as águas cinzas ou para os efluentes que serão tratados para a reutilização. Essas tubulações levam as águas já usadas para uma central de tratamento", detalha a profissional. Finalizado o processo de tratamento, as águas são conduzidas por prumadas separadas da rede de água potável para os pontos de consumo.

Ponto importante nas definições de projeto é sobre os efluentes que serão reaproveitados. O mais usual, segundo Mierzwa, é captar somente as águas cinzas, que são aquelas provenientes do chuveiros, lavatórios e máquinas de lavar. As águas negras – compostas pelo esgoto da bacia sanitária e da pia da cozinha – também são passíveis de reúso, desde que sejam especificados sistemas de tratamento compatíveis com a alta carga de contaminantes – biológicos e orgânicos – que elas apresentam.

Confira também:

Projetos de reuso de águas

Sistema para aproveitamento de água da chuva

Filtro para tratamento de água

TRATAMENTO

Sistemas físico-químico e biológico estão entre os mais comuns encontrados no mercado para o tratamento das águas de reúso, informa o diretor técnico do Cirra. "Atualmente existe também a tecnologia MBR (Biorreatores com Membranas Submersas). É o que produz água de melhor qualidade, tanto do ponto de vista microbiológico quando da matéria orgânica. As membranas são uma barreira efetiva para bactérias, vírus e protozoários.”

Mais simplificados, os processos físico-químicos são indicados apenas para o tratamento das águas cinzas. "O problema é que os contaminantes que não estão na forma particulada – a ureia, por exemplo – não são eliminados", explica Mierzwa. Parte da carga orgânica ainda permanece no reservatório, contribuído para a formação de limo e mau cheiro. Por isso, diz o especialista, a água tratada no processo deve ser consumida em até um dia. Sistemas biológicos associados a processos físico-químicos são apropriados para o tratamento do esgoto bruto.

O encanamento não pode ser misto em hipótese alguma. Cada tipo de água deve ter sua rede exclusiva
Márcio Oliveira

CONTROLE E MANUTENÇÃO

Embora tenham destinações não-potáveis, os volumes residuais devem ter sua qualidade monitorada. Ainda não existe no Brasil normalização sobre o assunto. Mesmo assim, afirma Marcio Oliveira, vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-SP), é preciso “garantir parâmetros razoáveis para se ter contato manual com essa água".

De acordo com Sibylle Muller, análises periódicas podem ser feitas a fim de controlar a qualidade dos efluentes tratados. "A frequência dessas análises é variável, desde mensal até semestral, dependendo do tamanho do sistema e do tipo de aplicação da água de reúso.” Diante da falta de diretrizes nacionais, a AcquaBrasilis, por exemplo, opta em seus projetos pelos parâmetros da norma de aproveitamento de água de chuvas, a NBR 15527:2007. "Como a norma só aborda os aspectos microbiológicos e de sólidos sedimentáveis, acrescentamos parâmetros sobre a carga orgânica como recomendação ao responsável pelo sistema".

A operação envolve ainda o monitoramento do sistema de tratamento e a disposição de resíduos oriundos desses processos. "O tratamento físico-químico depende da dosagem de uma série de produtos. É preciso monitorar as quantidades e a formação de lodo no reservatório. O lodo deve ainda ser separado e encaminhado para disposição em aterro sanitário", exemplifica Mierzwa.

É BOM SABER

Preocupação importante no projeto e na operação do sistema é evitar a contaminação da água potável pelas águas de reúso. “O encanamento não pode ser misto em hipótese alguma. Cada tipo de água deve ter sua rede exclusiva”, alerta Márcio Oliveira, da Abes-SP. As diferentes prumadas, orienta Sibylle Muller, devem ser identificadas por cores, de forma a diferenciá-las. Em um projeto desenvolvido pelo Centro Internacional de Referência em Reúso de Água para um condomínio de casas em São Paulo, a etapa final do tratamento inclui a dosagem de um corante. “Isso serve para orientar as pessoas que aquela é uma água de reúso. Se alguém fizer uma ligação errada, logo irá perceber que ela não é apropriada ao consumo humano”, diz Mierzwa, diretor técnico do Centro.

Colaboraram para esta matéria

José Carlos Mierzwa – Possui pós-doutorado na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard (2011), livre docência na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) (2009), doutorado em Engenharia Civil pela USP (2002), mestrado em Tecnologia Nuclear pela USP (1996) e graduação em Engenharia Química pela Universidade de Mogi das Cruzes (1989). Atualmente é professor pesquisador da USP. Tem experiência na área de engenharia sanitária, com ênfase em engenharia sanitária e ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: água, reúso, tratamento, efluentes, conservação, planejamento, gestão e qualidade ambiental e produção mais limpa. Atua também no desenvolvimento de projetos de sistemas de tratamento de água e efluentes e processos de separação por membranas. Em 2011, iniciou uma colaboração com a Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard para síntese e modificação de membranas poliméricas com a utilização de nanomateriais para aplicação em tratamento de água e efluentes.
Marcio Oliveira – Vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-SP). Formado em Matemática e Engenharia Civil, atua no ramo do saneamento há mais de 26 anos em empresa operadora em sistemas de água e esgoto. Vem desenvolvendo atividades voltadas à redução de perdas e à melhoria na operação de sistema de esgotamento sanitário, inclusive com resultados positivos em despoluição de córregos na capital paulista.
Sibylle Muller – Engenheira civil, formada e com mestrado pela Escola Politécnica da USP. Em 2001, fundou a AcquaBrasilis Meio Ambiente Ltda., da qual é diretora. A empresa atua no âmbito do tratamento e reúso de águas, águas cinzas e esgotos, bem como de aproveitamento de águas de chuva, desde o projeto até a instalação. Em 2014, fundou a empresa AcquaFix Ambiental Ltda, que realiza a operação de estações de tratamento de efluentes de empreendimentos como shopping centers, por exemplo.