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Simulações Computacionais Higrotérmicas de Edificações

Adriana Camargo de Brito, Fernanda Belizario Silva, Alexandre Cordeiro dos Santos, Maria Akutsu, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

Publicado em: 29/03/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

Diagrama conforto térmico
Fonte: WUFI® - https://wufi.de/en/software/wufi-plus/

29/03/2022 | 15h00 - Umidade em edificações

A presença de umidade em habitações está associada tanto à durabilidade das edificações, quanto ao surgimento de bolores em superfícies internas, que podem colocar a saúde das pessoas em risco.

A norma brasileira de desempenho de edifícios, ABNT NBR 15575 (Partes 1, 3, 4 e 5), estabelece ensaios para avaliação da estanqueidade à água de paredes e coberturas, simulando situações de exposição ao vento e à chuva. Também há ensaios referentes à permeabilidade à água de paredes de áreas molháveis e à estanqueidade de pisos de áreas molhadas e lajes de cobertura submetidas à lâmina d’água. Além disso, há fatores qualitativos quanto à análise de projetos para redução do risco de eventuais infiltrações de água.

Todavia, a norma destaca a avaliação da presença de água em sistemas apenas em sua forma líquida, desprezando outros processos como o transporte de vapor d’água. A consideração desses fatores pode ser importante, especialmente, na análise de sistemas construtivos inovadores, que contenham materiais suscetíveis à degradação por umidade, tais como a madeira (que pode sofrer biodegradação quando úmida) e o aço (que pode sofrer corrosão).

Atualmente, há muitos relatos de ocorrências de manifestações patológicas construtivas relacionadas à umidade em edificações habitacionais, como bolores. Tais relatos tem sido frequentes em edifícios construídos com sistemas construtivos inovadores, notadamente com paredes de concreto. Nesse contexto, o Sistema Nacional de Avaliações Técnicas – SINAT adotou um método para avaliar o risco de ocorrência de condensação superficial de vapor d’água em paredes internas de habitações como uma primeira tentativa de reduzir a incidência desses problemas em edificações habitacionais.

Entretanto, uma habitação com baixo risco de apresentar condensação superficial de vapor d’água em paredes não necessariamente estará livre da ocorrência de bolores, visto que isto depende da combinação de fatores como substrato, faixas de temperatura e umidade ideais durante determinado período de tempo, para proporcionar sua germinação e crescimento – o que não é levado em consideração no método que consta da Diretriz SINAT. Além disso, os elementos construtivos podem armazenar umidade que, dependendo de suas características, pode causar ainda sua degradação, fator também não abordado.

Simulações computacionais do comportamento higrotérmico de elementos construtivos

No Hemisfério Norte, a necessidade de melhorar a eficiência energética das edificações com uso de envoltórias estanques e altamente isoladas termicamente levou a preocupações quanto ao aumento da umidade no interior dos ambientes e consequente surgimento de patologias (FRAUNHOFER IBP, 2019). Além disso, há também a preocupação dos elementos construtivos acumularem umidade, pois a água acumulada pode congelar em períodos muito frios, causando danos mecânicos e a degradação de tais elementos. Por esse motivo, em locais com clima frio, as simulações higrotérmicas são mais comumente utilizadas e já estão em nível mais avançado, inclusive sendo utilizadas para comprovações normativas.

Para avaliar a presença de umidade em edificações, é importante considerar de forma conjunta o transporte de calor e umidade, considerando regime transiente de trocas higrotérmicas, visto que os fenômenos são indissociáveis e variam ao longo do tempo (KUMARAN, 2009). Isso torna necessária a utilização de softwares com algoritmos robustos, capazes de efetuar esse tipo de cálculo de forma precisa.

Além disso, os materiais locais precisam ter suas propriedades higrotérmicas bem caracterizadas, de modo a fornecer resultados adequados nas simulações. Os programas mais usados no Exterior já dispõem de bases de dados de materiais com essas características, como, por exemplo: a densidade, a porosidade, a condutividade em função da umidade, o calor específico, a função de armazenamento de umidade (se for o caso), o coeficiente de difusão de vapor d’água (em função da umidade) e o coeficiente de transporte capilar (que pode ser estimado a partir do coeficiente de absorção de água por capilaridade).

Possibilidades das simulações higrotérmicas

Com o uso de simulações higrotérmicas, são abordados mais aspectos do que em comparação com as simulações tradicionais voltadas às análises de eficiência energética de edifícios. As simulações permitem verificar o risco de ocorrência de condensação superficial e intersticial (capilar), bem como os teores de umidade de cada camada do elemento construtivo ao longo do tempo, possibilitando identificar a adequação desses valores àqueles considerados aceitáveis para cada tipo de material, evitando-se situações que possam resultar em eventual degradação.

Essa é uma ferramenta computacional poderosa que, se for bem utilizada, pode complementar informações obtidas por ensaios e análises de projeto na avaliação do comportamento de sistemas construtivos expostos à umidade (BOMBERG; SHIRTLIFFE, 2009). Na Figura 1, são apresentados exemplos de resultados obtidos quanto ao teor de umidade da fachada de uma edificação habitacional, localizada na cidade de São Paulo, com paredes de concreto, para duas opções de orientação solar, norte e sul, obtidos com a utilização dos programas EnergyPlus e WUFI-Pro.

Gráfico
Figura 1 – Teor de umidade total em fachada de habitação ocupada e ventilada naturalmente, com parede de concreto, para duas opções de orientação solar, norte e sul

Outra possibilidade é a análise do potencial de ocorrência e proliferação de fungos emboloradores em superfícies de paredes internas. Essa análise é feita por meio de programas de pós-processamento atrelados aos programas de simulação higrotérmica. Há vários modelos para prever o crescimento de bolores, dos quais é possível destacar o Bio-higrotérmico (SEDLBAUER, 2001), incorporado no software WUFI-BIO, desenvolvido pelo Instituto Fraunhofer de Física das Construções (Alemanha).

Esse software proporciona o cálculo do balanço de umidade no interior dos esporos dos bolores, a partir de dados inseridos pelo usuário quanto à temperatura superficial da parede e umidade relativa do ar (obtidos dos programas de cálculo higrotérmico, como WUFI e EnergyPlus), o teor de umidade inicial nos esporos e a classe do substrato.

Como dados de saída, é possível observar o teor de umidade no esporo, o crescimento de micélios em milímetros ou o índice de crescimento de micélios. Na Figura 2, é apresentado um exemplo de resultado, indicando o teor de umidade no esporo e o índice de crescimento de micélios para a mesma habitação considerada na Figura 1, com e sem ocupação, com duas opções de ventilação (somente por frestas ou por ventilação natural proporcionada pela abertura das janelas). Esses resultados se referem a revestimentos internos de paredes em materiais Classe I, que são biodegradáveis, como papeis de parede, por exemplo.

Gráfico
Figura 2 – Teor de umidade total nos esporos de bolores localizados nas superfícies internas de fachadas de habitação com paredes de concreto em São Paulo. As “luzes de semáforos” indicam o risco de ocorrência de fungos emboloradores

Considerações Finais

Atualmente, já é possível realizar simulações higrotérmicas para avaliações do comportamento de edificações no Brasil, com grande potencial de contribuir para a identificação de problemas em edifícios já construídos ou para análise de edifícios em fase de projeto e tomada de decisões para se evitar problemas relacionados à umidade.

Entretanto, no contexto nacional, ainda há várias questões a serem resolvidas, tais como:

1) Treinamento na utilização desse tipo de ferramenta, para orientar a seleção do algoritmo para realizar as simulações, que precisa considerar regime transiente de trocas térmicas, bem como a correta inserção dos dados nos softwares de simulação higrotérmica (dados incorretos de entrada geram resultados que não são confiáveis e podem levar a decisões de projeto equivocadas);

2) Determinação de características higrotérmicas dos materiais de construção brasileiros, visto que as bases de dados desses programas se referem a materiais estrangeiros, os quais nem sempre correspondem ao comportamento higrotérmico dos materiais nacionais;

3) Adequação dos arquivos climáticos utilizados, que nem sempre tem dados de chuva e vento no formato requerido pelos softwares de simulação higrotérmica. Tais dados são essenciais para consideração da chuva dirigida, que causa a absorção da água líquida por capilaridade em fachadas;

4) Desenvolvimento de normas específicas para simulação higrotérmica de edificações brasileiras, que considerem questões relacionadas tanto à proliferação de fungos em superfícies internas, quanto à durabilidade de materiais e componentes que sofrem algum tipo de deterioração decorrente da exposição à umidade.

REFERÊNCIAS 

ABNT. ABNT NBR 15575-1 - Edificações habitacionais - Desempenho. Rio de Janeiro, 2021.

BOMBERG, M. T.; SHIRTLIFFE, C. J. Hygrothermal characteristics of materials and components used in building enclosures. In: TRECHSEL, H. R.; BOMBERG, M. T. (eds.). Moisture Control in Buildings: The Key Factor in Mold Prevention. 2nd ed. West Conshohocken: ASTM International, 2009. p. 16–36. DOI 10.1520/MNL18-2ND-EB. Available at: http://www.astm.org/doiLink.cgi?MNL18-EB.

FRAUNHOFER IBP. Material didático do seminário básico sobre o WUFI. Holzkirchen, 2019.

KUMARAN, M. K. Fundamentals of transport and storage of moisture in building materials and components. In: TRECHSEL, H. R.; BOMBERG, M. T. (eds.). Moisture Control in Buildings: The Key Factor in Mold Prevention. 2nd ed. West Conshohocken: ASTM, 2009. p. 1–15.

SEDLBAUER, K. Prediction of Mould Fungus Formation on the Surface of and Inside Building Components. Holzkirchen: Fraunhofer Institute for Building Physics, 2001.

SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÕES TECNICAS. Diretriz para Avaliação Técnica de sistemas construtivos em paredes de concreto armado moldadas no local. N⁰ 001. Revisão 03. Brasília, 2017.

Colaboração técnica

 
Adriana Camargo de Brito — Doutora em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (USP) Mestre em Tecnologia do Ambiente Construído pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e arquiteta formada pela Universidade Paulista (UNIP). Trabalha no Laboratório de Conforto Ambiental do IPT desde 2006, atuando em avaliações e consultorias nas áreas de desempenho térmico, acústico, lumínico e ergonômico de edifícios. Também é docente do curso de Mestrado em Habitação do IPT.
 
Alexandre Cordeiro dos Santos — Mestre em Habitação: Planejamento e Tecnologia pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de SP (2019), Bacharel em Engenharia Civil pela Universidade Nove de Julho (2014) e Graduado em Tecnologia de Construção de Edifícios pelo IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (2009). Participou do Programa de Desenvolvimento e Capacitação no Exterior (PDCE) do IPT (2014/2015), na FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) onde aperfeiçoou seu conhecimento em simulação higrotérmica computacional. Atualmente é assistente de pesquisas do IPT.
 
Fernanda Belizario Silva — Engenheira Civil, Doutoranda na Universidade de São Paulo e Pesquisadora do Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, IPT.
 
Maria Akutsu — Formada em Física pelo IFUSP, tem Mestrado pela EPUSP e Doutorado pela FAUUSP, atua na área de Conforto Ambiental desde 1975 no IPT, desenvolvendo trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, bem como de prestação de serviços tecnológicos e como docente no curso de Mestrado Profissional. Foi docente também em várias Instituições de Ensino e é colaboradora no desenvolvimento de Normas Técnicas na área de Desempenho das Edificações e na avaliação de Projetos de Pesquisa junto aos diversos órgãos de fomento do País.