menu-iconPortal AECweb

Construir em terreno com solo mole: como fazer?

Elizabeth Siqueira, aluna de pós-graduação (especialização) em Investigação do Subsolo: Geotecnia e Meio Ambiente do IPT, Gisleine Coelho de Campos, Pesquisadora do IPT

Publicado em: 25/08/2021

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

26/07/2021 | 09h15 - Com o crescimento demográfico e a construção de grandes obras da engenharia moderna, muitos sítios nobres, com solos mais resistentes, homogêneos, pouco deformáveis e erodíveis, já foram ocupados; com isso, regiões menos valorizadas se tornaram as únicas opções disponíveis para as novas construções.

A fim de conviver com as situações adversas do solo, tais como elevada deformabilidade, erodibilidade e baixa resistência, novas soluções geotécnicas se tornaram necessárias para viabilizar a construção, em especial de habitações unifamiliares, onde o uso de fundação direta normalmente representa uma solução de baixo custo, comparativamente às demais soluções técnicas de projeto possíveis.

Veja também: Motoniveladora New Holland RG 140b preço

A fundação direta, no aspecto econômico, é atraente para esses tipos de habitações pois, para ser executada, não requer a utilização de equipamentos e mão de obra especializada. Todavia, se não for bem dimensionada e executada, e se o solo não for resistente o suficiente para absorver suas tensões, pode resultar em recalques elevados ou rupturas súbitas, e consequente comprometimento de sua integridade estrutural e segurança.

Neste cenário e considerando-se os diversos estudos já desenvolvidos com materiais geossintéticos, fez-se um estudo, em escala laboratorial, para avaliar os efeitos do geossintético, mais particularmente das geogrelhas, no comportamento de fundações diretas do tipo sapatas.

Define-se como fundação direta ou rasa aquela em que as cargas da edificação são transmitidas ao solo logo nas primeiras camadas. Para isso ocorrer, é necessário que o solo, em suas camadas superficiais, tenha resistência suficiente para suportar o carregamento.

ENSAIOS EM MODELOS REDUZIDOS

No laboratório, montaram-se modelos reduzidos, conforme indicado na Figura 1. A Figura 2 mostra um esquema simplificado do modelo físico, usando-se camadas de 2 cm de areia fina compactadas, com densidade relativa de γ=14 kN/m³; dispostas sobre uma espuma (colorida verticalmente com diferentes cores em camadas de 2 cm para melhor visualização da deformação do solo mole simulado), e empregando-se, em alguns casos, geogrelha, como elemento de reforço na base do aterro, visando elevar a capacidade de suporte do conjunto.

Para simular um aterro sobre solo mole, foram utilizados os materiais mostrados na Figura 3. Uma espuma plana com densidade igual a 0,27 kN/m³, cujas dimensões foram 50 cm x 50 cm x 12 cm. Para aplicação da carga foi adotado um sistema composto por massas padronizadas, totalizando 0,18 kN, um relógio comparador devidamente calibrado, e uma placa de aço rígida de 10 cm x 15 cm x 1 cm com uma haste de aço fixada em seu centro, simulando uma sapata associada, simétrica. Em torno da placa de prova não havia outras cargas aplicadas no terreno. A transmissão de carga se deu verticalmente no centro da placa, garantindo a não produção de choques e trepidações durante a execução das provas de carga. As medições dos recalques foram feitas à medida que as cargas eram aplicadas.

Construir em terreno com solo mole

As geogrelhas são produtos manufaturados pela indústria, sendo constituídos de materiais distintos, em formatos variados e com diferentes preenchimentos no campo; podem ser usadas normalmente para reforço de estruturas de solo por possuírem elementos com grande resistência e rigidez à tração, permitindo um aumento na resistência do solo. Portanto, proporcionam um aumento na capacidade de carga do solo, reduzindo os recalques da fundação. Usualmente são dispostas sobre o solo a fim de absorver os carregamentos provenientes da superfície e redistribuí-los com menor intensidade às camadas subjacentes.

Segundo Bathurst (2018), “o geossintético atua como elemento de reforço inserido no solo ou em associação com o solo para a melhoria das propriedades de resistência e de deformação do solo natural”. Para que a geogrelha desempenhe o seu papel de reforço do solo, é necessário não somente o dimensionamento correto dos esforços solicitantes de projeto, mas a sua correta especificação, considerando todas as suas propriedades relevantes, como resistência à tração, elongação sob tração, taxa de deformação, módulo de rigidez à tração, comportamento em fluência, resistência a esforços de instalação, resistência à degradação ambiental, interação mecânica com o solo envolvente e fatores de redução.

Duas situações diferentes foram estudadas em laboratório: a primeira, indicando um projeto original com sapata associada, de base retangular, apoiada sobre o aterro de areia compactada sobre o solo mole (Figura 4), e a segunda indicando sapata associada apoiada em aterro de areia compactada sobre o solo mole reforçado com geogrelha (Figura 5).

Construir em terreno com solo mole

Nos ensaios físicos, a sapata foi recebendo carregamento de 0,02 kN em cada estágio. Os recalques foram lidos imediatamente após a aplicação destas cargas e após intervalos de tempo, sucessivamente dobrados (0, 2, 4, 8 minutos). O ensaio teve a duração de 8 horas, e em virtude da logística do laboratório, e percebendo-se que os recalques se desenvolveram em 8 minutos, foram arbitrados os tempos de 8 e 5 minutos, para carregamento e descarregamento, respectivamente. Para essas leituras foram adotadas como referência a norma NBR 6489:2019 – Solo – Prova de carga estática em fundação direta.

As medições dos recalques foram feitas com um relógio comparador, sendo adotado para este trabalho geogrelha com as dimensões da malha adaptadas para o protótipo, já que o geossintético com as mesmas dimensões da malha de abertura usada em campo não cumpriu sua função de reforço, visto que, quando comparadas as medições dos ensaios, sem e com geogrelha, tiveram variações ínfimas de recalque.

A Figura 6 mostra, por meio da curva tensão x recalque, o resultado dos ensaios de capacidade de carga em solos reforçados com geogrelhas, cujas medições foram feitas em cada estágio de carregamento, para duas situações simuladas e analisadas. Na primeira, observou-se a ruptura do aterro sem nenhum tipo de reforço já nos primeiros estágios de carregamento. Na segunda, com uso de geogrelhas, não ocorreu a ruptura e os recalques acumulados foram reduzidos, para os mesmos níveis de tensões. Cabe destacar que o tempo de aplicação dos carregamentos foi o mesmo em ambos os casos.

Para melhor visualizar os recalques, a altura da camada do solo foi selecionada de forma a permitir a visualização do bulbo de tensões abaixo da placa e, assim, com a aplicação de cargas sobre a sapata associada, foram medidos os deslocamentos. Com o ensaio pretendido mostrou-se que a geogrelha é uma solução tecnicamente viável, quando comparada com o solo sem reforço, visto que permitiu um ganho da ordem de 25% na capacidade de carga. Este aumento ocorreu porque sua malha de abertura permitiu um maior contato e ancoragem no meio inserido, proporcionando uma maior resistência do solo.

Construir em terreno com solo mole

CONCLUSÕES 

O geossintético pode ser utilizado como reforço de fundação e a sua escolha deve ser pautada nas suas propriedades mais relevantes como, por exemplo: resistência à tração, durabilidade, mecanismos de interação com o solo e níveis máximos de deformação, exigindo estudos diferenciados para cada tipo de aplicação.

Nos ensaios em modelo físicos realizados, ao término do carregamento total, transcorridas 8 horas, inferiu-se um melhor desempenho do solo reforçado com uma camada de geogrelha, pois comparando os resultados obtidos, o solo com reforço apresentou deformação na sapata inferior a 10 mm para uma carga aplicada de 0,6 MPa, enquanto no solo sem reforço, essa deformação ultrapassou os 20 mm para o mesmo carregamento.

Apesar de algumas limitações inerentes ao uso do modelo físico e, também, do pequeno número de ensaios até o presente momento, os resultados apresentados no laboratório apontam tendência de redução de deslocamentos, e melhora na capacidade de suporte do aterro com a inclusão da geogrelha.

Ainda pouco explorado para uso como reforço de fundação direta por sapatas, o uso do geossintético desponta como elemento de possível melhoria na capacidade de suporte do solo, conferindo maior resistência e redução dos recalques no solo e, portanto, aumentando o fator de segurança do projeto.

Embora ainda sejam escassas as normas técnicas e diretrizes que tratem do tema, há pesquisas e artigos técnico-científicos que abordam o emprego das geogrelhas nesse tipo de aplicação, podendo vir a ser uma alternativa técnica e economicamente viável para a edificações em áreas onde predominam os solos moles.

REFERÊNCIAS 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6489: Prova de carga direta sobre terreno de fundação. 1 ed. São Paulo: ABNT, 1984. 2 p.

BATHURST, R. J. Funções dos Geossintéticos. Internacional Geosynthetics Society – IGS. Traduzido por Karla C.A.P. Maia. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2020.

Colaboração técnica

 
Elizabeth Siqueira — Engenheira Civil pela Universidade de Uberaba (2015) e Jornalista pela Universidade Anhembi Morumbi (2002), com Especialização pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC (2008), em Gestão Integrada de Qualidade, Meio Ambiente, Segurança e Saúde no Trabalho. De 2004 a 2012, atuou como Assistente do Controle da Qualidade. De 2012 a 2019, atuou como Orçamentista. Hoje atua como Analista de Orçamento e de Planejamento.
 
Gisleine Coelho de Campos — Engenheira Civil pela Universidade de São Paulo (1990), com Mestrado e Doutorado em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo (1997 e 2002, respectivamente), na área de Geotecnia. Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), atua também como professora e orientadora dos cursos de pós-graduação ofertados por esse mesmo Instituto. Realiza trabalhos na área de Geotecnia, com ênfase em Fundações e Escavações, tendo experiência no desenvolvimento de pesquisas e serviços técnicos especializados em fundações por estacas, instrumentação de obras geotécnicas, investigação geológico-geotécnica, ensaios em modelos reduzidos, inspeções técnicas de obras de infraestrutura e em temas relacionados à engenharia urbana e riscos. Atualmente é coordenadora do Programa de Mestrado Profissional em Habitação do IPT, responsável técnico do IPT – OIA (Organismo de Inspeção Acreditada de Obras de Infraestrutura) e membro da Comissão Técnica de Infraestrutura da ABRAC.