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O que faz o profissional de assistência técnica na construção?

Da preparação do manual do proprietário, passando pela entrega da unidade e áreas comuns para os clientes até a gestão de reformas e a avaliação pós-ocupação, pessoal de pós-obra se divide em várias frentes de trabalho

Publicado em: 11/04/2022

Texto: Eric Cozza

foto de uma profissional da construção, devidamente protegida com equipamentos de segurança, e um homem ao lado escuta o que ela diz, vestido com um macacão branco e uma escada a sua frente
Visto por alguns profissionais do setor como um departamento de custos indesejáveis, área pode ser decisiva na retroalimentação das construtoras, investigando as causas dos problemas e apontando melhorias nos processos (Foto: Shutterstock)

O profissional da área de assistência técnica em construtoras, por vezes, sofre preconceito de alguns colegas ao ser chamado de “engenheiro de obra feita” – expressão pejorativa que designa uma pessoa que critica apenas o resultado final de um determinado trabalho, sem ter colaborado em nada para que o sucesso fosse alcançado. Nada mais injusto.

Afinal, quem fica frente a frente com os clientes, peritos, advogados, síndicos e administradores prediais para atender reclamações e ações judiciais, muitas vezes derivadas de falhas de projeto ou execução? Exatamente o pessoal de pós-obra, cuja responsabilidade sobre os eventuais defeitos construtivos costuma ser nula.

Trata-se de um profissional com duas frentes principais de trabalho: manter os clientes satisfeitos e melhorar os processos executivos da companhia
Enga. Josiane Marcelino, gerente de assistência técnica e membro do Grupo de Trabalho de Pós-Obra e Assistência Técnica do SindusCon-SP


A visão sobre os profissionais de assistência técnica, aos poucos, vem se alterando, principalmente nas melhores empresas do mercado, capazes de enxergar os ganhos, por exemplo, na retroalimentação dos processos com a investigação da causa-raiz dos problemas.

“Trata-se de um profissional com duas frentes principais de trabalho: manter os clientes satisfeitos e melhorar os processos executivos da companhia”, afirma a Enga Josiane Marcelino, gerente de assistência técnica e membro do Grupo de Trabalho de Pós-Obra e Assistência Técnica do SindusCon-SP. “Geralmente, trabalha com um acervo histórico riquíssimo, com a identificação das origens e causas dos problemas. A partir daí, a construtora pode aprimorar procedimentos e reduzir custos”, completa.

A atuação da assistência técnica pode ser dividida, segundo Josiane, em diferentes etapa 

  • Projetos: com a compilação de dados, retroalimenta a construtora/incorporadora com informações precisas sobre os erros e acertos da concepção do produto;
  • Suprimentos: também retroalimenta as áreas de compras e o jurídico quanto às contratações e garantias; 
  • Construção: com visitas periódicas às obras, avalia os processos de execução dos sistemas, de acordo com os dados históricos coletados;
  • Transição: participa do processo de entrega da obra, garantido a conclusão efetiva dos sistemas. Promove a análise das documentações e dos manuais técnicos; 
  • Implantação: participa da Assembleia Geral de Instalação (AGI), com apresentação ao síndico e à administradora, buscando firmar relações. Oferece suporte ao condomínio, auxiliando na sua implantação e orientando sobre o funcionamento, uso e manutenções;
  • Entrega: realiza, em conjunto com a obra, a entrega do empreendimento (comissionamento), orientando de forma efetiva o funcionamento da edificação quanto ao uso, operação, manutenção e garantias;
  • Assistência técnica: atendimento ao cliente quanto às solicitações de ocorrências em unidades e áreas comuns.

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Área de assistência se envolve em momentos decisivos na relação dos clientes e condomínios com as construtoras e incorporadoras (Conteúdo e ilustração: Enga. Lilian Sarrouf)
A cultura equivocada das obras pode induzir o profissional da assistência a procurar somente a solução mais rápida, cumprindo apenas o papel de ‘apagar incêndios’, sem buscar, de fato, a resolução dos problemas de projeto e/ou execução
Eng. Alexandre Luis de Oliveira, diretor técnico e sócio da InDia®

Mas, afinal, com tantas atribuições, quais são os requisitos necessários para os profissionais que atuam na assistência das construtoras e incorporadoras? 

Competências e habilidades do profissional da assistência técnica

1) Formação e rigor técnico 

Graduação em engenharia civil, arquitetura ou tecnologia em construção de edifícios costuma ser pré-requisito para atuar na área de assistência técnica. A interação com as áreas de projeto, construção e suprimentos, além das funções investigativas, de solicitação de testes e acionamento de fornecedores demandam formação específica. 

 A vivência em obras também é bem avaliada, mas algumas empresas até preferem jovens recém-formados sem experiência de campo, para ter a chance de moldá-los de acordo com a cultura da empresa e evitar eventuais ‘vícios’ que podem ser adquiridos nos canteiros.

“Infelizmente, observamos no mercado o que eu chamo de vício de fazer errado”, afirma o Eng. Alexandre Luis de Oliveira, diretor técnico e sócio da InDia®. “A cultura equivocada das obras pode induzir o profissional da assistência a procurar somente a solução mais rápida, cumprindo apenas o papel de apagar incêndios, sem buscar, de fato, a resolução dos problemas de projeto e/ou execução”, dispara Oliveira. 

2) Empatia com o cliente, paciência e resiliência 

Para trabalhar na área de assistência técnica, entender as razões e as dores dos clientes com paciência e atenção é fundamental. Muitas vezes, eles já estão irritados com a empresa e, independentemente de quem está com a razão, a abertura para o diálogo é muito importante. “O desafio é transformar uma situação incômoda em uma satisfação de atendimento”, afirma Oliveira. A pressão psicológica é inevitável. “Por isso, o entusiasmo e a resiliência são fundamentais”, complementa Josiane. 

3) Capacidade de planejamento 

Com tantas atribuições em diferentes frentes de trabalho (veja ilustração com os “10 momentos da verdade da assistência técnica”), o profissional de pós-obra deve planejar muito bem as atividades e tarefas, sob risco de passar o tempo todo correndo, resolvendo somente os problemas de última hora. “Não é fácil lidar com várias etapas ao mesmo tempo, equipes multidisciplinares e ainda ter que se encaixar na agenda do cliente e nas normas do condomínio, por exemplo”, destaca Oliveira. 

4) Ter noções da legislação específica 

Engenheiros civis, arquitetos e técnicos nem sempre apreciam a leitura de leis e textos jurídicos. Se, por vezes, há dificuldade de ler até normas técnicas indispensáveis à profissão, o que dizer do Código Civil ou de Defesa do Consumidor? Pois, nessa área, não só a parceria com o jurídico da construtora é fundamental, como também é importante ter noções da legislação para se relacionar com os clientes, condomínios, peritos etc. “O conhecimento básico é desejável. Não dá, por exemplo, para dizer ao cliente que algo está fora da garantia, sem ter certeza absoluta disso”, afirma Oliveira. 

 As pessoas também perguntam: A não-conformidade de materiais de construção é crime? 

5) Ser colaborativo e pró-ativo 

Entender a urgência do prazo de atendimento das reclamações e saber que a imagem da empresa depende da qualidade de tais tratativas é fundamental para o profissional de assistência técnica. E mesmo cercado por várias regras e códigos, há sempre a hora de pensar um pouco fora da caixa. É possível, por exemplo, tornar a área rentável para a empresa, como já fez a indústria automobilística? Para Oliveira, a resposta é sim. “Imagine vender um imóvel como se fosse um elevador, já com o contrato de prestação de serviços de assistência técnica e manutenção preventiva?”, indaga o engenheiro. Ações nessa linha, sem dúvida, podem contribuir para valorizar ainda mais a área. 

Carreira: qual é a sua sugestão de tema para o nosso espaço dedicado aos profissionais de Engenharia Civil, Arquitetura e Construção?

Colaboração técnica

Alexandre Luis de Oliveira – Diretor técnico e sócio proprietário da InDia®, foi fundador da DMO Engenharia, atuando hoje no conselho da empresa. Ex-presidente do Conselho Consultivo do Sinduscon-SP, é membro do Comitê de Tecnologia e Qualidade da entidade e coordenador do Grupo de Trabalho de Pós Obra e Assistência Técnica. Cursou também o MBA da Construção pela Fundação Getúlio Vargas. Atuou como Coordenador da Comissão de Estudos que elaborou a norma ABNT NBR 16747 – Inspeção Predial.
Josiane Marcelino – Engenheira civil pela Universidade Paulista, foi gerente de assistência técnica e desenvolvimento de novas tecnologias em empresas como a Adolpho Lindenberg, Sinco e Hubert Administração de Imóveis. É membro do Grupo de Trabalho de Pós Obra e Assistência Técnica do SindusCon-SP, onde participou da elaboração do “Manual de Uso, Operação e Manutenção do imóvel, das Áreas Comuns e do Proprietário” e da cartilha “Boas Práticas para Entrega do Empreendimento desde a sua Concepção”. É coordenadora do Curso de Capacitação para formação de Gestores de Assistência Técnica do SindusCon-SP.