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O que faz falta na formação dos engenheiros civis?

Capacidade de gestão e habilidades comportamentais são apontadas por contratantes como requisitos a serem desenvolvidos pelos jovens profissionais

Publicado em: 23/02/2022

Texto: Eric Cozza

duas pessoas devidamente equipadas em um canteiro de obras com um holograma de engrenagem sobre elas
O conhecimento técnico em Engenharia Civil pode ser adquirido nas escolas ou no trabalho. Pressupõe, porém, capacidade e interesse no aprendizado contínuo, algo muito valorizado pelas empresas (Foto: Shutterstock)

Quem nunca ouviu histórias de jovens estudantes de Engenharia Civil sobre o sufoco ao estudar limites, derivadas e integrais, conteúdos considerados complexos que estão no programa da disciplina de Cálculo. Se esse é um desafio na vida escolar, que exige dedicação e capacidade de raciocínio, são as habilidades humanas e comportamentais as mais cobradas dos jovens profissionais no cotidiano das empresas de construção.

Gestão de pessoas, liderança, trabalho em equipe e capacidade de aprendizado são algumas das competências mencionadas por gestores de empresas do setor. Mas não são apenas esses atributos comportamentais cobrados pelos dirigentes de empresas.

“Alguns princípios básicos de administração, que depois serão imediatamente necessários no dia a dia, não aparecem nas grades curriculares dos cursos”, afirma Ricardo Lins Portella Nunes, presidente do Grupo Sultepa e vice-presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção). “Vejo um afastamento entre as universidades e as empresas”, observa. 

Nessa linha apontada por Nunes, a habilidade com planilhas – do nível intermediário para cima – é quase uma unanimidade entre os profissionais consultados. Além do Excel, somente o MS Project e os sistemas CAD foram mencionados, mas com menor intensidade. Outras plataformas para funções específicas não costumam ser pré-requisitos, pois se pressupõe que o aprendizado se dará no próprio dia a dia da empresa.

A capacidade de aprender no ambiente de trabalho é muito valorizada. A HTB, por exemplo, mantém há mais de 15 anos um programa chamado Jovens Profissionais, direcionado para recém-formados, com duração de até dois anos. Os jovens recebem palestras, exercícios, mentoria de profissionais mais experientes e conhecem, de perto, diversas áreas da empresa.

No final do processo, são estimulados a apresentar um projeto de melhoria para a companhia e são avaliados por uma banca. Os mais destacados recebem bolsa parcial ou total em cursos de pós-graduação no Brasil ou de intercâmbio no Exterior. “Temos muitos exemplos internos de sucesso nesse tipo de programa”, revela Carina Labbate, gerente de Recursos Humanos do Grupo HTB.

Mas, afinal, o que os contratantes esperam e costumam cobrar dos jovens engenheiros civis?

O que se espera do engenheiro civil do futuro

1) Ação, contribuição e entrega 
Durante uma entrevista de emprego, é importante mencionar tarefas e missões que foram encaminhadas e cumpridas pelo candidato, ressaltando a capacidade de entrega. “Só currículo não adianta. Tem que saber colocar em prática”, afirma Carina, do Grupo HTB.

(...) para nós, é mais interessante selecionar alguém com potencial e muita vontade de aprender e formá-lo dentro da nossa cultura técnica e empresarial
Thomas Martin Diepenbruck, superintendente técnico da HTB

2) Aprendizado contínuo 
As empresas sabem que nenhum conhecimento é perene. Por isso, ainda mais quando se pensa em jovens profissionais, o importante não é possuir uma enorme bagagem, mas demonstrar a capacidade de aprender coisas novas. “Temos muito conhecimento interno acumulado e um forte trabalho de capacitação e disseminação de boas práticas e lições aprendidas”, afirma Thomas Martin Diepenbruck, superintendente técnico da HTB. “Por isso, para nós, é mais interessante selecionar alguém com potencial e muita vontade de aprender e formá-lo dentro da nossa cultura técnica e empresarial”, conclui.

3) Organização e capacidade de documentação 
A Engenharia Civil exige disciplina e habilidade para organizar e documentar informações que, depois, poderão ser compartilhadas com outros profissionais. Uma alteração em um projeto, por exemplo – além de pactuada com os projetistas responsáveis – precisa estar detalhada, ser rastreável e acessível.

Os engenheiros que contratamos também precisam ter esse perfil de empreendedor, que não é desenvolvido nas escolas
Ricardo Lins Portella Nunes, presidente do Grupo Sultepa

As pessoas também perguntam: O que as construtoras buscam nos engenheiros de obras?

4) Trabalho em equipe e liderança
Ninguém faz a gestão de um empreendimento, de uma obra de infraestrutura ou de um projeto sem interação humana constante. “Atuamos cada vez mais com profissionais especializados, que são subcontratados. Em geral, são empreendedores”, afirma Nunes, do Grupo Sultepa. “Os engenheiros que contratamos também precisam ter esse perfil de empreendedor, que não é desenvolvido nas escolas”, completa. Em resumo: saber liderar equipes próprias e terceirizadas é uma competência muito bem avaliada.

5) Comunicação escrita e verbal
Tornou-se arcaica a ideia de que engenheiro não sabe escrever ou se comunicar, mas é bom de fazer contas. Ter uma formação técnica não exime os profissionais de se aprimorarem na oratória e na escrita. “Mesmo que a nossa formação não tenha sido focada nessa direção, não podemos ‘falar’ melhor com o concreto do que com outras pessoas”, provoca, bem-humorado, Diepenbruck, da HTB.

6) Vontade de crescer: sim. Ansiedade: não
Na Engenharia Civil, a experiência conta bastante. A vivência em projetos e obras é fundamental para evitar falhas e visualizar, de forma antecipada, o resultado do trabalho. Por isso, aquela ansiedade de crescer de forma rápida na carreira – por vezes, subestimando o conhecimento de profissionais mais experientes – deve ser evitada. Isso não significa acomodação e nem falta de vontade de ascender. O excesso de autoconfiança pode ser encarado como falta de maturidade.

Carreira: qual é a sua sugestão de tema para o nosso espaço dedicado aos profissionais de Engenharia Civil, Arquitetura e Construção?

Colaboração técnica

 
Carina Labbate – Formação superior em Administração e mestrado em Gestão de Pessoas na FEA-USP. Possui forte experiência em gestão estratégica de pessoas, com ênfase em carreira, remuneração e desenvolvimento. Sua trajetória profissional se desenvolveu como consultora, professora e, atualmente, como gerente de Recursos Humanos do Grupo HTB.
 
Ricardo Lins Portella Nunes – Engenheiro civil formado pela UFRGS, com especialização em Gestão pela Universidade de Harvard e MBA pela FGV. Presidente do Grupo Sultepa (Sultepa, Pedrasul e Sultepa Construções) e da Associação Riograndense de Empreiteiros de Obras Públicas (AREOP). Vice-Presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) e da FIERGS (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul).
 
Thomas Martin Diepenbruck – Atual superintendente técnico da HTB, é formado em Engenharia Civil com mestrado em Inovação na Construção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Possui ampla experiência em lean construction, com foco em otimização de processos para melhoria da produtividade.