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Diversidade na construção civil: como avançar?

Ações pontuais começam a surgir, mas em ritmo ainda lento. Iniciativas pioneiras assumem o relevante papel de apontar caminhos, revelar as dificuldades e ratificar a necessidade de mobilização das empresas

Publicado em: 14/11/2022

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Em tempos de ESG, ações empresariais visando igualdade de gênero, combate a homofobia, equidade e justiça racial não constituem assistencialismo e nem questão de fundo ideológico. São parte do negócio (Foto: Shutterstock)

Uma em cada quatro pessoas não se sente valorizada no trabalho, de acordo com um relatório sobre diversidade e inclusão da OIT (Organização Internacional do Trabalho). E aquelas que se sentem mais incluídas estão em cargos mais altos.

De acordo com a OIT, “altos níveis de igualdade, diversidade e inclusão estão associados à maior inovação, produtividade e desempenho, recrutamento e retenção de talentos e bem-estar da força de trabalho.”

O avanço do ESG (environmental, social and governance, em inglês), conceito que reúne responsabilidade ambiental, social e corporativa, promete mobilizar construtores e incorporadores para o tratamento do assunto.

“O setor percebeu que trabalhar com diversidade e inclusão (D&I) é parte do business (negócio) e não assistencialismo. E precisa estar atrelado à cultura da organização”
Clara Pires Bicalho, especialista em diversidade, equidade e inclusão da MRV&CO

CONSCIENTIZAÇÃO E PRIMEIROS PASSOS

Por enquanto, as ações são pontuais ou inexistentes na maioria das empresas do setor. As iniciativas em andamento, porém, apontam caminhos e atestam que, sim, é possível traçar linhas de ação visando o tratamento de assuntos como a igualdade de gênero, combate a homofobia, equidade e justiça racial.

“Cerca de 80% das empresas da construção civil são compostas por pequenas e médias companhias”, afirma a presidente da Comissão de Responsabilidade Social da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CRS/CBIC), Ana Claudia Gomes. “Isso, talvez, explique o setor demorar um pouco mais para responder a essas agendas do que outros segmentos com empresas mais maduras e consolidadas”, completa.

De fato, o relatório da OIT apontou que as companhias de grande porte e multinacionais costumam avançar de forma mais rápida em diversidade e inclusão do que pequenas empresas de atuação local. Outro atenuante para o setor é que a grande maioria das corporações, em todos os segmentos econômicos, só começou a trabalhar a temática com mais ênfase recentemente.

“Começa assim: se abrir para conhecer, ouvir, entender e aprender com quem já está vivenciando o processo. Depois disso, aí sim, é olhar para dentro e verificar como a jornada pode se desenvolver. Não há receita de bolo”
Ana Claudia Gomes, presidente da Comissão de Responsabilidade Social da CBIC 

“O setor percebeu que trabalhar com diversidade e inclusão (D&I) é parte do business (negócio) e não assistencialismo, afirma Clara Pires Bicalho, especialista em diversidade, equidade e inclusão da MRV&CO. “E precisa estar atrelado à cultura da organização”, complementa.

Ana Cláudia comenta que a CBIC realizou uma série de seminários via web para médias gerências e empresários do setor, falando sobre essa agenda, trazendo empresas que já estão implantando programas para compartilhar histórias e aprendizados na área.

IGUALDADE DE GÊNEROS

As mulheres representam apenas 19% dos profissionais da ativa, segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). O desafio, entretanto, não é apenas garantir maior inserção, mas também equiparar as condições de trabalho.

O primeiro passo é ter um diagnóstico da organização. Realizar pesquisas quantitativas e qualitativas e mapear toda a estrutura administrativa e de canteiros de obras para conhecer exatamente o percentual de mulheres empregadas, aquelas em posição de liderança, e verificar eventuais diferenças de remuneração em relação aos homens para os mesmos cargos.

A partir daí, pode-se compreender os principais pontos a serem trabalhados em equidade de gênero e promover políticas afirmativas. A MRV&CO, por exemplo, possui metas para aumentar a participação feminina na organização e em postos de chefia até 2030. “Hoje, possuímos 21% de mulheres na companhia e o objetivo é chegar a 30%. Temos agora 40% em cargos de liderança e a meta é 45%”, revela Clara.

As pessoas também perguntam:
Como as mulheres podem ganhar espaço na engenharia civil?

EQUIDADE E JUSTIÇA RACIAL

Para avançar, de fato, rumo à equidade racial, a direção da companhia precisa entender que poderá enfrentar eventual resistência interna ou até externa. Ciente disso, o primeiro passo, a exemplo da questão de gênero, é o diagnóstico. Radiografada a situação, é hora de partir para os projetos afirmativos.

Na MRV&CO, cerca de 63% dos colaboradores se autodeclaram negros (pretos e pardos). “Quando você olha esse número cru, sem nenhuma análise, parece muito bom”, afirma Clara. “Mas, quando fazemos os recortes necessários, percebemos que grande parcela está nos cargos operacionais e não de liderança. Portanto, precisamos agir.”

A solução encontrada, além do trabalho de conscientização das equipes, a partir de grupos de afinidade e rodas de conversa, foi a construção de um programa afirmativo de trainees, exclusivo para pessoas negras. Desenvolvido ao longo de um ano, tem como objetivo preparar os profissionais para assumir posições estratégicas dentro da organização.

HOMOFOBIA

Definição para aversão ou rejeição a homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais, a homofobia ainda não encontra no Brasil uma legislação específica. Desde 2019, entretanto, por decisão do Supremo Tribunal Federal, os casos podem ser enquadrados na lei que trata do racismo, considerado crime.

O caminho aqui passa, principalmente, pela conscientização. Sensibilizações sobre o tema, promoção de lives a respeito e rodas de conversa são importantes. E algumas ações podem ratificar tal comprometimento. A MRV&CO decidiu custear a retificação da documentação dos colaboradores que são pessoas trans, em parceria com um escritório de advocacia e o time jurídico da companhia. Além disso, oferece acompanhamento psicológico durante todo o processo.

Outra ação interessante foi batizada pela companhia de banheiros inclusivos. “Começamos a usar os sanitários como um espaço de letramento, pois lá é um dos locais nos quais as pessoas trans sofrem maior preconceito”, revela Clara. Há um glossário da diversidade em cada cabine, assim como um QRcode que direciona o colaborador para conteúdos relacionados à diversidade.

A companhia também possui um canal confidencial para denúncias. “Temos o apoio de uma empresa externa, que faz a tratativa dos casos. A denúncia pode ser feita de forma anônima, ou não”, revela a especialista da MRV&CO. O código de conduta da empresa também deixa claro que a organização não tolera desrespeito, assédio ou casos de não aceitação da diversidade.

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Colaboração técnica

Ana Claudia Gomes – Sócia-diretora da Pontes Comunicação, é presidente da Comissão de Responsabilidade Social da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Experiência na gestão de processos e pessoas nas áreas de recursos humanos, comunicação e marketing, responsabilidade social, controle e acompanhamento de indicadores de desempenho organizacional.
Clara Pires Bicalho – Especialista em diversidade, equidade e inclusão da MRVeCO, é psicóloga formada pela FUMEC, com pós-graduação na PUC Minas nas áreas de comunicação, diversidade e inclusão (DeI) e gestão de pessoas e de recursos humanos.