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Como as mulheres podem ganhar espaço na engenharia civil?

Avanços são claros nas últimas décadas, mas em ritmo lento. Barreiras veladas, processos seletivos enviesados e receio da maternidade por contratantes são algumas das reclamações das profissionais

Publicado em: 19/04/2022

Texto: Eric Cozza

foto de tres engenheiros, sendo duas mulheres e um homem. Os tres analisam um projeto
Mulheres representam apenas 19% dos profissionais da ativa, segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, o Confea (Foto: Shutterstock)

Imagine que você fez uma postagem em uma rede social de cunho profissional, sobre um assunto técnico relacionado à engenharia civil. Esperaria receber comentários sobre a grossura da sua sobrancelha, a necessidade de pentear melhor o cabelo ou, para piorar, algo como “nossa, como é difícil ver uma mulher bonita e inteligente”? 

Pois foi o que aconteceu com a engenheira civil, especializada no estudo de manifestações patológicas na construção civil, Priscila Welltten Camargos. “A minha reação foi perguntar na própria rede social: se a postagem tivesse sido feita por um homem, quais seriam os comentários? Relacionados à aparência física ou ao assunto técnico em questão?”, indaga a profissional.

É muito importante rebater essa visão machista, mas as notas de repúdio não refletem o que acontece dentro das empresas ou das próprias entidades, cuja participação feminina ainda é muito tímida
Enga. Priscila Welltten Camargos, especialista em manifestações patológicas na construção civil 

O episódio com a engenheira civil, infelizmente, não é um caso isolado. Recentemente, um deputado federal divulgou um vídeo nas redes sociais, associando a participação de mulheres engenheiras ao acidente ocorrido na linha 6 do Metrô de São Paulo, no mês de fevereiro de 2022. A reação setorial foi imediata. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o Instituto de Engenharia, o Crea-SP, entre outras dezenas de entidades regionais e nacionais, emitiram notas de repúdio em relação à atitude do parlamentar.

PROCESSO LENTO NAS ESCOLAS E NO MERCADO

As manifestações sinalizam que as instituições setoriais não estão dispostas a relevar ou a contemporizar atitudes preconceituosas. Mas será o suficiente? “É muito importante rebater essa visão machista, mas as notas de repúdio não refletem o que acontece dentro das empresas ou das próprias entidades, cuja participação feminina ainda é muito tímida”, afirma Priscila.

As mulheres representam apenas 19% dos profissionais da ativa, segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Um percentual parecido com o apontado pela Enga Liedi Bernucci – a primeira mulher diretora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo na história – para as estudantes formadas na faculdade paulista. “O percentual vem aumentando, mas o processo é lento e isso se reflete no mercado”, afirma.

Atual diretora-presidente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), Liedi ressalta que, além do número de mulheres formadas ser bem menor do que os homens, muitas ainda acabam migrando para o mercado financeiro ou para a área administrativa de empresas. O fenômeno de atuar em outras áreas independe do gênero, mas, como as mulheres são em menor número, acabam avançando pouco na ocupação de postos de trabalho no campo da engenharia civil.

O recrutador dificilmente admite um viés ou uma postura de discriminação mas, às vezes, ele mesmo se engana ou não percebe. Seria importante testar esse modelo no qual a pessoa e, portanto, o gênero fosse revelado somente ao final do processo seletivo
Enga. Liedi Bernucci, diretora-presidente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo)

Mas, afinal, existem saídas para aumentar a participação das mulheres na engenharia civil brasileira?

CINCO AÇÕES PARA AUMENTAR A PARTICIPAÇÃO FEMININA

1) Seleção profissional às cegas

A existência de processos seletivos enviesados constitui uma das principais reclamações das mulheres que postulam cargos na engenharia civil. “O recrutador dificilmente admite um viés ou uma postura de discriminação mas, às vezes, ele mesmo se engana ou não percebe”, afirma Liedi. “Seria importante testar esse modelo no qual a pessoa e, portanto, o gênero fosse revelado somente ao final do processo seletivo”, completa a engenheira. Priscila compartilha da mesma opinião. “Tiraria a parte emocional do processo e os aspectos de formação técnica e profissional seriam mais valorizados.”

2) Condições de trabalho adaptadas às necessidades da mulher

Por que não há creches ou banheiros femininos na maioria dos canteiros de obras? Por que poucas mulheres atuam ali? Ou poucas mulheres trabalham em canteiro porque, entre outras coisas, não há creches disponíveis, principalmente em obras distantes, de difícil acesso? Tais questões exemplificam como os ambientes na construção não foram, a princípio, pensados para a ocupação feminina. O receio da maternidade das funcionárias por parte das empresas é uma das reclamações mais frequentes das mulheres que lutam por uma vaga no setor. “É uma grande barreira velada. Infelizmente, as empresas enxergam a maternidade como um empecilho”, afirma Priscila.

3) Comissões, comitês e júris mistos

Seja para a seleção de vagas profissionais, eventuais oportunidades em ambientes acadêmicos, concursos, premiações ou qualquer tipo de ambiente competitivo, a existência de homens e mulheres nos júris, comissões ou comitês com algum poder deliberativo é fundamental. Isso não significa favorecimento ou qualquer tipo de condição especial, mas uma forma de expandir a capacidade de reflexão do grupo, com uma composição mais heterogênea, experiências e vivências distintas, que serão importantes na hora da tomada de decisão.

As pessoas também perguntam: O que o RH de construtoras valoriza nos profissionais?

4) Eventos exclusivos e inspirações para crianças e adolescentes

Há estereótipos em qualquer sociedade. A imagem da engenharia civil costuma estar associada, mesmo que involuntariamente, a uma figura masculina. Por vezes, com base nisso, a própria família desestimula a escolha das meninas. Incentivada por uma colega do MIT (Massachusetts Institute of Technology) – uma das principais faculdades de engenharia do mundo, que registra 38% de formandas mulheres – Liede chegou a promover na Poli-USP eventos do tipo open doors (portas abertas), exclusivamente femininos, para estudantes do ensino médio, adolescentes e até crianças. “Exemplos inspiram. É fundamental mostrar para uma menina que adora matemática, física ou química que existem grandes mulheres em várias carreiras na área de Exatas”, afirma a diretora-presidente do IPT.

5) Reprovação de atitudes machistas no ambiente de trabalho

Não se pode tolerar mais desconfiança sobre a capacidade intelectual ou técnica de uma profissional simplesmente pelo fato dela ser mulher. Não se pode restringir o acesso feminino aos cargos de maior prestígio, a partir da presunção de que “mulheres não foram feitas para mandar” ou “não sabem gerir uma equipe”. Brincadeiras maldosas ou desqualificações, com base na discriminação de gênero, não podem ser toleradas porque os colegas acreditam que o linguajar e o trato pessoal na área são rudes ou toscos por natureza. Assédio moral é um assunto grave, com consequências tanto para os profissionais quanto para as empresas.

Carreira: qual é a sua sugestão de tema para o nosso espaço dedicado aos profissionais de Engenharia Civil, Arquitetura e Construção?

Colaboração técnica

Liedi Bernucci – Primeira mulher na história a ser diretora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (2018/2021), hoje é diretora-presidente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo). Professora titular na Poli-USP, se graduou em engenharia civil, fez mestrado em engenharia geotécnica e doutorado em engenharia de transporte pela mesma escola. É membro do Conselho Superior da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), do Conselho Curador da FUVEST (Fundação Universitária para o Vestibular) e da Academia Nacional de Engenharia.
Priscila Welltten Camargos – Engenheira civil especializada no estudo de manifestações patológicas na construção civil, atua pela Alon Engenharia e, quando nomeada, como perita junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Possui especialização em Avaliação de Imóveis pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e em Vistoria e Inspeções pelo Inbec (Instituto Brasileiro de Educação Continuada). Também é palestrante do Instituto Metodista Izabela Hendrix.