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O que são vícios construtivos ocultos?

Invisíveis para os leigos ou com efeitos tardios após a entrega dos empreendimentos, tais patologias ou problemas nas obras costumam gerar discussões e conflitos entre agentes da cadeia produtiva, usuários, síndicos e administradores prediais

Publicado em: 27/06/2022

Texto: Eric Cozza

foto de um projeto digital
O incorporador, o proprietário e o síndico costumam ser as figuras mais responsabilizadas por vícios construtivos. Investigação técnica pode envolver outros agentes da cadeia produtiva, como a construtora, projetistas, o engenheiro responsável e fornecedores de materiais e serviços (Foto: Shutterstock)

Você já deve ter ouvido falar em patologias na construção civil. É um termo com origem na medicina que designa “estudo das doenças”. Passou a ser empregado também na engenharia civil para nomear problemas verificados em obras. Fissuras, trincas, rachaduras e vazamentos, por exemplo, são chamados dessa maneira pelos profissionais do setor.

Agora, há um outro termo que vem sendo bastante utilizado, principalmente pelos peritos e o pessoal da área de assistência técnica de construtoras e incorporadoras: os vícios construtivos ocultos. São problemas que costumam tirar o sono de empresários e profissionais do setor.

O assunto é tão sério que a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC) articula uma série de ações institucionais para reduzir o que considera como “efeitos perversos do crescimento da indústria de ações judiciais sobre o tema.”

Mas, afinal, do que se trata? Para responder essa pergunta e nos ajudar a entender melhor o assunto, convidamos para participar do podcast AEC Responde o engenheiro Marcus Vinicius Fernandes Grossi, professor, consultor, perito e autor do livro "Inspeção e Recebimento de Obras – Edificações Habitacionais". Confira abaixo a entrevista na íntegra.

AEC Responde – O que são vícios construtivos ocultos?

Marcus Vinicius Fernandes Grossi – Vício construtivo é um termo usado no jargão jurídico. Quem trabalha com perícia está acostumado com isso. Nas construtoras, principalmente o pessoal de pós-obra, por estar muito vinculado a essas demandas judiciais, acaba também utilizando esse termo. Como o próprio nome diz, o vício não é visível. Trata-se, então, de algum problema que, quando você entregou a edificação, não estava visível para um leigo. Não necessariamente ele estava invisível para um profissional. A primeira definição de vício oculto passa por você ter a capacidade técnica para conseguir distinguir se aquilo é um problema, ou não. Um exemplo que eu gosto de mencionar nas minhas aulas: você pode chegar, entrar em uma edificação e verificar que ela não tem rampa de acesso, somente uma escada. Isso é um vício oculto porque a norma de acessibilidade exige um acesso por rampa. Mas, para saber que isso é um vício, eu preciso ter conhecimento técnico sobre os requisitos de acessibilidade, algo que o usuário leigo, de forma geral, não vai ter. Então, esse é o primeiro viés: trata-se de algo não detectável por leigos. Temos um segundo tipo de vício oculto: aquele que não foi manifesto. Suponha que eu peguei meu apartamento, estava tudo bonitinho, tudo pintado, novo, e eu comecei a ligar a torneira, tomar banho, coloquei armário, móveis e tudo mais. De repente, estoura uma tubulação e começa a vazar. Aquele problema poderia estar lá, só que, como o sistema nunca havia sido usado, havia ali uma fragilidade que se manifestou apenas quando eu comecei a utilizar. Essa, então, é a segunda característica do vício oculto: um problema que aconteceu antes do fim da vida útil, ou seja, antes da durabilidade prevista para aquele elemento, componente ou sistema.

A experiência nos mostra, assim como alguns estudos, que a grande fatia dos problemas está ligada à fase de projeto: à falta dele ou a problemas de detalhamento
Eng. Marcus Vinicius Fernandes Grossi, professor, consultor, perito e autor do livro "Inspeção e Recebimento de Obras – Edificações Habitacionais”

AEC Responde – Quais são as principais causas desse tipo de problema em obras?

Grossi – Existem vários estudos que procuram levantar as principais origens: se são erros de projeto, de execução ou de um material específico. Mas esses trabalhos, muitas vezes, estão circunscritos a determinadas realidades regionais ou de algumas construtoras. Não há um levantamento maciço, nacional, para conseguirmos catalogar de forma adequada. A experiência nos mostra, assim como alguns estudos, que a grande fatia dos problemas está ligada à fase de projeto: à falta dele ou a problemas de detalhamento. Acabam gerando, assim, mais de 50% dos problemas, pela ausência de projeto ou por erros cometidos nessa etapa. A segunda maior fatia está relacionada à má execução e uma terceira aos problemas de uso e manutenção inadequada. Essas seriam as principais origens, mas não estamos circunscritos a isso. Temos problemas que podem ser decorrentes da fabricação inadequada dos materiais, da ação de terceiros – uma obra do vizinho ou agentes externos em geral – e até acidentais como, por exemplo, no caso de algumas descargas atmosféricas.

As grandes figuras que costumam ser responsabilizadas por vícios construtivos são, em geral, o proprietário da edificação ou do imóvel, o síndico e o incorporador que comercializou aquele bem
Eng. Marcus Vinicius Fernandes Grossi, professor, consultor, perito e autor do livro "Inspeção e Recebimento de Obras – Edificações Habitacionais”

AEC Responde – Como detectar e depois tratar essas patologias? Como é que se faz?

Grossi – A principal ferramenta que temos hoje para identificar essas anomalias é a inspeção predial. As pessoas nem sempre encaram assim, mas é uma ferramenta da atividade de manutenção para detecção de problemas. Você vê o que não está dando certo e procura incorporar ali na manutenção corretiva, ou mesmo para ajustar a periodicidade da manutenção preventiva. O plano de manutenção entregue pela construtora é um planejamento. Você deve ter o realinhamento desse plano, adequá-lo à realidade daquela edificação, de acordo com a exposição e o uso. A inspeção predial é capaz disso. Trata-se de um check-up da edificação realizado por um profissional qualificado, treinado nesse sentido. Ele levanta todos os problemas, classifica, define a gravidade e os riscos e informa o condomínio ou o usuário para repará-los. Temos também outras ferramentas, como a perícia e atividades que investigam patologias, como se fosse um trabalho de detetive, para descobrir a razão daquele problema e oferecer a receita do remédio adequado para solucionar aquilo. Isso é muito importante.

As pessoas também perguntam: Como evitar descolamentos de revestimentos cerâmicos?

AEC Responde – Na primeira resposta, o senhor mencionou que vício construtivo oculto é um termo jurídico. Falando disso, de quem é a responsabilidade legal? Quem responde pelos vícios construtivos que são detectados em uma obra?

Grossi – Se for no começo da vida útil, ali nos primeiros anos, e estiver dentro do prazo de garantia, o primeiro responsável será o incorporador que comercializou o bem. Ele é o responsável direto, o primeiro, mas, como já disse anteriormente, as origens podem ser várias. Então, a responsabilização em outras instâncias, depois de investigadas as causas e as origens, pode regredir para outras especialidades, para outros agentes que se envolveram ali, na construção da edificação. Podem ser acionados o projetista, o empreiteiro, o engenheiro da obra, enfim, todos os agentes da cadeia produtiva. E, pensando em uma edificação mais velha, se eu tenho um vício de construção, quem vai ser responsabilizado também é o síndico ou o proprietário daquela edificação. Ele é o responsável direto se acontecer alguma coisa com o usuário. Por exemplo: eu alugo uma sala e estourou uma tubulação ali. Vou atrás do proprietário que, talvez, também vai acionar a construtora ou quem gerou aquele problema. E se for o caso de áreas comuns e o morador de um apartamento está com uma infiltração pela fachada, por falta de manutenção ou por algum problema externo à unidade? A primeira pessoa a ser acionada é o síndico, que é o representante legal das áreas comuns e daí ele irá atrás da construtora ou de quem realizou aquela manutenção. Enfim, vai regredindo até chegar ao responsável real, vamos dizer assim, do problema. As grandes figuras que costumam ser responsabilizadas por vícios construtivos são, em geral, o proprietário da edificação ou do imóvel, o síndico e o incorporador que comercializou aquele bem.

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Colaboração técnica

Marcus Vinicius Fernandes Grossi – Sócio-gerente da Fernandes & Grossi Consultoria e Perícias de Engenharia e professor universitário, é graduado em engenharia civil, com especialização pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e mestrado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). É perito judicial e assistente técnico da Defensoria Pública e Ministério Público do Estado de São Paulo. Autor do livro "Inspeção e Recebimento de Obras – Edificações Habitacionais" e coautor dos livros "Manual de Engenharia Diagnóstica 2a edição" e "Building Pathology and Rehabilitation, Vol. 12".