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O que é digitalização na construção civil?

Transformação digital no setor abrange todas as áreas das empresas e etapas dos empreendimentos. Mudança na forma de gestão traz agilidade, precisão e economia para companhias de todos os portes

Publicado em: 22/04/2024

Texto: Eric Cozza

Computadores para digitalização da construçãoEstudo realizado pela Softplan indica que empresas da construção civil avançadas digitalmente economizam de 25% a 34% no custo por metro quadrado. E chegam lá ao atacarem problemas comuns no setor, como a falta de planejamento, o desperdício de materiais, a ausência de processos padronizados, de controle de dados e gestão do processo produtivo (Imagem: Pixabay)


A revolução digital avança em praticamente todos os setores da economia no mundo. Na indústria da construção civil, não poderia ser diferente. O processo de digitalização abrange desde as primeiras etapas de estudo de viabilidade e concepção dos empreendimentos, passando pela fase de projeto e planejamento, gerenciamento da execução, pós-obra, marketing e vendas, gestão financeira até manutenção, operação e facilities.

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Mas quais são os benefícios da digitalização em diferentes etapas do trabalho de construtoras e incorporadoras? Como a metodologia BIM e os avanços da inteligência artificial impactam nesse processo?

Para falar sobre a digitalização na construção civil, convidamos para o Podcast AEC Responde o Guilherme Quandt, diretor de estratégia e marketing para a indústria da construção da Softplan.

Ouça o áudio e/ou leia entrevista, a seguir:

AECweb – O que é digitalização na construção civil? E quais etapas podem ser atendidas nesse processo?

Guilherme Quandt – Estamos vivendo uma revolução, no melhor sentido da palavra, no segmento da construção civil. Isso é muito bom e gera uma série de oportunidades. Por outro lado, ao olharmos para outros setores, percebemos que a construção civil está uma ou duas voltas atrasada nessa corrida. Veja o segmento financeiro, por exemplo. Já se reinventou tecnologicamente e deu um salto de produtividade, mudando sua participação na economia global de forma muito evidente. Outro bom exemplo é o varejo, que costumava ser absolutamente desconectado e caótico. O segmento se reorganizou com o uso da tecnologia e mudou a presença na vida das pessoas. A indústria automotiva passou de patinho feio à referência em produtividade. Na comparação com esses outros segmentos, a construção civil está muitos passos atrás. Mas o lado bom é que essa revolução começa a acontecer conosco também.

AECweb – Ou seja, tem muita coisa para fazer.

Quandt – Muita. Não quero, porém, ser mal interpretado, transparecendo que somos homens das cavernas ou algo parecido. Não é nada nesse sentido. O turnaround (virada) no setor já vem de cinco a 10 anos. Não é algo que se faz em um mês. Muita coisa já aconteceu, mas eu diria que ainda estamos em um estágio de 25% a 30% de tudo que pode ser feito. Gosto de usar um termo mais amplo do que digitalização. Para mim, ela é apenas uma das etapas da transformação digital. Digitalizar é mudar um processo que era feito analogicamente, em papel, e começar a fazer em um computador. Ou seja, escrever uma carta no word (processador de texto da Microsoft) é digitalizar. A transformação digital é mais profunda porque envolve a reorganização de processos, de cultura e a formação de pessoas. E a construção civil tem suas características específicas, em função da complexidade, da extensão da cadeia de produção. Começa desde a extração de matéria prima, a produção dos insumos, estudos de viabilidade, projeto, orçamento, planejamento, todos os desafios do processo construtivo, marketing e vendas, o funding (financiamento), operação e manutenção. Veja o tamanho do ciclo do negócio. Estamos falando de três, quatro ou cinco anos. Ou seja, os desafios são muito distintos daqueles encontrados em outros segmentos.

Nós estamos vendo uma gigantesca oportunidade. Olhando para um segmento que está renascendo com um embarque massivo de tecnologia nos processos produtivos e de gestão. (...) Nosso desafio é criar jornadas de gestão conectadas, que permitam saltos de produtividade, em que você ultrapassa obstáculos e a informação flui de forma organizada, de ponta a ponta
Guilherme Quandt

AECweb – E com uma enorme quantidade e variedade de fornecedores.

Quandt – Muitos stakeholders (partes interessadas e/ou indivíduos e pessoas impactadas). Temos a indústria que fornece os insumos, arquitetos, projetistas, orçamentistas, enfim, uma série de empresas e profissionais que, em geral, estão fora da estrutura da incorporadora ou construtora. O processo todo é muito grande e complexo. Há quem possa enxergar isso como uma ameaça. Nós estamos vendo uma gigantesca oportunidade. Olhando para um segmento que está renascendo com um embarque massivo de tecnologia nos processos produtivos e de gestão. E a joia da coroa não está em usar tecnologias ensiladas, isoladas. Nosso desafio é criar jornadas de gestão conectadas, que permitam saltos de produtividade, em que você ultrapassa obstáculos e a informação flui de forma organizada, de ponta a ponta. O processo como um todo evolui e o segmento sai do outro lado muito, mas muito, muito melhor.

AECweb – É possível quantificar, olhando para o tripé custo, prazo e qualidade, os benefícios da digitalização para as empresas do setor?

Quandt – São vários benefícios. Fizemos um estudo super aprofundado sobre isso, no qual colocamos muita energia. Envolvemos times de dados, análise estatística, coleta de informação, entrevistas com clientes e não clientes. Tiramos uma foto do mercado de forma geral. E a diferença entre os players maduros do ponto de vista tecnológico e os demais é abissal. Um dos nossos clientes, uma tremenda referência para nós, costuma dizer que pretende criar uma empresa de tecnologia que constrói. Repare na visão estratégica dele, que adota a tecnologia como um dos pilares do negócio. Nesse estudo, alguns números nos impressionaram bastante. Vimos que as empresas avançadas possuem de 45% a 60% mais eficiência no backoffice (processos administrativos e de gestão). Vimos também que times de compras são até 30% menores nas empresas mais maduras tecnologicamente, entregando o mesmo desempenho das demais, que ainda trabalham de forma muito isolada – os famosos ‘reis da planilha’, que acabam exigindo um esforço operacional muito maior do que o necessário. Outro dado impressionante: 40% a 50% mais velocidade no processo construtivo – organizando o planejamento, a gestão de compras, diário de obras, a rotina do canteiro, em um processo gerencial muito mais robusto. E a joia da coroa das informações que coletamos: empresas avançadas digitalmente economizam de 25% a 34% no custo por metro quadrado. E conseguem alcançar esse patamar atacando problemas comuns no setor, como a falta de planejamento, o desperdício de materiais, a ausência de processos padronizados, de controle de dados, de gestão do processo de produção. São empresas que compram na quantidade certa e no momento adequado. E aplicam isso num processo escalonado, muito bem controlado. É uma economia brutal que justifica o investimento. A tecnologia se paga com uma folga enorme, porque a empresa madura digitalmente se reinventa. E isso se reflete, de forma muito intensa, nos indicadores de gestão.

Trata-se de um efeito dominó. Se uso pouco tecnologia da informação, tenho pouco dado disponível. Não há como compilar, tratar e transformar em conhecimento. Acabo sempre trabalhando com informação antiga e decisões tomadas de forma empírica, intuitiva
Guilherme Quandt

AECweb – Um dos benefícios mais comentados da digitalização é a possibilidade de uso dos dados de forma estratégica pelas empresas. Como isso acontece, na prática?

Quandt – Na construção civil, em geral, as decisões são tomadas olhando para dados que estão no retrovisor. Há uma defasagem de informação muito grande. Isso é consequência de de um segmento ainda imaturo no uso de tecnologia. Trata-se de um efeito dominó. Se uso pouca tecnologia da informação, tenho pouco dado disponível. Não há como compilar, tratar e transformar em conhecimento. Acabo sempre trabalhando com informação antiga e decisões tomadas de forma empírica, intuitiva. Claro que isso também tem valor. Se você tem intuição sobre um assunto, é porque acumulou experiência. O melhor dos mundos é ter as duas coisas: dados e intuição. Uma boa consequência da transformação digital no setor é justamente essa mudança de cenário, no qual as empresas, ao se tornarem mais maduras digitalmente, começam a usar mais sistemas, plataformas e ferramentas. Isso gera dados tanto para a companhia quanto para o mercado como um todo. E, ao construir essa grande massa de dados, é possível observar a cadeia de ponta a ponta. Você começa a traduzir isso em informação relevante para a tomada de decisão em todo o segmento. Ou seja, os dados passam a ser construídos, tratados e disponibilizados para o bem do próprio setor.

AECweb – Qual é a importância do uso da metodologia BIM na transformação digital do setor?

Quandt – O BIM é uma metodologia que muita gente ainda confunde com software ou ferramenta, como se fosse uma mera evolução do CAD (computer aided-design ou, em português, desenho assistido por computador). Vai muito além disso. O BIM está intimamente conectado à transformação digital, à mudança cultural do setor. Há algum tempo, os sistemas BIM eram muito caros, quase impraticáveis para a maioria das empresas e profissionais. Mas isso mudou. Existem soluções bem mais acessíveis. Acreditamos que o BIM é a cola capaz de conectar o projeto com o orçamento, o planejamento de obra e o controle financeiro. É possível agregar várias dimensões. É uma metodologia muito poderosa nesse sentido. O mercado está ganhando maturidade mas, olhando por um viés um pouco mais crítico, as coisas poderiam caminhar mais rápido. O apego ao tradicional ainda existe. E muita gente esquece de analisar o risco de não fazer um investimento. Talvez o que a sua empresa faz hoje esteja funcionando se comparar com ela mesma há 25 anos. Mas ao observar um player de mercado com maior nível de maturidade nesse tema, você vai perceber o quanto pode estar defasado.

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AECweb – O futuro da digitalização na construção civil passa pela inteligência artificial? Como isso deve ocorrer?

Quandt – Essa questão tem sido trazida, principalmente pela grande mídia, com um viés negativo, como se a IA fosse uma vilã, que vai causar enorme desemprego. A minha visão é bem mais simples. A inteligência artificial já está em nosso dia a dia, mas a maioria das pessoas não percebe. Quando você entra com contato com uma grande empresa via whatsapp, por exemplo, até a décima pergunta, não há nenhum ser humano interagindo. E, trazendo isso para a construção civil, já temos ferramentas de marketing e vendas, de orçamento, de controle financeiro e até relacionadas ao BIM. Tudo começa com análises menores, embora importantes, e o processo vai sendo incrementado. Conforme essas coisas comecem a se conectar, vamos ver a construção civil ganhando bastante terreno em relação ao uso de IA. Será possível comparar um projeto com milhões de outros e verificar se há algum risco não identificado pelo projetista. Usar uma base com milhares de orçamentos para checar se os meus custos estão altos ou se está faltando algum insumo para ser orçado. Vamos usar IA no planejamento de obra, na coordenação de projetos, nos diferentes processos financeiros, como contas a pagar, fluxo de caixa etc. Estou citando exemplos do dia a dia das pessoas, que talvez estejam assustados com a chegada da inteligência artificial. Não tenha medo de perder o seu emprego para IA. Tenha medo de perder o seu emprego para uma pessoa que sabe usar a inteligência artificial. O grande recado é que essa tecnologia veio para ficar e vai crescer em velocidade exponencial nos próximos dois ou três anos. É preciso se aproximar e transformá-la em aliada. A construção civil, como todos os demais segmentos, vai usá-la de forma muito intensa. E estará na frente quem souber usar melhor.

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Colaboração técnica

Guilherme Quandt – Administrador e profissional de marketing, possui mais de 20 anos de carreira em startups e multinacionais. Experiência em planejamento estratégico, marketing, comunicação, relações públicas, branding e data. Atualmente, é membro do Conselho de Administração da Agger e diretor de estratégia e marketing da Softplan para a indústria da construção, empresa responsável pelo Ecossistema Tecnológico da Indústria da Construção, formado por Sienge, Construmarket, CV CRM, Prevision, eCustos e Gestor Obras.