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Como fazer estimativas orçamentárias de obras sem projetos?

Dados básicos do empreendimento, estudo de massa, boa caracterização do produto imaginado pelo incorporador e parametrização dos custos permitem uma estimativa assertiva, que deve ser realimentada durante o ciclo de projeto e construção

Publicado em: 21/09/2022

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando um tablet. Ao fundo, a foto de um canteiro de obras. Sobre a foto, um holograma de ações do mercado
Estimativa orçamentária de um empreendimento não é exercício de adivinhação. Deve oferecer segurança ao empreendedor no momento da análise de viabilidade e embasamento de custo para que ele possa tomar decisões gerenciais de arquitetura e engenharia durante todo o processo. (Foto: Shutterstock)

Estimativas orçamentárias de obras são ferramentas muito importantes para qualquer incorporadora ou construtora. O grande desafio desse tipo de levantamento é que, em geral, precisa ser realizado ainda na fase de estudo de viabilidade ou validação do investimento. Ou seja, bem antes da finalização dos projetos de arquitetura, estrutura, instalações e demais disciplinas.

É possível ser assertivo na estimativa dessa maneira, ou seja, sem ter os projetos em mãos? Para responder esta pergunta, nós convidamos para o podcast AEC Responde a engenheira civil Cilene Marques, mestre pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e autora do livro “Custo sem Susto – Projetando por Objetivos – Um Método para Gestão do Custo de Edificações.” Confira abaixo a entrevista.

AECweb Responde – O que são e para que servem as estimativas orçamentárias na construção civil?

Cilene Marques – As estimativas são de extrema importância no ponto de partida da viabilidade do negócio imobiliário. É a primeira coisa que o incorporador pergunta: quanto vai custar o empreendimento? E, na maioria desses negócios, o custo de construção pode chegar a 50% do valor total investido. Trata-se, portanto, do item mais importante desta viabilidade, ainda mais porque a margem de retorno fica em torno de 20% a 25%, em um ciclo longo de 3 a 5 anos, que começa desde a aquisição do terreno, passa pelo tempo de aprovação, de elaboração dos projetos e a construção. Esse ciclo longo é complicado: se a estimativa inicial não estiver bem-feita, uma variação de 10% no custo de construção pode acarretar um prejuízo enorme para o negócio. As estimativas orçamentárias são ou deveriam ser valores de referência confiáveis, aqueles mais prováveis para cada parte da construção. Devem servir como guia, uma orientação para a condução do processo de projetar e acompanhar o custo.

Temos que usar os dados básicos do empreendimento e o estudo de massa, que indica o potencial do terreno no momento de empreender. Em geral, o incorporador sabe que tipo de produto vai querer, o que ele vai entregar. Com isso, então, é possível obter um custo confiável e muito assertivo, com referências de cada parte da construção
Enga. Cilene Marques

AECweb Responde – É possível, então, fazer as estimativas sem ter os projetos finalizados?

Cilene – Sim, mas é preciso deixar claro que estimativa não é adivinhação. Trata-se de um processo lógico, que deve ser utilizado de forma estratégica, para oferecer segurança ao empreendedor no momento da tomada de decisão e evitar gastos desnecessários com projetos e consultores. Afinal, depois de um bom tempo, chegar à conclusão de que aquele empreendimento não era viável... é complicado. Então, sim, é possível e extremamente necessário fazer a estimativa antes dos projetos estarem prontos. A ideia é oferecer embasamento de custo para o incorporador tomar decisões gerenciais de engenharia e arquitetura.

AECweb Responde – Como fazer isso?

Cilene – Temos que usar os dados básicos do empreendimento e o estudo de massa que indica o potencial do terreno no momento de empreender. Em geral, o incorporador sabe que tipo de produto vai querer, o que ele vai entregar. Com isso, então, é possível obter um custo confiável e muito assertivo, com referências de cada parte da construção. Praticamos, então, a engenharia de valor e conduzimos o projeto para atingir o custo necessário. O orçamento é composto de quantidades multiplicadas pelo preço unitário. No início, quando não temos projeto, devemos conseguir essas quantidades por parametrização. Os preços unitários podem ser obtidos no mercado ou via banco de dados próprio. Aí, com o andamento dos desenhos, as quantidades que foram parametrizadas são gradativamente medidas no projeto e substituídas pelas quantidades reais. Essa ferramenta permite, inclusive, que se corrijam os desvios neste andamento. Se, por acaso, um parâmetro utilizado no início não estava legal, é possível corrigir. As quantidades devem ser definidas pelas unidades que representam melhor cada serviço. Por exemplo: metro quadrado de revestimento cerâmico, metro cúbico de concreto, número de TRs (toneladas de refrigeração) para ar-condicionado, elevador por parada e hidráulica por número de ambientes molhados. Cada preço unitário deve estar na mesma unidade em que o serviço foi quantificado. E temos também as despesas indiretas, aqueles custos que não ficam incorporados à construção, mas que são necessários para a execução. Na maioria das vezes, essas despesas também são estimadas por metro quadrado de área construída e aí o desvio pode ser muito grande, porque a maioria desses gastos não varia conforme a área dos planos.

O histórico de desvio, segundo agências internacionais, quando se estima por metro quadro de edifícios similares, na fase de viabilidade, é de 30% a 40%. Agora, sabendo bem o que o incorporador quer, tendo a referência das partes da obra e acompanhando o projeto, esse desvio não chega a 5%, algo que só se conseguiria com os orçamentos executivos
Enga. Cilene Marques

AECweb Responde – Como garantir a assertividade dessas estimativas? Qual costuma ser o desvio em relação ao custo real?

Cilene – A assertividade dessas estimativas será muito grande se, como eu falei anteriormente, tivermos premissas claras do que deseja o incorporador para aquele empreendimento. Exemplo: vamos supor que, desde o início, ele diga que pretende construir um apartamento de altíssimo padrão com o banheiro revestido em ouro. Isso tem que estar precificado. Não teremos o melhor preço para fazer um banheiro em ouro se, durante o andamento do projeto, lá no começo, o incorporador não disse isso ou a especificação não ficou clara. Será adotada uma certa premissa e, quando aparecer no projeto executivo o banheiro em ouro, vai gerar um desvio. A questão é: você consegue enxergar esse desvio neste momento? Porque aí você vai alertar o incorporador e ele saberá onde está tendo o desvio: se é o banheiro revestido de ouro, a estrutura que ficou mais cara ou alguma outra alteração de produto. É possível garantir assertividade de outra forma? Se eu fizer a estimativa por metro quadrado de empreendimentos similares, eu não consigo entender isso. Eu não consigo ver. Teremos apenas um número que não nos permite compreender, por exemplo, eventuais impactos de eficiência e de tempo de construção. O histórico de desvio, segundo agências internacionais, quando se estima por metro quadro de edifícios similares, na fase de viabilidade, é de 30% a 40%. Agora, sabendo bem o que o incorporador quer, tendo a referência das partes e acompanhando o projeto, esse desvio não chega a 5%, algo que só se conseguiria com os orçamentos executivos. Eu já atuei em projetos que, se somados, dariam mais 3 milhões de metros quadrados de área de construção e mais de 3 bilhões de dólares de custo. E nunca tivemos um desvio que chegasse a 5%. Sempre ficou abaixo disso. É milagre? Não. É acompanhamento e definição de custo estratégico. Caso contrário, você realmente não vai conseguir. Não é adivinhação, tem que usar engenharia.

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AECweb Responde – Qual é a diferença entre os modelos de estimativas mais genéricos, por metro quadrado, e aqueles feitos com a abertura de planos de contas, como a senhora propõe?

Cilene – A diferença é que uma estimativa por metro quadrado de projetos similares é apenas um desejo. Não há nenhuma condição de avaliar as partes, de acompanhar o desenvolvimento do processo de projetar e fazer simulações, por exemplo, para alterar o produto final, mudar o escopo e o fornecimento, alterar uma especificação. Não se sabe qual é a quantidade de dinheiro gasto por metro quadrado de plano para cada uma dessas partes. Então, se tivermos tudo aberto, como você falou, em um plano de contas, sabemos onde vai estourar e conseguimos corrigir. O que eu defendo é fazer a estimativa inicial, lá na fase de viabilidade, no mesmo nível de um orçamento executivo. Isso não é saber exatamente quantos sacos de cimento eu vou comprar. Mas dominar de uma forma gerencial todas as partes da construção. Se, no primeiro estudo, o engenheiro estrutural me informou um volume que não coincide com o que eu estou falando, eu já consigo, ali na hora, corrigir o projeto ou o custo. Ou seja, alguma atitude pode ser tomada. Se eu deixo isso para depois, no final, eu não sei onde mais eu tenho que corrigir, inclusive porque muitas coisas já foram executadas ou já foram assumidas. O importante é ter condição de tomar decisões embasadas em custo. É possível garantir que o desvio, em relação à viabilidade, será inferior a 5%. Mas, para isso, tem que fazer acompanhamento.

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Colaboração técnica

Cilene Marques – Engenheira civil com atuação em grandes empresas nacionais e multinacionais, tais como Inpar, Tishman Speyer e WeWork. Mestre pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, é autora do livro “Custo sem Susto – Projetando por Objetivos – Um Método para Gestão do Custo de Edificações.”